PECUÁRIA DE CORTE: USO DE ÓLEOS ESSENCIAIS NA MANIPULAÇÃO DA FERMENTAÇÃO RUMINAL
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-5
Este trabalho foi escrito por:
Alessandra Schaphauser Rosseto Fonseca*; Ana Claudia da Costa; Luciano da Silva Cabral; Rosemary Lais Galati; Farah Arruda Petter; Jhonathann Willian Furquin da Silva; Vinícius Patrick Silva Souza
*Autor correspondente: Alessandra Schaphauser([email protected])
Resumo: O Brasil é o país que mais exporta carne bovino no mundo, sistemas de produção do país são baseados em animais em pastejo em sua maioria, a forrageira é tida como recurso basal aos animais, o que confere competitividade ao setor. A alta produtividade de grãos possibilita ao país adotar modelos altamente tecnificados como os confinamentos. No entanto, mudanças no perfil do consumidor mundial pressionam o país a produzir carne de melhor qualidade, levando em consideração diversas questões, principalmente a preservação ambiental. O princípio da precaução atenta a comunidade cientifica a uma possível resistência quanto ao uso indiscriminado de antibióticos como promotores de crescimento. No ambiente ruminal há perfeita simbiose entre sua comunidade microbiana e o animal, porém existem processos indesejáveis como fermentação de aminoácidos, e emissão de metano, sob determinadas circunstâncias o animal pode também apresentar distúrbios metabólicos. Os antibióticos desempenham esse papel de suprimir e evitar tais processos há muito tempo, porém devido a insegurança alimentar quanto ao seu uso, pesquisadores recentemente estudam os efeitos que óleos essenciais podem causar como substitutos a esses produtos, tais produtos são originados no metabolismo secundários de plantas, apresentam muitas vezes odores e sabores muito específicos, tem composição complexa e modo de ação ainda não definido, visto sua abundante variedade. Esta revisão busca compilar os principais resultados quanto ao uso de óleos essenciais como promotores de melhoria do metabolismo ruminal.
Palavras–chave: aditivos; bovinos; confinamento; pasto
Abstract: Brazil is the country that most exports beef in the world, the country’s production systems are mostly based on grazing animals, forage is considered a basal resource for animals, which makes the sector competitive. The high productivity of grains makes it possible for the country to also boast highly technician models such as feedlots. However, changes in the world consumer profile pressure the country to produce better quality meat, considering several issues, mainly environmental preservation. The precautionary principle alerts the scientific community to a possible resistance to the indiscriminate use of antibiotics as growth promoters. In the rumen environment, there is a perfect symbiosis between its microbial community and the animal, but there are undesirable processes such as fermentation of amino acids, and methane emission, under certain circumstances the animal can also present metabolic disorders, antibiotics play this role of suppressing and preventing such processes. for a long time, due to food insecurity regarding its use, researchers have recently studied the effects that essential oils can cause as substitutes for these products, such products originate in the secondary metabolism of plants, often present very specific odors and flavors, have a composition complex and mode of action not yet defined, given its abundant variety. This review seeks to compile the main results regarding the use of essential oils as promoters of improvement in rumen metabolism.
Key Word: additive; cattle; feedlot; pasture
INTRODUÇÃO
O Brasil é o principal exportador e o segundo maior produtor de carne bovina do mundo, com 2,48 e 9,71 milhões toneladas de equivalente carcaça exportados e produzidas, respectivamente (1). A maior parte da carne produzida no país é oriunda de animais em pastejo, o que confere elevada competitividade ao setor, em razão do seu menor custo de produção. Ao mesmo tempo o sistema apresenta problemas relacionados à degradação das pastagens, baixos índices produtivos e emissão de gases de efeito estufa, tornando necessária a adoção de tecnologias que contribuam na resolução dessas questões.
Nas duas últimas décadas, o número de bovinos de corte confinados aumentou, colaborando para a intensificação da pecuária, especialmente na região Centro Oeste do país. O Mato Grosso detém o maior rebanho bovino e está entre os maiores produtores de grãos do Brasil, favorecendo assim o uso de dietas contendo elevada proporção de grãos, as quais trazem vantagens operacionais e de custo da energia líquida para ganho de peso, mas também aumentam os desafios dos nutricionistas no controle dos distúrbios digestivos que acometem os animais confinados (2).
