PERFIL MICROBIOLÓGICO DA FARINHA DE TENÉBRIO GIGANTE (Zophobas morio) E BARATA CINEREA (Nauphoeta cinerea) PARA USO EM ALIMENTOS
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DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062046-37
Este trabalho foi escrito por:
Renaly Kaline Gomes dos Santos1 *; Natália Costa da Silva2 ; Geiza Michelle Ângelo Pacheco3 ; Rogério Silva de Almeida4 ; Danilo Salustiano dos Santos 5 ; Anderson Ferreira Vilela6 ; Arianne Dantas Viana7
1,3,4 Estudante do Curso de Bacharelado em Agroindústria – campus III da UFPB;
2 Mestranda em Ciência de Alimentos –UNICAMP; 5 Mestrando em Engenharia e Ciência de Alimentos – FURG; 6,7Docente/pesquisador – DGTA/CCHSA/UFPB
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: Com o aumento da população a estimativa é que nos próximos anos o número de habitantes chegue a 9,8 bilhões, ocorrerá a insuficiência de alimentos, sendo assim a procura de alternativas mais sustentáveis e nutricionais para a alimentação humana é inevitável. A entomofagia, é defina como o consumo de insetos, ou de alimentos que os tenham na formulação. Deste modo, os insetos surgem como uma alternativa, devido a sua qualidade nutricional e ambiental. O estudo teve como objetivo avaliar a composição microbiológica das farinhas obtidas dos insetos comestíveis: a barata cinérea (Nauphoeta cinerea) e tenébrio gigante (Zophobas morio). As matérias-primas foram adquiridas de fornecedores comerciais de insetos comestíveis, ambos autorizados pela ANVISA. A Barata Cinérea foi adquirida na cidade de Juiz de 27 Fora – MG e o Tenébrio Gigante em Recife-PE. Para as análises microbiológicas das farinhas de insetos foram determinadas a contagem de Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Salmonella spp., bactérias aeróbias mesófilas, Enterobactérias, fungos filamentosos e não filamentosos, coliformes totais a 35°C e coliformes termotolerantes a 45°C. Por não existirem padrões microbiológicos pré-estabelecidos para produtos provenientes de insetos os dados foram confrontados com a literatura sobre análises microbiológicas em diferentes espécies de insetos comestíveis. As análises das farinhas apresentaram falhas em algumas etapas da cadeia produtiva, porque as presenças de alguns micro-organismos estão relacionadas à contaminação na dieta ou temperatura falha para sanitização da matéria-prima, para uma avaliação segura, é necessário a criação de uma legislação que regulamente e estabeleça padrões microbiológicos para alimentos à base de insetos comestíveis.
Palavras–chave: Alimentação Sustentável; Entomofagia; Insetos Comestível; Segurança Alimentar
Abstract: With the increase in population, it is estimated that in the coming years the number of inhabitants will reach 9.8 billion, food insufficiency will occur, so the search for more sustainable and nutritional alternatives for human food is inevitable. Entomophagy is defined as the consumption of insects, or foods that have them in the formulation. Thus, insects appear as an alternative, due to their nutritional and environmental quality. The study aimed to evaluate the microbiological composition of the flours obtained from edible insects: the cinerea cockroach (Nauphoeta cinerea) and Giant Tenébrio (Zophobas morio). The raw materials were purchased from commercial suppliers of edible insects, both authorized by ANVISA. The barata cinerea as acquired in the city of Juiz de 27 Fora – MG and the tenébrio gigante in Recife-PE. For the microbiological analysis of insect meals, the count of Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Salmonella spp., mesophilic aerobic bacteria, Enterobacteriaceae, filamentous and non-filamentous fungi, total coliforms at 35°C and thermotolerant coliforms at 45°C were determined. As there are no pre-established microbiological standards for products from insects, the data were compared with the literature on microbiological analyzes in different species of edible insects. The analyzes of the flours showed flaws in some stages of the production chain, because the presence of some microorganisms are related to contamination in the diet or temperature fails to sterilize the raw material, for a safe evaluation, it is necessary to create legislation that regulate and establish microbiological standards for food based on edible insects.
