PRODUÇÃO ENZIMÁTICA DE ÉSTERES DE AÇÚCARES DE ÁCIDOS GRAXOS: REVISÃO DA LITERATURA
Francisco Lucas Chaves Almeida1; Giovanna Totti Bullo1,2;
Marcus Bruno Soares Forte1
¹Laboratório de Engenharia Metabólica e Bioprocessos, Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil; [email protected], [email protected]
²Faculdade de Engenharia Química, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil, [email protected]
Resumo: Os ésteres de açúcares são amplamente utilizados como biossurfactantes em diversos campos industriais, principalmente na indústria de alimentos. Nos últimos anos, a obtenção por rota enzimática tem ganhado destaque principalmente por se apresentar como uma alternativa amigável ao meio ambiente, e por isso, muitos estudos vêm sendo desenvolvidos principalmente fazendo uso de lipases. Assim, essa revisão visa uma síntese dos relatos da literatura no tocante a esse importante processo. Como fonte de busca, foram utilizadas a base de dados do Web of Science© e o Google Acadêmico. Os trabalhos encontrados foram selecionados de acordo com objetivo da revisão e posteriormente apresentados e discutidos de forma crítica. Ao final do estudo, ficou evidente a importância do grupo de compostos de ésteres de açúcares e também o ganho de relevância no tocante a sua produção por meio de rota enzimática utilizando lipases.
Palavras-chave: ésteres de açúcares, enzimas, lipases.
INTRODUÇÃO
Os ésteres de ácidos graxos de açúcares (EAGA) também conhecidos como ésteres de açúcares são biossurfactantes utilizados em diversos campos industriais, principalmente de alimentos, cosméticos e fármacos. Os EAGA têm ganhado destaque nos últimos anos sobretudo por serem biodegradáveis, inodoros, não irritantes e não tóxicos. Além disso, estudos também relatam outras propriedades como atividade antibacteriana, antifúngica, emulsificante, emoliente (produto utilizado para hidratar ou restaurar a oleosidade), entre outras (EL-BAZ et al., 2021).
Apesar de poderem ser sintetizados através de esterificação química, estudos vêm sendo realizados para produção por meio de esterificação enzimática, a qual têm se destacado especialmente por ser um processo mais amigável ambientalmente do que a rota química. Ao mesmo tempo, processos enzimáticos fazem uso de condições amenas de reação, apresentam alta especificidade e regioseletividade, além de evitar a degradação desses compostos durante a reação (NGUYEN et al., 2019). As lipases e esterases são as enzimas comumente empregadas para a síntese dos ésteres de açúcares (YAO et al., 2016).
As lipases (triacilglicerol acil hidrolases, EC 3.1.1.3) e esterases (carboxil ester hidrolases, EC 3.1.1.1) pertencem a família das hidrolases. As lipases são ativas principalmente em substratos insolúveis, como por exemplo os triglicerídeos, enquanto as esterases preferencialmente atuam em ésteres simples. Além disso, somente as lipases apresentam o fenômeno de ativação interfacial, ou seja, algumas delas têm uma tampa lipoproteica conhecida como “lid” que é responsável pelo fenômeno de ativação interfacial das lipases quando em meio hidrofóbico (LOPES et al., 2011; SCHMID; VERGER, 1998). É importante destacar que por serem mais utilizadas na literatura, os estudos apresentados nessa revisão irão focar na utilização de lipases.
É importante frisar ainda que já existem na literatura pesquisas que utilizam diversas combinações diferentes de substratos para a obtenção de diferentes ésteres de açúcar, proporcionando assim propriedades distintas ao produto final. Além disso, sabe-se que há na literatura o reporte de uma diversa quantidade de lipases diferentes, e que cada uma dessas apresenta características peculiares, podendo essas proporcionar um processo/produto diferente. Nesta perspectiva, tendo em vista a vasta possibilidade de aplicação dos ésteres de açúcares e a diversidade de processos enzimáticos já relatados, esta revisão visa uma síntese dos relatos da literatura no tocante a esse importante processo.
