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PLANEJAMENTO FAMILIAR NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA MULTIPROFISSIONAL

Capítulo de livro publicado no livro: Tecendo cuidados e semeando saúde: experiências e relatos inspiradores de atenção primária. Para acessa-lo  clique aqui.

DOI: https://doi.org/10.53934/9786599965838-13

Este trabalho foi escrito por:

Beatriz Paulina Santos França; Letícia Leite Costa; Maria Rita Martins de Souza; Thalita Oliveira de Melo ; Jackson Rodrigo da Silva; Cândida Mirna de Souza Alves Alencar; Acácia Barros Fernandes Dutra; Caio Eduardo de Araujo Farias; Bruna Braga Dantas; Francinalva Dantas de Medeiros

RESUMO

Introdução: Conforme a Lei federal 9.263/96, o planejamento familiar faz parte das atividades realizadas diariamente na Atenção Primária à Saúde e caracteriza-se como direito de todo o cidadão a um conjunto de ações de regulação da fecundidade, que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Objetivo: Sendo assim, esse trabalho objetiva buscar a compreensão das dificuldades encontradas em uma unidade básica de saúde relacionadas ao planejamento familiar, bem como descrever a experiência dos/das estudantes e preceptores no serviço voltado à temática. Metodologia: Para isso, foi realizado o relato de experiência dos estudantes do Programa de Educação pelo Trabalho para Saúde (PET-Saúde) e de profissionais tanto do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) quando da Unidade Básica de Saúde (UBS) sobre ações de planejamento familiar realizadas no município de Nova Floresta – PB. Resultados: Durante o acompanhamento das consultas realizadas pelos profissionais de Enfermagem e Serviço Social, os/as estudantes vivenciaram a realidade do trabalho interprofissional de planejamento familiar em um município de pequeno porte, observando, além de sua importância, os obstáculos e as dificuldades da abordagem, ressaltando a importância da construção de ambientes para o diálogo para conferir à população informações e autonomia, garantindo êxito em intervenções de planejamento familiar. Conclusão: Assim, evidencia-se a importância da intervenção de uma equipe multidisciplinar para superação de intempéries e planejamento de estratégias adequadas ao acolhimento da população e à adesão aos serviços de planejamento familiar.

Palavras-chave: Atenção primária à saúde, Educação em saúde, Estratégia de saúde da família, Equipe multiprofissional, Planejamento familiar

INTRODUÇÃO

Voltada para o planejamento familiar, a Lei no 9263, de 12 de janeiro de 1996, coloca em seu Art. 5º, como dever do Estado, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS), promover condições que assegurem o livre exercício do planejamento familiar (1). Dito isto, fica claro o reconhecimento estatal, e amparado por lei, da importância do papel da Atenção Primária à Saúde (APS) no suporte e garantia do direito à liberdade e autonomia dos usuários e famílias acerca do planejamento e gestão da fertilidade e vida reprodutiva, bem como da gestão familiar (1). Frente a isso, os serviços de saúde oferecidos pelo SUS devem fornecer condições adequadas de acolhimento e assistência em saúde no que tange aos processos de reprodução, contracepção ou esterilização, visando o bem-estar familiar, o direito à livre escolha quanto à continuidade ou interrupção da fertilidade e vida reprodutiva dos sujeitos (1,2).

O planejamento familiar não consiste em um processo mecânico, muito menos ocorre de forma alheia aos contextos e condicionantes sociais das comunidades e dos contextos e culturas intrafamiliares(2).Dentre as temáticas e questões a serem consideradas durante o processo, que deve ser realizado por equipe multidisciplinar, contando com profissionais das área de medicina, enfermagem, assistência social e psicologia obrigatoriamente, encontram-se questões relacionadas ao casamento; sexualidade; configuração e relacionamento familiar; o desejo ou não desejo em expandir a família por parte dos pais; as condições socioeconômicas; problemas de saúde cuja gravidez venha a trazer risco para a gestante, para gestação ou para o desenvolvimento da criança; infecções sexualmente transmissíveis; controle de natalidade; machismo e patriarcado; e métodos contraceptivos(2)

