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PROPOSTA DE IMPLANTAÇÃO DO PASTOREIO RACIONAL VOISIN E RECUPERAÇÃO DE MATA CILIAR EM PROPRIEDADE AGRÍCOLA DO MUNICÍPIO DE SÃO MARTINHO – SC

Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2. Para acessá-lo clique aqui.

DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-6

Este trabalho foi escrito por:

André Steiner Vieira; Mirian Cristina Feiten*

*Autor correspondente (Corresponding author): [email protected]

Resumo: O presente trabalho visa a elaboração de projeto para a implantação de melhorias nos sistemas agropecuários em uma propriedade rural do município de São Martinho, Santa Catarina (SC). As principais atividades desenvolvidas no imóvel são, atualmente, a piscicultura e a pecuária de subsistência, sendo que o interesse por parte da proprietária em diversificar as atividades agrícolas e, consequentemente, aumentar os rendimentos, aflorou a bovinocultura de corte como opção praticável. Esta atividade destaca-se pela forte expressão socioeconômica na renda do produtor catarinense e, por SC ser um dos estados brasileiros livres de febre aftosa sem vacinação, ocorre maior facilidade de câmbio no comércio interno e externo. Desta forma, em razão das características citadas, optou-se pela implantação da bovinocultura de corte na propriedade alvo do projeto, através de desenvolvimento do sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV) e o melhoramento das pastagens por sobressemeadura, objetivando melhorar a qualidade do rebanho bovino, empregando técnicas que levam em consideração a conservação do solo e dos recursos hídricos, com a recuperação da mata ciliar.

Palavras–chave: bovinocultura de corte; PRV; pastagem; sobressemeadura; mata ciliar

Abstract: The present work depicts a project of improvements implementation in the agricultural systems of a rural property in the municipality of São Martinho, Santa Catarina (SC). Currently, the main activities carried out on the property are fish farming and subsistence cattle farming and, the interest on the part of the owner in diversifying agricultural activities and, subsequently, increasing her income, has emerged beef cattle raising as a viable option. This activity stands out for its socioeconomic expression in the income of the Santa Catarina farmers and, as SC is one of the Brazilian states free of foot-and-mouth disease with no vaccination, there is greater ease of cattle commercialization in domestic and foreign trade. In this sense, due to the aforementioned characteristics, it was decided to implement beef cattle raising on the target rural property through development of the Voisin Rational Grazing (VRG) besides the improvement of pastures by overseeding, aiming to, consequently, enhance the quality of the cattle, using techniques that take the conservation of soil and water resources into account, along with the riparian forest recovery.

Keywords: beef cattle raising; VRG; pasture; overseeding; riparian forest

INTRODUÇÃO

A bovinocultura de corte é uma importante atividade econômica no Brasil, sendo o país um dos maiores produtores de carne bovina há vários anos (1). De acordo com o IBGE, no ano de 2020 o Brasil abateu 27,54 milhões de animais, com uma produção de carne de gado de mais de 9,32 toneladas. O Brasil possui um rebanho aproximado de mais de 218 milhões de cabeças, sendo o segundo maior produtor mundial, ficando atrás somente dos Estados Unidos da América (1,2). 

A atividade apresenta diferentes formas de criação, como de ciclo completo ou apenas terminação. Os sistemas de produção podem variar entre manejo extensivo, cuja alimentação é exclusivamente através de campos nativos ou de pastagens de inverno; e por manejo intensivo, onde o animal é confinado e recebe suplementação, além de outras cargas de insumos (3). Uma característica da pecuária brasileira é ter a maior parte de seu rebanho criado de forma extensiva (4), dentro de seus mais de 159 milhões de hectares de pastagens entre nativas e plantadas (5), que apresenta ser a forma menos onerosa e mais prática de produzir e oferecer o suprimento alimentar para os bovinos. As características climáticas e da extensão territorial do país contribuem para essa prática produtiva, levando o Brasil a ter um dos menores custos de produção de carne do mundo (4,6). No entanto, estima-se que 70% das pastagens cultivadas apresentam algum grau de degradação, sendo que uma grande parte já se encontra em estágio avançado de degradação. Dentre as principais causas de degradação das pastagens do Brasil estão o excesso de lotação e a falta de reposição de nutrientes (7).