ÉSTERES DE AÇÚCARES: PRODUÇÃO ENZIMÁTICA E APLICAÇÃO
Os ésteres de ácidos graxos de açúcares, como já mencionado anteriormente apresentam importante relevância para a indústria e podem serem obtidos por diversas rotas. No tocante a produção, os EAGA são obtidos a partir da formação de ligações éster entre o grupo hidroxila de açúcares e o grupo carboxila de ácidos graxos ou seus respectivos ésteres (Figura 1) (KLIBANOV, 1989; ZAKS; KLIBANOV, 1985). É importante frisar ainda que o comprimento da cadeia carbônica, natureza do açúcar, e as diferentes ligações possíveis entre as duas cadeias (hidrofílica e alquílica hidrofóbica) estão diretamente relacionados às propriedades físico-químicas finais de cada éster de açúcar (ZHENG et al., 2015).
Figura 1 – Processo para obtenção de éster de açúcar de ácido graxo
Fonte: (SASAYAMA et al., 2021)
Muitos estudos para produção enzimática de ésteres de açúcares vêm sendo propostos na literatura. (SIEBENHALLER et al., 2018) propuseram a produção de diferentes ésteres vinílicos de ácidos graxos utilizando mel e xarope de agave (alternativa vegana) como substratos. Após processo utilizando 20 mg de lipase B da Candida antarctica, imobilizada em resina acrílica (iCalB), 200 μL de um éster vinílico de ácido graxo (palmitato de vinil, laurato de vinil, decanoato de vinil ou octanoato de vinil) e 2,5 mL de mel ou xarope de agave, agitação de 50 rpm, 50°C por 48h, eles verificaram que foi possível obter glucose-6-octanoato e fructose-octanoato a partir do mel e xarope, respectivamente.
Um interessante processo integrado para obtenção de ésteres laurato de D-glucose e D-xilose e pentil xilosídeos a partir do reaproveitamento de farelo de trigo foi proposto por (JOCQUEL et al., 2021). A produção dos ésteres de açúcares se deu por um processo de acilação da D-glucose e D-xilose utilizando a lipase Novozim 435® na presença de ácido láurico (esterificação) ou laurato de metila (transesterificação). Ao final do processo, os melhores resultados foram obtidos quando utilizado o laurato de metila como doador acil, chegando a resultados de 61 mM (éster laurato de D-glucose) e 10 mM (éster laurato de D-xilose), os quais correspondem a uma conversão de 92% e 23% da D-glucose e D-xilose, respectivamente.
É importante frisar que, além do estudo da produção de novos compostos e otimização dessas condições de produção para uma melhoria da produtividade, é de extrema relevância pesquisas voltadas para a aplicação dessas novas moléculas, e alguns desses estudos também serão discutidos nessa sessão.
Um estudo conduzido a partir do reaproveitamento de um subproduto do processamento do amido de milho, o farelo de milho, mostrou que é possível produzir um éster de açúcar de ácido ferúlico (EAGF) e utilizá-lo em processos no tocante à proliferação de bifidobactérias intestinais. Nesse trabalho, camundongos com envelhecimento induzido pela D-galactose foram submetidos a administração de diferentes doses intragástrica (100, 200 e 300 mg kg−1 dia−1 peso corporal) do éster de açúcar estudado, e após o período de estudo constatou-se que o EAGF pôde promover a proliferação de bifidobactérias no intestino dos camundongos estudado, havendo uma proliferação rápida nos 24 primeiros dias de alimentação, sendo que durante todo o período os camundongos que receberam a dose baixa apresentaram o melhor efeito em promover a proliferação das bifidobactérias (DAI; ZHANG; GENG, 2019).
Uma segunda pesquisa recente (NGUYEN et al., 2021) realizou a integração dos processos de produção e aplicação de um éster de açúcar, os autores realizaram a otimização para obtenção do éster de maltoheptaose-palmitato – G7-PA (10% de dimetilsulfóxido, razão molar de 0,2 de maltoheptaose, 33,5 U da lipase CALB imobilizada por 1g de ácido palmítico a 60°C) obtendo conversão superior a 92,75% após 24h de processo e posteriormente realizaram a comparação do poder de emulsão do G7-PA e um éster de açúcar comercial (sacarose S-PA). Os autores perceberam que ambos os ésteres criaram emulsões estáveis em pH moderado, mas que o G7-PA apresentou melhores resultados em pH 3, enquanto a emulsão preparada com S-PA foi floculada. Ainda, verificaram que a emulsão G7-PA demonstrou melhor distribuição de gotículas estáveis do que a S-PA utilizando uma baixa concentração de emulsificante (0,1%).