Frente à complexidade sociocultural que tende a variar de caso a caso e de família a família, muitas vezes os profissionais de saúde enfrentam grandes dificuldades para realização do planejamento familiar de forma adequada, sejam dificuldades culturais, a exemplo de posicionamentos de movimentos religiosos contra o uso de métodos contraceptivos (3); de contexto individual ou familiar, a exemplo da associação e responsabilização apenas das mulheres no planejamento familiar (4); ou de logística e disponibilidade dos participantes necessários ao processo previsto na legislação vigente, uma vez que, com certa frequência, os homens realizam trabalhos incompatíveis com os horários de funcionamento dos serviços de saúde(5). Em consequência a essas dificuldades, o processo de planejamento familiar pode vir a ser dificultado ou comprometido, de forma a não cumprir com excelência os seus objetivos de acolhimento, orientação e assistência via a procedimentos em saúde que venham a ser realizados (2).

Os atos de gerar e criar filhos demandam muita responsabilidade e trabalho, de modo que se torna interessante, quando possível, que as famílias ou indivíduos planejem bem essa etapa de suas vidas, realizando essa atividade com estrutura psicológica, social e financeira adequadas ao desenvolvimento e bem-estar dos filhos e da família como um todo (6). Desse modo, destaca-se que o planejamento ideal da parentalidade necessita dos seguintes pré-requisitos: uma gestação cuidadosamente planejada; compreensão de que o nascimento de uma criança resulta na instituição de uma família; consciência dos riscos atrelados à maternidade; se houver parceiros no projeto, essas decisões devem ser tomadas em conjunto; análise das condições financeiras para cuidar dos filhos; o cuidado dos descendentes deverá ser uma preocupação constante, antes mesmo do nascimento; o descendente deve ser gerado sem violência. Todos esses determinantes devem ser trabalhados e esclarecidos no ato de exercer a sexualidade de forma responsável, uma vez que a ênfase do questionamento ético acerca do planejamento familiar está nos que geram descendentes sem preparação para tal ato(2,6).

Diante dessa conjuntura, é indispensável que a formação de profissionais de saúde que participam da execução do planejamento familiar proporcionem o desenvolvimento de competências e habilidades que ofereçam informações adequadas para realização dessa atividade. Somado a isto, ressalta-se a necessidade de cursos de formação continuada, uma vez que os contextos, aspectos culturais e legislação acerca da temática são dinâmicos e estão em constante mudança e atualizações, de modo que os profissionais possam abarcar e conduzir o processo atentos a essas mudanças (2).

A percussão das informações do planejamento familiar de forma adequada é de fundamental importância, pois assim viabiliza ao interessado o exercício da sua percepção crítica a respeito da sua realidade e o exercício da sua autonomia, distinguindo e refletindo sobre os diversos métodos contraceptivos existentes, sejam temporários ou permanentes, e fazer suas escolhas de forma embasada e consciente (7).

Atualmente, o planejamento familiar é discutido e desenvolvido em primeira instância pelas unidades da Estratégia Saúde da Família (ESF) e pela APS, o qual pauta seu modelo assistencial na participação comunitária, trabalho em equipe e na construção de um vínculo entre os profissionais e a comunidade. A proposta de planejamento familiar executada pela ESF, tem que abranger o processo de educação, aos casais e à comunidade, sobre reprodução; o processo de informação através de educação em saúde; o papel da mulher, dos filhos e dos pais; assim como da família na comunidade e os impactos de tudo isso na sociedade (8).