Keywords: Sustainable Food; Entomophagy; Alternative Flours; Insects; Food Safety
INTRODUÇÃO
O aumento da demanda alimentar no mundo já é uma realidade. Pesquisadores vêm alertando há décadas sobre o constante crescimento populacional e quais as possíveis catástrofes podem estar associadas a este crescimento desenfreado e o que podem causar ao planeta (1). Segundo relatório da Organização das Nações Unidas – ONU (2019), o planeta atingiu cerca de 7,8 bilhões de habitantes em 2019 e estima-se que em 2050 este número chegue no mínimo a 9,8 bilhões de habitantes, 29% a mais do que o número atual, gerando consequentemente, a necessidade por mais alimento para suprir essa demanda. Outro fator importante são as alterações na distribuição da renda que afeta diretamente na composição de demanda por alimentos (2, 3). Assim, teremos mudanças não só na quantidade de alimento necessária, mas também no tipo de alimento e na sua contribuição relativa à dieta da população (4).
Os insetos possuem um alto teor nutricional, um baixo custo para a sua produção, e por esses motivos, a entomofagia se mostra como uma grande opção para a solução de problemas ocorrentes na atualidade e de problemas futuros previstos pela Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), o número de pessoas desnutridas no mundo em 2016 foi de 804 milhões, número que inclusive vem crescendo nos últimos anos (5).
A adoção de insetos como fonte alimentar é geralmente fundamentada por três razões: o aspecto nutricional, fatores ambientais e benefícios socioeconômicos. Os insetos fornecem uma boa fonte de proteínas, minerais, vitaminas e energia, com um menor custo de produção quando comparados às fontes de animais tradicionais, podendo apresentar boa aplicabilidade em comunidades rurais com menor infraestrutura, em razão de requerer menos água e energia e não carecer de grandes áreas de cultivo (6).
Ainda que o consumo de insetos apresente diversos benefícios, um dos maiores desafios da entomofagia é vencer o preconceito quanto ao uso de insetos na alimentação humana, principalmente por pessoas da cultura ocidental. A cultura ocidental costuma reagir com aversão aos insetos e apresenta baixos níveis de intenção em experimentá-los. Essa rejeição está ligada a associação de insetos a lugares insalubres e que dessa forma eles podem transmitir doenças aos seres humanos (7). A segurança quanto ao consumo de insetos é semelhante aos potenciais riscos associados ao consumo de qualquer outro tipo de alimento (microbiológico, químico e má absorção). Estes riscos estão relacionados às diferentes espécies de insetos comestíveis, às condições de cultivo e ao processamento do material, ainda sendo indispensável que todo este processo ocorra em condições apropriadas (8).
No Brasil, embora possamos destacar o consumo de saúva (Atta sp.), larva do bichoda-taquara (Morpheis smerintha), larva do bicho-das-palmeiras (Rhyncophorus palmarum e Rhina barbirostris) e a larva do bicho-do-coco (Pachymerus nucleorum) em diversas regiões do país, a entomofagia ainda caminha a passos lentos. Um dos desafios é popularizar o consumo de insetos comestíveis em grandes centros urbanos, onde há maior aversão devido a questões culturais e à grande variedade de alimentos, outro problema enfrentado é a falta de uma legislação vigente que regulamente a produção, o consumo e a avaliação dos parâmetros de qualidade desses alimentos (9).
A entomofagia, como o próprio nome sugere é hábito de se consumir insetos ou produtos derivados, uma prática que abrange questões culturais e que faz parte da história da evolução humana durante séculos, em algumas regiões do mundo, principalmente na Ásia, América Latina e África (10). Os insetos aptos para o consumo humano são ricos em proteínas, vitaminas, minerais e lipídios de alta qualidade, suas proteínas têm maior facilidade de absorção pelo corpo, podendo ser mais bem aproveitadas quando comparadas a outras fontes proteicas (11).
A barata cinérea (Nauphoeta cinérea), popularmente conhecida como barata salpicada ou barata lagosta é de origem africana, pertence à ordem Blattodea e família Blaberidae. São caracterizadas morfologicamente pela sua cor marrom-acinzentada e corpo dividido em cabeça, tórax e abdômen (12). Estudos que buscaram avaliar a composição centesimal da barata cinérea (Nauphoeta cinérea) e de sua farinha comprovaram o alto teor de proteína, apresentando aproximadamente 42 a 68,5%, além de 22,5% de lipídeos (13, 14, 15). Esse inseto possui todos os nove aminoácidos essenciais em sua composição proteica, e ácidos graxos insaturados dos tipos ômega 6 e ômega 9 na fração lipídica (16).