O atual sistema de criação a pasto, embora tenha destaque em números, precisa de modelos de produção que resultem em carne de melhor qualidade, em atenção às características como suculência e maciez, características que atraem mercados exigentes. O novo perfil de consumidor valoriza aspectos relacionados também à forma na qual o alimento foi produzido, sendo socialmente justa, economicamente viável e ambientalmente correta.
A exemplo disso, no ano de 2006, a Europa discrimina o uso de antibióticos promotores de crescimento, chegando a proibir o uso amparada pelo princípio da precaução, baseada no risco do desenvolvimento e transmissão de microrganismos resistentes a esses antibióticos, embora ainda não existam estudos que comprovem a teoria. Ionóforos, tais como a monensina, têm sido os aditivos antibióticos mais usados em dietas de bovinos para promover crescimento e alterar a fermentação ruminal, uma vez que promovem aumento da produção de propionato, contribuem na redução da produção de metano, da proteólise, da fermentação de aminoácidos e perdas de N pela urina (3, 4).
Desta forma, os óleos essenciais (OE) surgem como possível substituto da monensina e outros antimicrobianos convencionais, e suas propriedades bactericidas ou bacteriostáticas parecem minimizar o risco de surgimento de microrganismos resistentes a esses compostos. Porém, a complexidade destes fitoquímicos conduz os pesquisadores a investiguem diversos fatores que envolvem sua eficiência e mecanismos de ação, incluindo as doses que promovem os efeitos mais benéficos no ambiente ruminal.
O Brasil ocupa o primeiro lugar no ranking mundial de exportação de carne bovina (1), com um rebanho de 196,47 milhões de cabeça e 2,48 milhões de toneladas equivalente de carcaça exportadas em 2021. Esses números revelam a importância do setor pecuário na economia nacional e na oferta de proteína animal, sendo capaz de suprir toda demanda nacional e exportar o excedente. A atividade da pecuária de corte representa parte significativa do produto interno bruto nacional (PIB), tornando a imprescindível para economia do país (1).
Embora o Brasil se mantenha em destaque mundial devido aos números de rebanho e exportação, o desafio de produzir carne de qualidade e competitiva no país é alto. Atualmente o consumidor busca carne de melhor qualidade, considerando diversos aspectos, como sua maciez, sabor, aparência, suculência, atentos à forma na qual o alimento foi produzido (5).
O Brasil tem o privilégio de possuir território extenso e parte considerável ser destinada às pastagens as quais são formadas predominantemente por gramíneas tropicais, perenes, que representam recurso basal na alimentação de bovinos e que, quando bem manejadas podem suprir as necessidades dos animais. A produção de carne sob condições de pastejo apresenta como grande vantagem o menor custo de produção em comparação ao confinamento, praticada em vários países como os Estados Unidos, o que confere elevada competitividade à carne brasileira no mercado internacional (7). Portanto, a redefinição de tecnologias pré-existentes e a prospecção de novas tecnologias serão fatores determinantes para que o país se mantenha competitivo atento ao uso racional das suas extensões territoriais, recuperação de áreas degradadas e manejo adequado das pastagens (8).
O gênero Urochloa, dentre todos os cultivados em território nacional, é o mais usado em sistemas a pasto, sendo o capim mais cultivado no Brasil Central. O gênero possuí características que o diferencia tais como: tolerância ao ataque da cigarrinha das pastagens, à seca, frio e fogo; além de possuir elevado poder de rebrota e produção de massa de forragem considerada satisfatória (8 a 20 de MS/ha/ano). Além disso, as braquiarias podem ser utilizadas em sistema de cria, recria e engorda, tanto com lotação contínua ou rotacionada, podendo ainda serem armazenadas como feno ou silagem (9).