A ESF concebe-se no âmbito brasileiro como a peça basilar para que o planejamento familiar ocorra, pois é a entrada inicial dos serviços públicos de saúde, além de possibilitar um maior estreitamento do convívio, do vínculo e da confiança da comunidade, facilitando a comunicabilidade entre o cliente e o profissional de saúde, tendo como profissionais responsáveis pelo processo, os médicos e enfermeiros(9). Contudo, a ESF também conta com o apoio de profissionais do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), sendo estes, assistente social e psicólogo, que além de exigidos pela legislação que ampara o processo de planejamento familiar, se mostram de fundamental importância para o processo de orientação, reflexão e escolha exercidas pelos indivíduos e famílias (9).

Diante das parcerias possíveis entre serviços de saúde e outros órgãos e instituições, o Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (PET-Saúde) apresenta-se como um programa focado em fortalecer e auxiliar os serviços de saúde a partir da construção de projetos e atividades que visam atender as necessidades dos serviços e comunidades, bem como propicia uma experiência profissional, aos estudantes participantes do programa, aproximada da realidade dos serviços, atuando também com viés educacional(10).

Portanto, esse trabalho tem por objetivos buscar a compreensão das dificuldades locais relacionadas ao planejamento familiar, bem como descrever de estudantes e preceptores/as de um Grupo Tutorial do PET-Saúde em uma Unidade Básica de Saúde de Nova Floresta-PB, sobre as ações de planejamento familiar desenvolvidas, e as problemáticas e dificuldades relacionadas.

MATERIAL E MÉTODOS

O presente trabalho trata-se de um relato de experiência, de abordagem qualitativa, desenvolvido a partir de atividades vivenciadas pela equipe multiprofissional de saúde, que conta com uma enfermeira do PSF I (Unidade Básica de Saúde (UBS) Rosalia Henrique de Alencar Lima) e uma nutricionista, uma assistente social e um psicólogo do NASF e estudantes dos cursos de Enfermagem e Nutrição do PET-Saúde, edição de 2022/2023 no município de Nova Floresta-PB. Esse município possui pouco mais de 10 mil habitantes, segundo o censo do IBGE de 2021. O IDHM da cidade foi de 0,601 no ano de 2010 (IBGE, 2010) (13-14).

O PSF I é um dos locais de atuação do PET-Saúde do Centro de Educação e Saúde – Universidade Federal de Campina Grande, edição de 2022/2023. Esta edição do programa conta com a preceptoria de profissionais da Unidade Básica de Saúde Rosália Henrique Alencar Lima (PSF I) e do NASF, mantido pelo município. Esses preceptores integram uma equipe multidisciplinar composta por um profissional da enfermagem, da nutrição, da psicologia e do serviço social. Associado a esta equipe, os discentes do PET-Saúde (edição 2022/2023) da Universidade Federal de Campina Grande, campus Cuité-PB, acompanham os atendimentos e realizam atividades no serviço, a fim de agregar experiências e auxiliar na promoção da saúde da população.

As consultas de planejamento familiar foram realizadas pelos profissionais de saúde supracitados e acompanhadas pelos/as estudantes durante o período de agosto a dezembro de 2022. Os discentes estiveram presentes no serviço durante esse período e acompanharam cerca de 40 consultas direcionadas ao planejamento familiar, conforme a demanda do serviço, como consultas de pré-natal, distribuição de métodos contraceptivos, entre outros. Desta forma, o relato de experiência foi construído, baseado na percepção da assistência realizada pela Enfermagem (I), pela equipe de profissionais do NASF (II) e discentes do PET-Saúde (III).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Planejamento familiar na percepção da Enfermagem

O planejamento familiar está presente nas atividades executadas no dia a dia da Enfermagem na APS, visto que, é de competência desse profissional, realizar ações como o pré-natal, repasse de orientação e receituário para início ou continuação do uso de métodos contraceptivos. Além disso, cita-se encaminhamentos para cirurgias de esterilização, atividades educativas voltadas para a temática, e práticas voltadas à prevenção do câncer de colo de útero, de mama e de pênis(11).