Além de seus aspectos nutricionais, a barata cinérea é de fácil adaptabilidade e manejo, não necessita de espaços amplos para grandes produções, possui elevada capacidade reprodutiva e conversão alimentar eficiente (17). Nesse modo, as baratas possuem excelente perfil para se tornar uma potencial fonte alternativa alimentícia.
O Zophobas morio é dos insetos mais consumidos no mundo e dos mais promissores para utilização industrial e produção comercial em larga escala (18). Tenebrio molitor é um inseto pertencente à ordem Coleoptera e família Tenebrionidae, é um besouro que tem ciclo de vida curto (19) e com alto número de descendentes (20). Apresenta metamorfose completa dividido em 4 fases: embrião (ovos), larva, pupa e imago (adulta) (21).
Um dos aspectos importantes de Tenebrio molitor como alimento é seu teor alto de proteínas, que apresenta em média 58%. O suprimento de proteínas é de fundamental importância para o desenvolvimento humano, pois a deficiência de proteínas pode levar a alterações como doenças ósseas e nanismo. O teor de fibra existente nos insetos deve-se às proteínas da cutícula e à quitina que se encontra em uma matriz com as proteínas cuticulares, lipídeos e outros componentes, que formam a endo- e exocutícula dos insetos (22).
O Tenebrio molitor apresenta altas concentrações de magnésio, fósforo e potássio, contribuindo para o metabolismo de aminoácidos que depende de um estado nutricional adequado para estes nutrientes (23). Considerando suas características nutricionais, o Tenebrio molitor vem sendo cada vez mais pesquisado como fonte de proteínas para cultivo no espaço com o objetivo de alimentar astronautas. Esse inseto pode apresentar uso terapêutico para tratamento de câncer e efeito imunomodulatório positivo. Como uso terapêutico temos como exemplo os efeitos citotóxicos de extrato de larva de Tenebrio molitor contra carcinoma hepatocelular. Pesquisadores observaram que a forma larvária contém substâncias citotóxicas que afetam a viabilidade das células do câncer (tumorogênese ou carcinogênese) (24).
Este trabalho teve como objetivo avaliar a composição microbiológica das farinhas obtidas dos insetos comestíveis, como a barata cinérea (Nauphoeta cinerea) e tenébrio gigante (Zophobas morio).
MATERIAL E MÉTODOS
AQUISISÃO DA MATÉRIA-PRIMA
A barata cinerea Nauphoeta cinerea) foi adquirida de um fornecedor comercial de insetos comestíveis da cidade de Juiz de 27 Fora-MG. O Tenébrio Gigante (Zophobas morio), foi adquirido por um fornecedor da cidade de Recife-PE. Os insetos foram obtidos já desidratados. Ambos os produtores têm a produção registrada no Ministério da Agricultura possuem autorização da ANVISA para essa atividade.
CARACTERIZAÇÃO MICROBIOLÓGICA
Para análise microbiológica os insetos foram triturados e peneirados para a geração da farinha de inseto, e em seguida foram determinadas as contagens de Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Salmonella spp., bactérias aeróbias mesófilas, Enterobactérias, fungos filamentosos e não filamentosos, coliformes totais (35°C) e coliformes termotolerantes (45°C) de acordo com a metodologia APHA (25). Não existindo nenhuma legislação nacional específica vigente e nem padrões microbiológicos pré-estabelecidos para insetos comestíveis íntegros ou produtos derivados, os resultados obtidos foram comparados com dados da literatura científica encontrada até o momento sobre análises microbiológicas em diferentes espécies de insetos comestíveis.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os parâmetros microbiológicos da farinha de barata cinérea foram avaliados, e estão apresentados na Tabela 1. Por não existirem padrões microbiológicos pré-estabelecidos para produtos provenientes de insetos. Desse modo, os dados foram confrontados com a literatura sobre análises microbiológicas em diferentes espécies de insetos comestíveis.
A quantificação de coliformes totais da farinha de barata cinérea foi >1,1 x 103 NMP/g. Sugere-se que a presença desse micro-organismo é devido a contaminação do produto, que provavelmente ocorreu durante a manipulação da farinha. Alguns valores inferiores foram encontrados por Cavenaghi et al. (26) e Prado et al. (27), em que acusaram uma variação de < 5 x 10² (UFC/g) de coliformes totais em Tenébrio molitor triturado. No que se refere aos coliformes termotolerantes, a concentração foi < 3 NMP/g desse micro-organismo aponta que não houve contaminação de origem fecal na amostra.