Apesar de possuírem características que lhes conferem rusticidade, mesmo o gênero Brachiaria sp. está sujeito à sazonalidade dos trópicos, afetando-o tanto em qualidade como em quantidade devido às alterações de precipitação, radiação solar e temperatura (10, 11, 12). Sendo assim, tais fatores imprimem à planta forrageira, condições morfológicas e bromatológicas que restringem sua capacidade de atender nutricionalmente as exigências do animal, tanto para mantença quanto para ganho de peso. (12). Com isso, o rebanho tende a um efeito “sanfona”, diminuindo o desempenho animal, sanidade, qualidade da carne, acompanhado de aumento da idade de abate, e como consequência, o ciclo de produção é comprometido (13).
O desempenho de bovinos em condições de pastejo depende, principalmente, da massa de forragem e seu valor nutritivo, bem como de aspectos estruturais do relvado (altura, densidade, relação folha:colmo), sendo os teores de proteína bruta (PB) e fibra em detergente neutro (FDN), os principais componentes da forragem que afetam seu valor nutritivo (10). Sabe-se que forragens com menos de 7% de PB (na base seca) e elevado teor (FDN), acima de 60% na matéria seca (MS) da dieta tendem a limitar o consumo e a digestão da forragem no ambiente ruminal, uma vez que os microrganismos do rúmen têm seu crescimento e atividade prejudicado deficiência de nitrogênio (14).
É necessário que haja manutenção periódica das pastagens, por meio de práticas e técnicas de manejo de conservação do solo (curvas de nível, correção da acidez e adubação), fornecendo assim o aporte necessário para que as forrageiras possam contribuir com nutrientes ao longo do ano, conseguindo driblar o período seco crítico para o animal (15). Além de melhorias no manejo do pasto, aliados ao controle da intensidade de pastejo, outras tecnologias têm sido incorporadas para aumentar a eficiência produtiva, tais como os aditivos que manipulam a fermentação ruminal, com o objetivo de aumentar a eficiência de uso dos nutrientes da dieta pelo animal (5).
PANORAMA DOS CONFINAMENTOS DE BOVINOS NO BRASIL
Do montante de animais abatidos no Brasil, 15,4% (6 milhões de cabeças) são oriundos de confinamento (1). Ainda que a pecuária de corte no país seja predominante em pasto, nos últimos dezenove anos a quantidade de animais confinados aumentou em 214% (16), o que demonstra crescente interesse pela intensificação da atividade.
O confinamento representa um sistema de produção intensiva, que no Brasil é principalmente utilizado para terminação de bovinos na época seca do ano, mas pode ser aplicado a todas as categorias e épocas do ano. Os animais são alojados em baias ou currais e recebem alimentação no cocho. Bovinos em terminação recebem dieta de alto concentrado e baixa forragem para que alcancem peso e acabamento de carcaça desejáveis para comercialização (17). Dentre as vantagens do confinamento destacam-se a redução da idade de abate, aumento da qualidade da carne e melhoria dos índices produtivos (18).
Um levantamento realizado por Silvestre e Millen (2) apontou que 97,2% dos nutricionistas que atendem confinamentos brasileiros, recomendam a inclusão de elevadas quantidades de concentrado (710 a 900 g kg MS-1), enquanto em 2009, apenas 58,1% dos nutricionistas tinham a mesma percepção (19). As vantagens de dietas com maiores inclusões de concentrado, comparada com aquelas contendo alta inclusão de forragens verdes e conservadas, são o menor custo da energia liquida para ganho, maior ganho em peso, menor tempo de confinamento, e logística operacional mais fácil (transporte, manuseio e processamento das dietas).
Na última década, além da maior inclusão de concentrado, houve aumento e melhoria no processamento dos grãos, como é o caso da ensilagem de grãos e diminuição do uso de grão quebrado como única forma de processamento. Dietas ricas em alimentos concentrados com amido altamente disponível, podem fazer com que os animais apresentem problemas digestivos como acidose ruminal, podendo haver prejuízo ao desempenho (20). Acidose ruminal é o segundo principal problema relacionado à saúde de bovinos confinados no Brasil (2).