Assim, a sobressemeadura é uma prática que visa estabelecer culturas forrageiras anuais em pastagens formadas com espécies perenes, normalmente dominadas por gramíneas, sem destruir a vegetação existente. Além das forragens tropicais apresentarem um menor valor nutritivo em relação às de clima temperado, elas também ficam em estado de dormência e pouco produtivas no inverno, o que permite a sobressemeadura. Com um manejo adequado pode-se aumentar a qualidade do pasto, aumentar a capacidade de suporte e estender a estação de pastejo (4,8,9). Sabe-se que a estacionalidade da produção de forragens é um dos principais fatores responsáveis pelos baixos índices de produtividade no cenário da pecuária nacional. Há duas realidades: épocas de secas e épocas de frio. No sul do Brasil, as estações mais críticas são os de outono e inverno, quando as forrageiras de origem tropical e subtropical têm seu crescimento reduzido. Neste sentido, a técnica de sobressemeadura de forragens de inverno em áreas formadas com espécies perenes de clima tropical se constitui como a melhor opção para aumentar a produção e distribuição estacional (8).

Fontaneli e Jacques (1991) objetivaram estipular quais espécies forrageiras de clima temperado, quando introduzidas na pastagem natural, seriam capazes de manter a produção de forragem equilibrada durante todo o ano (10). Entre aveia preta, aveia branca, azevém, trevo vesiculoso, trevo vermelho, trevo subterrâneo e trevo branco, a que mais produziu matéria seca foi a aveia branca, que já é largamente utilizada pelos produtores do sul do Brasil. Nas espécies nativas foi encontrado um teor de proteína bruta (PB) médio de 7,7%. Em relação à disponibilidade total de PB, verificou-se que a aveia branca também apresentou maiores teores que os demais, com 165 kg/ha de PB. Também foi observado que, após as forrageiras estarem estabelecidas, o solo estava quase totalmente coberto, com somente 3% sem cobertura. Outros estudos indicam a importância de se melhorar as pastagens com espécies forrageiras, pois além de aumentarem atributos nutricionais e de produtividade, estas têm a capacidade de melhorar a fertilidade do solo e a ciclagem de nutrientes, proporcionando não somente benefícios aos animais, mas também ao solo e ao meio ambiente (4,8,11).

Por outro lado, o Pastoreio Racional Voisin (PRV) é um método de manejo de pastagens baseado na integração entre solo, pasto e animal, sendo monitorado pelo homem, através do cumprimento das Leis Universais do Pastoreio Racional, que se baseiam nas interações fisiológicas entre animais e plantas, para que se atinjam os máximos rendimentos de matéria verde, no momento de sua melhor qualidade biológica (12,13). Este método traz vantagens, tais como: a manutenção do equilíbrio entre o crescimento da pastagem e seu corte realizado pelos animais ao se alimentarem, mantendo assim, uma taxa de incremento de ganho de peso constante, respeitando o tempo fisiológico da planta e permitindo que ela rebrote novamente (14,15,16).

Para que esses objetivos sejam alcançados deve-se respeitar a curva sigmoide (Figura 1), que representa o crescimento da planta após o pastoreio, o que pode ser observado pelas elevadas reservas na raiz logo após o corte. Quando é respeitado o tempo de repouso da planta, as reservas permitem um novo crescimento e estabelecimento natural da planta. Deste modo, ela só será consumida novamente quando já obtiver reservas no sistema radicular suficientes para rebrotar (17).

Figura 1 – Curva sigmoide do crescimento da planta após o pastoreio. Fonte: Adaptado de (17).

O estado de Santa Catarina (SC) vem de uma longa tradição na criação de bovinos, mercadoria esta, que sempre esteve de uma forma ou outra integrada na economia catarinense, desde os tempos de tropeiros até os dias atuais (18,19). O estado é caracterizado por ser predominantemente da agricultura familiar, de pequenas propriedades com níveis de tecnificação, renda e atividades muito variadas. A bovinocultura de corte é uma atividade importante pela sua expressão sócio-econômica nas somas da renda catarinense, tendo em 2019 gerado o montante de R$1,72 bilhão de vendas de carne bovina, ocupando a 6ª posição no ranking nacional, com 750,7 mil bovinos abatidos e um rebanho estimado de 4,70 milhões de cabeças (20). Além disso, um dos maiores avanços da pecuária catarinense foi a histórica conquista do status de área livre de aftosa sem vacinação há 15 anos, o que confere facilidade de câmbio no comércio interno e externo (21).