A contagem de bactérias aeróbias mesófilas encontrada na pesquisa foi de (1,3 x 102)foi menor que os valores encontrados na literatura para a presença desse micro-organismo em insetos comestíveis ou produtos derivados. Segundo Ribeiro (28) ao avaliar três espécies de insetos comestíveis verificou que espécies de grilo, estavam contaminadas em termos de mesófilos totais com quantificações de até 4,0 x 10² para espécie A. domesticus,3,2 x 10² para Gryllodes sigillatus e 3,7 x 10² para a farinha de grilo.
Staphylococus aureus são transmitidos principalmente pela manipulação inadequada dos alimentos (26). Neste estudo, a farinha de barata apresentou uma contagem de 2,3×10², sugerindo falhas durante seu processamento, principalmente relacionadas a boas práticas de fabricação ou manipulação inadequada da farinha. A contagem de Enterobactérias encontrada foi de 9,4×101. Estudos também relatam altos níveis de Enterobacteriaceae, sendo um grupo de micro-organismos comum em diferentes espécies de insetos comestíveis como T. molitor e Acheta domesticus (29, 30).
A presença de alguns tipos de leveduras é natural em insetos comestíveis, por isso houve o crescimento de leveduras na farinha de inseto (2,7 x 10²). Segundo a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos – EFSA (31) esses insetos são portadores de fungos entomopatogênicos, que produzem toxinas específicas que causam mortalidade em outros insetos, mas que não oferecem riscos para humanos e outros vertebrados.
Mesmo havendo presença de Bacillus cereus de 2,0 x 106 UFC/g, é relativamente frequente em alimentos, principalmente, em cereais e produtos amiláceos. A presença desse micro-organismo indica falhas durante o processamento da matéria-prima (32). Este é um dos parâmetros importantes a serem estudados, uma vez que, a dieta dos insetos comestíveis geralmente é composta por cereais e grãos, influenciando assim na carga microbiana dos insetos.
A farinha de barata cinérea não apresentou a presença de Salmonella sp. que é um dos micro-organismos patogênicos que podem causar graves infecções alimentares aos seres humanos. A presença de alguns microrganismos não necessariamente na amostra não a condena, já que a carga microbiana encontrada na farinha pode ser reduzida significativamente com aplicação de tratamentos térmico como: branqueamento, esterilização, e até o simples cozimento para redução da carga microbiana em insetos comestíveis. Esses estudos concluíram que não há risco para seu consumo por humanos, desde que os insetos sejam preparados com o devido tratamento térmico (30, 33, 34)
As análises microbiológicas feitas para a farinha de Tenébrio Gigante (Zophobas morio) apresentadas na tabela 2, retratou uma elevada carga microbiana, no entanto, não se pode afirmar que o produto seja inapropriado para a elaboração de alimentos, visto que na legislação atual que aborda o padrão microbiológico de alimentos o ingrediente em estudo não está presente. No entanto, comparar os resultados obtidos na análise com farinhas de vegetais não é o adequado, visto que, a farinha em estudo se trata de uma matéria-prima de origem animal.
Pode-se justificar que a elevada quantidade de coliformes, E. coli e enterobactérias, é que os insetos são cultivados sobre superfícies onde eles depositam os seus próprios excrementos. Portanto, enquanto não houver uma normativa oficial governamental para o limite de micro-organismos em insetos destinados a alimentação humana, o mais adequado é caracterizar o alimento final produzido com insetos, do ponto de vista da qualidade microbiológica, aplicar-se por exemplo, os padrões microbiológicos definidos na Instrução Normativa 60, de 23 de dezembro de 2019, proferida pela ANVISA.
Além disso, é indispensável que todo processo de cultivo dos insetos, recolha e secagem ocorram em condições apropriadas, assim como os procedimentos de higienização, manipulação e estocagem dos insetos comestíveis e produtos derivados, a fim de garantir sua segurança microbiológica.
CONCLUSÕES
De modo geral, podemos afirmar que, as análises microbiológicas das farinhas estudadas apresentaram falha em algumas etapas da cadeia produtiva, isso porque a presença de alguns micro-organismos como Bacillus cereus, Enterobactérias e Staphylococus aureus possivelmente estão relacionadas à contaminação na dieta ou temperatura insuficiente para esterilização da matéria-prima. No entanto para se obter uma avaliação microbiológica segura dos insetos, recomenda-se a criação de uma legislação que regulamente a produção, comercialização e estabeleça padrões microbiológicos para alimentos que utilizem esses animais em suas formulações.
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