A gravidade da acidose varia entre acidose clínica e subclínica. Essa classificação é baseada no pH ruminal, tipo de ácido acumulado no rúmen e, com ou sem presença de sinais clínicos (21). A acidose subclínica é definida como a redução diária de pH abaixo 5,6 e 5,8 por um período de 5 e 8 horas por dia, respectivamente, causada pelo acúmulo de ácidos graxos de cadeia curta (22). Os animais acometidos com a desordem digestiva apresentam leves sinais clínicos, o que dificulta o diagnóstico da doença. Algumas consequências da acidose subclínica incluem a diminuição do consumo de matéria seca, diarreia e abcessos hepáticos (23). Na acidose clínica, o acúmulo de ácido lático no rúmen faz com que o pH fique abaixo de 5, os sinais clínicos são evidentes (anorexia, dor abdominal, taquicardia, diarreia, letargia, decúbito e morte), contudo é menos frequente que a acidose subclínica (24).
Diante do perfil das dietas constituídas por maiores quantidades de amido, e em virtude da ocorrência de acidose, os aditivos melhoradores de desempenho ganharam mais uma função. Além de atuarem como melhoradores, a capacidade de modular a fermentação ruminal fez com que os aditivos zootécnicos também passassem a ser utilizados na prevenção ou controle da acidose. Dentre as opções mais utilizadas, estão a monensina e a virginiamicina. Esses aditivos atuam no aumento ou inibição de populações microbianas específicas de forma a otimizar processos que sejam benéficos, e minimizar, alterar ou inibir os prejudiciais aos animais (25).
Contudo, o uso da palavra antibiótico ascende questões que remetem à preocupação dos consumidores com a saúde humanas. Embora estes aditivos sejam utilizados em doses baixas, sem finalidade terapêutica, e não tenham os mesmos princípios ativos que os antibióticos para tratamento de doenças, é compreensível que mercados consumidores internos e externos exprimam tais preocupações, a ponto de estimular a busca por aditivos que possam substituir tais antibióticos, mantendo sua capacidade antimicrobiana. Desta forma, surgem os óleos essenciais que são substâncias com capacidade antimicrobiana e potencial para modular a fermentação ruminal (26, 27).
FERMENTAÇÃO RUMINAL E SUA MANIPULAÇÃO
O rúmen é o principal compartimento do trato gastrintestinal nos ruminantes (bovinos, caprinos e ovinos, bubalinos), desempenhando papel decisivo na nutrição e saúde dos animais. As condições ambientais no rúmen encontradas neste compartimento permitem o crescimento de microrganismos anaeróbios, os quais convertem nutrientes poliméricos (carboidratos, proteínas e lípidios) a células microbianas e ácidos graxos de cadeia curta (AGCC) que representam a principal fonte de energia e de aminoácidos para (28, 29, 30). Nesse sentido, o animal e a sua microbiota ruminal mantém perfeita relação simbiótica (31).
A população microbiana do rúmen é da ordem de 1010-1011 células bacterianas por mL, sendo a composição é de aproximadamente de 104-106 de protozoários por mL e 102-104 fungos por mL (28). Apresenta ainda elevada diversidade na população bacteriana se comparada ao domínio Eucarya (protozoários e fungos). Estima-se que mais de 4.000 espécies de bactérias estejam presentes no rúmen tornando-o um ecossistema altamente complexo e diverso, onde ocorrem relações de simbiose, competição, antibiose, predação como exemplo. Dos fatores que afetam a predominância de grupos microbianos no rúmen, o animal e sua dieta exercem elevado efeito sobre a variedade de espécies e sua atividade em um dado momento ou situação (30).
Apesar da simbiose do animal com sua microbiota proporcionar o uso de dietas ricas em fibra (celulose, hemicelulose e lignina = FDN) a necessidade de aumento da eficiência nos sistemas produtivos tem sido demandada. Uma das estratégias para isso é a busca por estratégias de manipulação da fermentação ruminal (microbiota), com o intuito de aumentar os processos benéficos e reduzir os eventos indesejáveis (metanogênese, proteólise, e desaminação, produção de lactato e lipopolissacarideos) (32, 9).