São Martinho está localizada na região sul do estado de Santa Catarina, há 175 km distante da capital Florianópolis, e possui cerca de 3.162 habitantes (22). A base da economia de São Martinho é a agricultura familiar, com plantio de fumo e das culturas de milho, feijão, mandioca, além da elaboração de produtos coloniais. Na pecuária, o destaque é o gado leiteiro, porém a criação de bovinos de corte, suínos e aves também é registrada no município (23).

Com o exposto, este projeto propõe o desenvolvimento do uso integrado de uma propriedade rural do município de São Martinho – SC. Os objetivos da proprietária são a criação de um rebanho de gado de corte, a realização de melhor planejamento da propriedade visando o aumento de renda e a eficiência dos processos produtivos, levando-se em conta todas as questões ambientais envolvidas. Para atingir tais metas, objetiva-se promover o melhoramento da pastagem através da introdução de forrageiras de maior qualidade (por sobressemeadura) e a implantação do sistema PRV através da divisão da pastagem em piquetes, cujo objetivo principal é melhorar a qualidade do rebanho bovino, com técnicas que levem em consideração a conservação do solo e dos recursos hídricos, com a recuperação da mata ciliar.

MATERIAL E MÉTODOS

A propriedade rural objeto da implantação deste projeto está localizada no município de São Martinho – SC, na latitude 28º09′ sul e a uma longitude 48º58′ oeste de Greenwich, possui 7,33 ha com relevo levemente ondulado, há 4 km de distância do centro da cidade. Na Figura 2 (24) pode ser visualizada a planta da propriedade, que se caracteriza por: sede (0,3 ha), três açudes para piscicultura (açude 1: 0,1 ha, açude 2: 0,5 ha e açude 3: 0,23 ha, aproximadamente), um galpão para o gado, uma área total de 5,5 ha para pastagem e 0,7 ha de UPP (Unidade de Proteção Permanente). Uma parte da propriedade, previamente ocupada por plantação de eucalipto, se encontra atualmente no processo de implantação de nova pastagem.

Figura 2 – Fonte: (24).

São Martinho, localizada na região Sul do estado de Santa Catarina, apresenta, segundo a classificação climática de Köppen, o clima subtropical úmido, caracterizando-se por verões quentes, cuja temperatura média é de 20 ºC e a do mês mais quente é superior aos 30 ºC, com altitude 38 m acima do nível do mar (25). Quanto ao regime pluviométrico, a média anual fica em torno de 1100 a 1400 mm, sendo a distribuição durante o ano todo sem estação seca (26). A vegetação característica da região é a Floresta Ombrófila Densa, que é bastante fechada de árvores e bastante úmida. Uma das árvores mais presentes é o palmiteiro, mas também ocorrem samambaias, canelas, guamirins e várias espécies de epífitos (27).

Segundo Uberti (2005), o município de São Martinho possui o solo na sua maioria do tipo Argissolo Vermelho – Amarelo, há predominância do horizonte superficial A do tipo moderado e proeminente, apresentando principalmente a textura média/argilosa, podendo apresentar em menor frequência a textura média/média e média/muito argilosa (28). Apresentam também baixa a muito baixa fertilidade natural, com reação fortemente ácida e argilas de atividade baixa.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Sobressemeadura

O melhoramento da pastagem incrementa a cobertura do solo e pode contribuir para a melhora nas propriedades físicas e químicas do mesmo através da consorciação de diferentes espécies forrageiras. Assim, nesta propriedade rural do município de São Martinho – SC, a técnica de sobressemeadura de inverno passará a ser utilizada, onde serão semeadas espécies de gramíneas (aveia e azevém) e leguminosas (trevo vermelho e trevo branco). No verão, a presença de forragens naturais ou naturalizadas poderá ser explorada, e se necessário for, a sobressemeadura de verão para melhorar a qualidade e a quantidade de pastagem poderá ser realizada.