Na unidade básica de saúde da família, PSF I, do município de Nova Floresta, a demanda de atendimento de planejamento familiar segue tendo como principais atividades o acompanhamento de pré-natal, parto e puerpério, a aquisição de receituário para a utilização de métodos contraceptivos, a busca por cirurgias como laqueadura, e menos comumente a busca por vasectomia. De maneira majoritária, essas atividades são procuradas por mulheres do município, sendo pouco comum a presença dos homens em consultas de planejamento familiar, que envolvem a escolha de métodos contraceptivos e o acompanhamento do pré-natal, por exemplo. Tal fato pode ser explicado pela cultura patriarcal da sociedade, ou pela falta de informação da população sobre o quão amplo pode ser a temática de planejamento familiar.

A busca por métodos contraceptivos é ampla no município em questão, sendo a população feminina majoritária na busca pelo serviço de saúde com este intuito, e as idades dessas usuárias variam, geralmente, de 12 a 39 anos. Essas mulheres procuram a enfermeira da unidade para orientação e obtenção de receituários para terem acesso aos métodos, que na maioria das vezes são gratuitamente ofertados pelo SUS. Os contraceptivos dispensados pela farmácia básica do município são: contraceptivo oral Ciclo 21®, injetáveis, entre eles a injeção mensal (Noregyna®) ou trimestral, e o método de contracepção de barreira (preservativo masculino e feminino).

O contraceptivo oral, Ciclo 21®, consiste em um método contraceptivo combinado dos hormônios etinilestradiol e levonorgestrel, que deve ser administrado diariamente. A necessidade do uso diário e correto deste medicamento para haver a contracepção efetivamente acaba tornando esse método sujeito a falhas, as quais podem levar a uma gravidez não planejada. Portanto, é comum, na prática, observar mulheres que optam pelo uso dos métodos injetáveis que conseguem garantir a contracepção por mais tempo e com apenas uma aplicação mensal ou trimestral. As injeções trimestrais acabam sendo voltadas principalmente para o uso de mulheres lactantes, que necessitam do uso do contraceptivo para evitar uma gravidez muito próxima da anterior, o que pode acarretar riscos. Vale salientar que essas usuárias buscam o serviço para que, na maioria das vezes, a técnica de enfermagem faça a administração dessas medicações injetáveis (12).

Quando as usuárias buscam o serviço com suspeita de gravidez ou mesmo para início do pré-natal, e são questionadas sobre o planejamento de sua gravidez, a resposta a esse questionamento é quase unânime entre as mulheres, pois a maioria delas relata que havia planejado a gravidez para aquele presente momento. Poucas são aquelas que relatam estarem planejando, mas não para o momento. Tal fato repete-se entre as adolescentes de 12 a 17 anos que estão grávidas, as quais relatam que planejaram a gravidez e expressam em suas falas o seu desejo de ser mãe. Esse acontecimento tornou-se um fato comum no serviço, visto que, os números de adolescentes grávidas vêm crescendo no município nos últimos anos, segundo relato de usuários e das/dos profissionais de saúde atuantes no serviço, que relatam estarem atendendo um quantitativo maior de adolescentes grávidas, quando comparados a anos atrás.

Para além das práticas laborais que envolvem utilização de medicamentos ou realização de procedimentos, o planejamento familiar engloba também ações de educação em saúde, que garantem ao usuário o acesso a informações sobre quais os métodos contraceptivos disponíveis no SUS e quais as novas tecnologias disponíveis. Além de se trabalhar a temática de prevenção de infecções sexualmente transmissíveis e controle e prevenção do câncer de colo do útero, de mama e de pênis.

Durante as consultas de saúde da mulher, a enfermeira da unidade busca orientar e responder questionamentos das mulheres voltados ao câncer de colo de útero e ao surgimento de corrimentos e infecções sexualmente transmissíveis.