Baseado nisso, é de suma importância perceber que os estudos voltados para otimização e aperfeiçoamento da produção de ésteres de açúcares tem alcançado resultados promissores no tocante a rendimentos, e que ainda a aplicação desses ésteres vem se mostrando bastante promissora.
CONCLUSÕES
Conclui-se que os ésteres de açúcares apresentam relevante importância para diversos setores industriais, principalmente para a área de alimentos, podendo serem utilizados como biossurfactantes e que a síntese por rota enzimática se apresenta como uma alternativa ecologicamente amigável para obtenção desses compostos, quando comparada a rota química. Além disso, percebe-se que diversos substratos e processos, inclusive integrados ao reaproveitamento de subprodutos vêm sendo proposto nesse mercado. Destaca-se ainda que esse estudo avaliou a aplicação dos ésteres de açúcares somente nas áreas de alimentos e nutrição, sendo também interessante a expansão para outras áreas em levantamentos futuros.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o suporte financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) [2019-03399-8] e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
REFERÊNCIAS
DAI, J.; ZHANG, W.; GENG, X. Effect of ferulic acid sugar ester with high molecular mass from corn bran on proliferation of intestinal bifidobacteria in aged mice induced by D-galactose: The role of HFASE in the intestine. Journal of Food Biochemistry, v. 43, n. 11, p. 1-9, 2019.
EL-BAZ, H. A. et al. Enzymatic synthesis of glucose fatty acid esters using scos as acyl group-donors and their biological activities. Applied Sciences (Switzerland), v. 11, n. 6, 2021.
JOCQUEL, C. et al. An Integrated Enzymatic Approach to Produce Pentyl Xylosides and Glucose/Xylose Laurate Esters From Wheat Bran. Frontiers in Bioengineering and Biotechnology, v. 9, 7 abr. 2021.
KLIBANOV, A. Enzymatic catalysis in anhydrous organic solvents. Trends in Biochemical Sciences, v. 14, n. 4, p. 141–144, abr. 1989.
LOPES, D. B. et al. Lipase and esterase – to what extent can this classification be applied accurately? Ciencia e Tecnologia de Alimentos, v. 31, n. 3, p. 608–613, 2011.
NGUYEN, P. C. et al. Enzymatic synthesis and characterization of maltoheptaose-based sugar esters. Carbohydrate Polymers, v. 218, n. April, p. 126–135, 2019.
NGUYEN, P. C. et al. A novel maltoheptaose-based sugar ester having excellent emulsifying properties and optimization of its lipase-catalyzed synthesis. Food Chemistry, v. 352, n. November 2020, p. 129358, 2021.
SASAYAMA, T. et al. Process for continuous production of sugar esters of medium-chain fatty acid: Effect of residence time on productivity and scale-up design. Journal of Food Engineering, v. 305, p. 110608, set. 2021.
SCHMID, R. D.; VERGER, R. Lipases: Interfacial Enzymes with Attractive Applications. Angewandte Chemie International Edition, v. 37, n. 12, p. 1608–1633, jul. 1998.
SIEBENHALLER, S. et al. Lipase-Catalyzed Synthesis of Sugar Esters in Honey and Agave Syrup. Frontiers in Chemistry, v. 6, n. February, p. 1–9, 2018.
YAO, T. et al. The Lipase-catalyzed Synthesis of Sugar Ester in Non- aqueous Medium. n. Emcs, p. 320–323, 2016.
ZAKS, A.; KLIBANOV, A. M. Enzyme-catalyzed processes in organic solvents. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 82, n. 10, p. 3192–3196, 1 maio 1985.
ZHENG, Y. et al. Sugar Fatty Acid Esters. In: Polar Lipids. [s.l.] Elsevier, 2015. p. 215–243.