O aproveitamento da pastagem naturalizada no verão proporciona boa cobertura de solo, atende as exigências dos animais e diminui a necessidade de movimentação do solo. Com o aumento da quantidade e da qualidade de pastagem, o gado poderá se manter apenas com a alimentação através de pasto, gerando economia à agricultora.

A recomendação da sobressemeadura das espécies de inverno é de que seja realizada na última quinzena do mês de março e/ou na primeira semana de abril nas áreas com o sistema de PRV (14). O plantio nesta época é beneficiado por ser uma época chuvosa: faz-se a semeadura no piquete antes que os animais o ocupem; assim, o pisoteio dos animais no solo úmido proporciona o enterramento das sementes, aumentando o contato entre sementes e solo, aumentando a taxa de germinação devido à umidade (29).

As leguminosas definidas para sobressemeadura de inverno, disponíveis no comércio local de São Martinho, são Trevo Branco e Trevo Vermelho. Segundo o Guia Prático de Plantas de Cobertura (30), o Trevo Branco (Trifolium repens L.) é uma leguminosa perene, rasteira, estolonífera, com formação de raízes nos nós, e possui alto valor nutritivo. Apresenta grande potencial para fixação de nitrogênio, seu vigor inicial é baixo e o estabelecimento é lento. Indica-se para a instalação do trevo-branco a utilização da sobressemeadura na quantidade de 2 kg/ha em consórcio. Recomenda-se a peletização das sementes antes da semeadura. Ainda, segundo o mesmo guia, o Trevo Vermelho (Trifolium pratense) é uma leguminosa bienal, que possui hastes eretas ou inclinadas, folíolos grandes com manchas claras de forma variável no centro, podendo crescer até 60-70 cm de altura. Suas flores são vermelho-arroxeadas, não tolera temperaturas elevadas e períodos secos. É exigente em solo, mostrando preferência pelos solos de textura média, profundos, férteis, úmidos e não ácidos. A quantidade de sementes recomendada é de 8 kg/ha em consórcio.

Da mesma forma, as gramíneas definidas para sobressemeadura de inverno, pela disponibilidade para compra no comércio local, são azevém e aveia branca (30,31). O azevém (Lolium multiflorum) é uma espécie anual, mas com um manejo adequado pereniza-se com facilidade, apresenta propagação por sementes, que tem alto poder germinativo. Utilizam-se cerca de 25 kg/ha de azevém para o plantio por sobressemeadura em consórcio. Seu crescimento inicial é lento, mas cresce rapidamente e proporciona uma grande produção de matéria verde em uma época de pouca produção da maioria das espécies. Já a aveia Branca (Avena sativa) é uma gramínea anual, com hábito de crescimento ereto, possui um robusto sistema radicular que melhora a estrutura do solo, apresenta boa palatabilidade e um bom valor nutritivo, alta produção de matéria verde, sendo muito apreciada pelos animais. Adapta-se bem à consorciação com outras espécies forrageiras e é largamente utilizada como planta de cobertura. A introdução desta espécie se dá por sobressemeadura na quantidade de 60 kg/ha em consórcio. É uma gramínea de clima subtropical-temperado, não exigente em solos, vegeta bem em locais de boa umidade, não tolerando água estagnada.

Sistema Pastoreio Racional Voisin  

A divisão do pasto em piquetes proporciona melhor utilização dos recursos. Respeitando o tempo de repouso da pastagem, haverá melhor aproveitamento desta e menor impacto negativo para o solo. O Pastoreio Racional Voisin (PRV) pode ser utilizado para melhorar a produção, a eficiência e diminuir os impactos gerados ao solo e ao meio ambiente (14,15,16,29).