Salienta-se que a busca da população masculina pelo serviço de saúde é consideravelmente menor quando comparada à população feminina, sendo assim, é difícil trabalhar com essa população as atividades de educação em saúde voltadas para a prevenção do câncer de pênis e de próstata.

Planejamento familiar na percepção dos atendentes do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF)

A política pública de planejamento familiar que ocorre no NASF em Nova Floresta/PB é realizada pela equipe multiprofissional, composta por assistente social, nutricionista e psicólogo. Os atendimentos são realizados conforme a Lei n.º 9.263, de 12 de janeiro de 1996 (1), que estabelece algumas regras de esterilização cirúrgica. Segundo essa Lei, somente podem submeter-se à cirurgia homens e mulheres com capacidade civil plena e maiores de vinte e cinco anos ou, pelo menos, com dois filhos vivos, desde que observado o prazo mínimo de sessenta dias entre a manifestação da vontade e o ato cirúrgico, período no qual será propiciado à pessoa interessada acesso a serviço de regulação da fecundidade, incluindo aconselhamento por equipe multidisciplinar, visando desencorajar a esterilização precoce; ela também pode ser realizada quando uma nova gravidez pode trazer risco à vida ou à saúde da mulher ou do futuro concepto.

Esse procedimento não pode ser realizado durante os períodos de parto ou aborto, exceto nos casos de comprovada necessidade, por sucessivas cesarianas anteriores. As únicas formas aprovadas para esterilização são a laqueadura tubária e a vasectomia, não sendo permitida sua realização pela retirada do útero ou dos ovários. A esterilização cirúrgica é um método irreversível, no que concerne às mulheres, mas que também pode apresentar falhas. A pessoa que realiza esse procedimento deve estar ciente desses termos e manifestar sua vontade por escrito após a informação a respeito dos riscos da cirurgia, possíveis efeitos colaterais, dificuldades de sua reversão e opções de contracepção reversíveis existentes (12).

A Lei n.º 9.263, de 12 de janeiro de 1996 (1) passou por uma atualização, que entrou em vigor a partir de março de 2023. Essa nova lei preconiza que procedimentos de vasectomia e laqueadura sejam realizados por pessoas a partir de 21 anos ou que possuam 2 filhos em qualquer idade, a atualização da lei também traz a extinção da necessidade de aprovação do marido para a realização da laqueadura. Conforme a lei, a equipe deve desencorajar, quando necessário, os candidatos a realizarem procedimentos cirúrgicos.

Pautado na legislação vigente, os atendimentos de assistência à concepção e contracepção ocorrem na estrutura do prédio onde funciona o NASF, compostos pela assistente social, nutricionista e psicólogo, sendo recomendado que ocorra no mínimo dois contatos com pacientes que são candidatos aos procedimentos cirúrgicos, e para outros procedimentos não existe limitação de atendimentos, nem exigência de dois contatos no mínimo. Durante o atendimento, realiza-se uma abordagem ao casal, à pessoa solteira ou ao grupo com manifestação familiar, seguido de diálogo, com o intuito de conhecer a realidade biopsicossocial dos pacientes, para que assim, possa ser traçado um melhor planejamento de saúde sexual e reprodutiva.

Em nossa experiência profissional, percebemos que a compreensão acerca do processo de planejamento familiar por parte da população, em muitos casos, é bastante limitada. Com frequência, os usuários chegam ao serviço orientados, ou não, em busca da simples assinatura dos profissionais para que possam realizar o procedimento de esterilização através da laqueadura tubária, visão esta que mecaniza e não atende aos objetivos do planejamento familiar, que conta com o acolhimento, orientação, reflexão e compreensão acerca das razões que levaram à tomada da decisão pela interrupção da fertilidade, seja ela tomada a nível individual ou coletivo dentro do relacionamento.

A equipe de saúde sempre aproveita os encontros realizados para ter acesso ao casal, quando o usuário que procura o serviço possui companheiro ou companheira, flexibilizando horários ou remanejando outras demandas para que se possa ter acesso aos companheiros que, muitas vezes, trabalham e não conseguem acessar os serviços de saúde com facilidade. Nesses encontros, buscamos realizar um trabalho acolhedor e educativo, sobretudo com os homens, informando e desmistificando o procedimento de vasectomia como alternativa à laqueadura tubária, que consiste em um procedimento mais invasivo e de realização mais complexa. A ocasião também se mostra importante para passar informações e orientações a respeito da disponibilidade de serviços de saúde para realização de procedimentos cirúrgicos, bem como acerca de outros métodos contraceptivos não permanentes. Os esclarecimentos de todas as possibilidades de controle da natalidade são necessários para que os usuários façam suas escolhas de forma segura e adequada às suas situações, vontades e decisões.

Em relação ao público atendido, cerca de 80% das usuárias mulheres que buscam o atendimento de planejamento familiar estão em sua maioria gestantes, possuem companheiro e buscam pela realização da laqueadura tubária. As demais usuárias que buscam o procedimento são compostas de mulheres solteiras, estando gestantes ou não, que também buscam o processo de laqueadura tubária. Para ambas as situações, a principal justificativa para realização desse procedimento está no desejo de não gerar mais filhos de forma permanente, e em segundo lugar por razões relacionadas à saúde da mulher ou de risco à gestação.

A busca do público masculino pelo planejamento familiar é praticamente nula, tendo ocorrido de forma espontânea apenas duas vezes entre os anos de 2019 e 2022. Em sua maioria, os homens participam na condição de acompanhante de suas companheiras, e relatam não se sentirem confortáveis para realização da vasectomia. A baixa adesão da população masculina ao serviço de saúde limita a realização de ações voltadas a conscientização desse público acerca de tal temática e, portanto, torna ainda mais difícil a adesão a vasectomia.

Planejamento familiar na percepção de discentes integrantes do PET-Saúde

Quanto à percepção dos/das estudantes no serviço, foi possível observar como as ações do planejamento familiar estão inseridas no trabalho da equipe multiprofissional. Com isso, a vivência dos integrantes foi direcionada entre atendimentos com a enfermeira e assistente social. A maioria dos atendimentos associados ao planejamento familiar estão relacionados à consultas com pré-natal, distribuição de métodos contraceptivos e à busca por cirurgias como laqueadura. Enquanto que a vasectomia tende a ser o recurso menos procurado pelos casais do município para evitar futuras gestações, devido, principalmente, a estereótipos acerca da sexualidade masculina e à ideia de controle da prole sob responsabilidade feminina, mesmo este sendo um método mais rápido e seguro que a laqueadura. Desse modo, é visto como a escassez de informação da comunidade impacta diretamente no planejamento familiar.

Entretanto, para os integrantes do PET-Saúde participar integralmente das consultas de planejamento familiar nem sempre foi simples, uma vez que na maioria dos atendimentos, muitos usuários não se sentiam confortáveis com a presença de estudantes na sala de atendimento, permanecendo apenas a enfermeira ou a assistente social, com acompanhamento do psicólogo. Todavia, quando foi permitida a presença dos/das estudantes no atendimento, pudemos ver como a equipe se articula para promover saúde e informação, o que promoveu uma ampliação da visão profissional dos/das estudantes de saúde, contatando as maiores dificuldades vivenciadas por aquela população, e como a escassez de informação afeta não apenas o atendimento, mas toda a população.

O desconforto dos usuários com a população acadêmica pode ser contornado com a utilização de recursos como salas de esperas que possam tratar a temática. Essas atividades devem buscar a construção de um ambiente acolhedor, para que essa população possa se sentir confortável e, assim, consiga, através dessas intervenções, difundir conhecimentos, gerando empoderamento para tomada de decisões e estabelecerem um vínculo de maior proximidade tanto com os serviço quando com os/as estudantes.