Com a aplicação do sistema de PRV e o uso de altas cargas instantâneas há a modificação do hábito alimentar dos bovinos. No manejo extensivo, o gado escolhe o que come e, no PRV, ele come o que lhe é oferecido. Com a alta concorrência dos outros animais por comida, os animais comem mais em um mesmo lugar, andando menos e compactando menos o solo. Há ainda o fato de que o gado vai pastejar e logo passará ao outro piquete, deixando o primeiro em repouso até que o pasto atinja o ponto ótimo de repouso, favorecendo o desenvolvimento da planta, o crescimento de raízes e melhorando a qualidade do solo (14,15,16,29).

A divisão de piquetes é feita através do cálculo do número de piquetes, com o uso de um tempo de repouso de 30 dias, tempo de permanência de 2 dias e apenas um lote de animais (32,33), conforme Equação 1.

Número de piquetes = (Tempo de repouso / tempo de permanência) + número de lotes

Número de piquetes = (30/2) + 1 = 16 piquetes

Equação 1

O tamanho dos piquetes se dá através da divisão da área útil para pastagem (5,5 ha) pelo número de piquetes, menos 10% que serão utilizados para os corredores (Equação 2).

Área – 10% = Tamanho do piquete = área / número de piquetes

            Tamanho do piquete = 4,95/16 = 0,31 ha/piquete

                         Equação 2

Recuperação da Mata Ciliar

De acordo com SENAR/SC (2005), um módulo fiscal em São Martinho – SC corresponde a 14 hectares (34) e, portanto, a propriedade em questão possui 1 módulo fiscal. Assim, segundo a Lei 12.651 de 25 de maio de 2012 (Novo Código Florestal Brasileiro) (35), as propriedades rurais consolidadas até 22 de julho de 2008 para imóveis rurais necessitam uma recomposição de faixas marginais dos rios de no mínimo 5 metros ao longo dos cursos d’água, independentemente da largura do curso d’água (36,37). Dessa forma, a área de mata ciliar a ser recuperada nesta propriedade pode ser visualizada no croqui (Figura 3) e corresponde a uma área de aproximadamente 1.700 m2 (24).

Figura 3 – Fonte: (24).

Para que ocorra a recuperação da mata ciliar do curso d’água que circunda a propriedade, será estabelecido plantio de uma gama variada de plantas visando ter maior cobertura do solo, evitar a acentuação da erosão, e ter diversidade de espécies. Para isso, inicialmente haverá a implantação de algumas espécies de forrageiras para a adubação verde e manutenção da cobertura do solo. Após esse processo de cobertura do solo e recuperação, a área correspondente à mata ciliar será cercada para evitar que os animais tenham acesso e, então, serão plantadas mudas de espécies arbóreas pioneiras, secundárias e clímax.

De acordo com Mateus e Wutke (2006), a prática da adubação verde tem como finalidade a preservação e restauração dos teores de matéria orgânica e nutrientes do solo (38). A adubação verde produz alto teor de material orgânico, geralmente com elevados teores de macro e micronutrientes, o que acaba proporcionando o aumento da capacidade de troca catiônica, da infiltração e da retenção de água no solo, tornando-se mais favoráveis as condições para o desenvolvimento microbiano no solo.

Por conseguinte, as forrageiras também têm papel fundamental para a manutenção da estrutura física do solo, proporcionando incremento de matéria orgânica, disponibilidade de nutrientes, retenção de água, aumento da atividade microbiológica do solo e aumentam o conteúdo de nitrogênio. As espécies escolhidas da listagem de espécies disponibilizadas pela Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI) para pedido no ano corrente são (30,31):

  • Guandu (Cajanus cajan): leguminosa de porte ereto, com desenvolvimento inicial lento, ciclo predominantemente semi-perene, de múltiplos usos – adubo verde, alimentação humana e animal, quebra-ventos e, comumentemente, cultivada nas regiões tropicais e subtropicais. Adaptada à uma ampla faixa de precipitação pluvial, é resistente à seca, desenvolvendo-se mais adequadamente em temperaturas mais elevadas, sobretudo na faixa de 18 a 30 ºC, sendo obtidas, por ano, de 8 a 12 toneladas/ha (ton/ha) de matéria seca. O gasto de sementes é de 60 kg/ha a lanço. Época de semeadura é de outubro a janeiro.
  • Feijão-de-porco (Canavalia ensiformis DC): planta anual, ereta, herbácea, com altura de dossel ao redor de 0,8 a 1,0 m e potencial produtivo de 5 a 8 ton/ha de matéria seca. O gasto de sementes é de 200 kg/ha a lanço. Época de semeadura é de outubro a janeiro.
  • Mucuna preta (Mucuna aterrima): planta anual ou bianual, trepadora, de ampla adaptação, que pode atingir altura de 0,5 a 1,0 m, com potencial de produção de massa vegetal seca de 6 a 8 ton/ha. Apresenta desenvolvimento vegetativo vigoroso e acentuada rusticidade, adaptando-se bem às condições de deficiência hídrica e de temperaturas altas. Nessa espécie o crescimento inicial é extremamente rápido e, aos 58 dias após a emergência, tem-se a cobertura de 99% da superfície do solo. O gasto com semente é de 130 kg/ha a lanço. Época de semeadura é de outubro a março.
  • Crotalária juncea (Crotalaria juncea L.): planta anual, arbustiva, de crescimento ereto e determinado podendo atingir de 3,0 a 3,5 m de altura, com potencial de produção de matéria seca em torno de 15 a 20 ton/ha. Época de semeadura é de outubro a março. O gasto de semente é em torno de 30 kg/ha a lanço.

 As espécies nativas disponibilizadas pela EPAGRI para o ano corrente, juntamente às de interesse da proprietária, que serão inseridas na propriedade em sequência à adubação verde compreendem:

  • Myrtaceas: Pitangueira (Eugenia uniflora), Goiabeira (Psidium guajava), Araçá amarelo (Psidium cattleianum), Jabuticaba (Plinia trunciflora);
  • Nativas: Aroreira (Lithraea molleoides), Tucaneira (Citharexylum myrianthum), Grandiuva (Threma micantra), Chal-chal (Alophylus edulis);
  • Anonácea: Fruta-do-conde (Annona squamosa);
  • Palmeiras nativas: Juçara (Euterpe edulis), Jerivá (Syagrus romanzoffiana);
  • Bananeira: qualquer espécie do gênero Musa;
  • Citrus: Limão galego (Citrus aurantifolia), Bergamota (Citrus reticulata), Laranja (Citrus sinensis);
  • Café (Coffea arábica);
  • Abacate (Persea americana).

CONCLUSÕES

            O manejo adequado do solo tem diversos benefícios em relação à sua conservação, promovendo o melhor aproveitamento dos recursos naturais já disponíveis na propriedade e ainda pode render boa produtividade, o que será extremamente importante para a agricultora em questão. O projeto de implantação do PRV pode vir a ser dividido em etapas, para que o custo de investimento seja diluído e a agricultora possa ter um retorno, ainda que pequeno, para girar seu capital.

            Dessa forma, o presente relato de caso ressalta a importância do planejamento técnico para tornar o processo de uso integrado da propriedade rural mais sustentável, respeitando as diferentes limitações da propriedade e as leis ambientais em vigência. Assim, o pequeno produtor rural terá, a longo prazo, menores custos e maior capacidade de produção sem prejudicar o solo e os recursos hídricos.

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  35. Brasil. Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012. Dispõe sobre a proteção da vegetação nativa; altera as Leis nºs 6.938, de 31 de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; revoga as Leis nºs 4.771, de 15 de setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, e a Medida Provisória nº 2.166-67, de 24 de agosto de 2001; e dá outras providências. Diário Oficial da União. 25 Mai 2012.
  36. Castro D, Mello RSP, Poester GC. Práticas para restauração da mata ciliar. Porto Alegre: Catarse – Coletivo de Comunicação; 2012.
  37. Candiotto LZP, Vargas FA. Principais alterações no novo código florestal brasileiro e os potenciais impactos ao meio ambiente. Observatorium. 2018:9(22):181-207.
  38. Mateus GP, Wutke EB. Espécies de leguminosas utilizadas como adubos verdes. Pesquisa & Tecnologia. 2006:3(1):Jan-Jun.

Fundada em 2020, a Agron tem como missão ajudar profissionais a terem experiências imersivas em ciência e tecnologia dos alimentos por meio de cursos e eventos, além das barreiras geográficas e sociais.

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