Para além do trabalho de sala de espera, ações educativas nas escolas foram planejadas e devem ser desenvolvidas por profissionais em parceria com discentes, a fim de acessar a população jovem do município, trazendo informações fundamentais para a promoção da saúde sexual dessa população.

CONCLUSÕES

A discussão e construção de ambientes para o diálogo sobre planejamento familiar é de suma importância para conferir à população informação e autonomia. Desse modo, o trabalho multiprofissional apresenta grandes potencialidades, pois unindo forças é possível construir ações benéficas à comunidade, como a possibilidade de decidir sobre seu corpo, poder fazer escolhas, e ter criticidade para fazê-las. A oportunidade de inserção dos discentes do PET-Saúde no serviço de saúde é significante para que estes lidem com questões reais e tenham, assim, a possibilidade de vivenciar o ambiente da atenção primária, dada a sua importância para a formação profissional, além de possibilitar ao serviço e população o contato com jovens universitários, que podem trazer ao serviço atualizações e acolhimento para a população.

Ao longo da experiência, tornou-se perceptível a sensibilidade da população para à discussão sobre planejamento familiar, expressa através da limitação ao acesso dos discentes a discussão. Desta forma, a fim de romper as barreiras emocionais e culturais a respeito do tema, que afastam os usuários dos serviços, se faz interessante o estabelecimento de estratégias para construção de vínculos que venham a favorecer a aproximação dos membros da comunidade através do contato cotidiano e descontraído com a temática, visando a quebra de estereótipos, preconceitos e paradigmas que prejudicam o processo do planejamento familiar. Essas estratégias, que podem ser realizadas a nível de planejamento e execução pelos serviços de saúde em parceria com o PET-saúde, caso se apresentem funcionais, podem adquirir status permanente às práticas dos serviços e integrados aos planejamentos e eventos voltados à educação e promoção de saúde.

REFERÊNCIAS

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  2. SANCHES, M. A., Silva DPS. Planejamento familiar: do que estamos falando? [Internet]. Revista Bioética; 73-89. 2016. Disponível em: https://doi.org/10.1590/1983-80422016241108
  3. MARSIGLIA, A. U. M. O Controle e a Libertação da Sexualidade Feminina: da religião à publicidade X avanços feministas e educação sexual. São Paulo: Revista da Abrasex, 2022.
  4. CHIESA, D. D. P.; SANCHES, M. A.; SIMÃO-SILVA, D. P. PLANEJAMENTO FAMILIAR COMO ASSUNTO DE MULHER!? PERFIL DE GÊNERO NA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO BRASIL. Revista Interdisciplinar de Estudos em Saúde, [S. l.], v. 8, n. 1, p. 221–235, 2019 [acesso em 25 Mar 2023]. Disponível em: https://periodicos.uniarp.edu.br/index.php/ries/article/view/1511.
  5. VIEIRA, K. L. D. et al. Atendimento da população masculina em unidade básica saúde da família: motivos para a (não) procura. Escola Anna Nery, v. 17, p. 120-127, 2013.
  6. BEZERRA, I. N. M. et al. AÇÕES DE EDUCAÇÃO EM SAÚDE E O PLANEJAMENTO FAMILIAR: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA. REV. CIÊNC. PLURAL [Internet]. 2019 [acessado em 7 de fev de 2023];4(3):82-90. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/rcp/article/view/17293
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  12. WENDER, M.C.O.; MACHADO, R.B.; POLITANO, C. A. Influência da utilização de métodos contraceptivos sobre as taxas de gestação não planejada em mulheres brasileiras. FEMINA 2022;50(3):134-141. Disponível em: femina-2022-503-134-141.pdf (bvsalud.org).
  13. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, Censo Brasileiro de 2010. Nova Floresta: IBGE, 2023.
  14. IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo Brasileiro de 2021. Nova Floresta: IBGE, 2023.

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