O alvo central no controle da fermentação ruminal tem sido a manipulação da dieta para alterar a população microbiana, reduzindo a produção de acetato consequentemente o aumento de propionato. A produção de acetato gera maior quantidade de H2 no ambiente ruminal, o qual é substrato para a população de metanogênicas, a qual o converte a metano a partir redução do CO2. Cabe destacar que a metanogênese ruminal representa perda de energia da dieta de 4 a 14% além de ser um gás de efeito estufa (GEE) (33, 34).
Neste sentido, diferentes aditivos antibióticos (exemplo ionóforos) e não antibióticos (taninos, saponinas, óleos essenciais, leveduras) têm sido utilizados com o objetivo de alterar (manipular) a população microbiana e sua atividade. Embora o uso de antibióticos ionóforos em dietas de ruminantes ocorra há mais de 50 anos, existe constante preocupação da sociedade quanto ao desenvolvimento de microrganismos resistentes a estes aditivos e sua transferência pela cadeia produtiva para o ser humano (35, 36).
As características físico-químicas das dietas e suas interações podem ter um grande efeito sobre o consumo voluntário nos ruminantes. Entre esses fatores, a composição da dieta é o mais importante, determinan variações sobre os microrganismos do rúmen, particularmente os aspectos relacionados à variação da concentração de fibra em detergente neutro (FDN), carboidratos não fibrosos (CNF)são amplas e resultam em , variações na oferta de nutrientes e, consequentemente, sobre as características físico-químicas do ambiente ruminal (pH, da pressão osmótica, fluxo de digesta ruminal) (37, 38).Além dos efeitos citados, dietas com altas quantidades de FDN permitem o crescimento de bactérias celulolíticas (Fibrobacter succinogenes, Ruminococcus flavefaciens e Ruminococcus albus) e fungos (Neocalimastix frontalis). De outra forma, dietas com níveis acime de 60% de concentrado tendem a estimular o crescimento de bactérias amilolíticas (Selenomonas ruminantium, Ruminobacter amylophilus e Streptococcus bovis) e de protozoários ciliados (33).
Dentre esses organismos, existem aqueles considerados altamente importantes para a digestão da fibra no rúmen e, aqueles que são produtores de H2 e colaboram para a metanogênese. Sendo assim, o controle de seu crescimento poderia colaborar para o aumento dos eventos digestivos com redução da perda de energia da dieta (39).
Em resumo, o uso de aditivos pode ser uma importante tecnologia alternativa ao uso de aditivos de antibióticos para a manipulação do microbioma ruminal. Podendo contribuir para o aumento da produtividade, eficiência dos recurso utilizados na alimentação animal, diminuição de perdas de energia e mitigação de gases de efeito estufa(7).
ÓLEOS ESSENCIAIS
Os óleos essenciais (OE) são utilizados pelo homem há pelo menos 3.500 anos, nos dias atuais estão presentes em diversas fórmulas da indústria de cosméticos, farmacêutica e alimentícia. Adicionalmente, são também pesquisados na nutrição animal e incluídos em dietas dos ruminantes como potenciais moduladores da fermentação ruminal (26). O Brasil com a sua elevada biodiversidade vegetal, possui um grande potencial de prospecção de novos compostos secundários de plantas, com destaques para as oriundas dos biomas Amazônicos e do Cerrado (40).
Segundo Castillejos et al. (41), óleos essenciais são descritos como substâncias resultantes do metabolismo secundário de plantas, em que o termo “essencial” se refere à “essência”, caracterizada pela capacidade desses compostos de exalarem odores e possuírem sabores muito específicos, como é o caso do alho e canela, por exemplo. Podem ser extraídos de várias partes da planta, sua composição pode variar de acordo com a parte da planta (42). A concentração pode variar também conforme o estágio de crescimento, saúde da planta, fatores do ambiente, tais como luz, temperatura e estresse hídrico (43).
A classificação de metabolitos secundários é complexa, suas vias metabólicas de síntese, propriedades e mecanismos de ação são em muitos casos sobrepostos, e as diferenças de difícil determinação (26). Geralmente são divididos em 3 grupos (saponinas, taninos e óleos essenciais), formados por misturas complexas de substâncias derivadas de terpenóides (monoterpenos e sesquiterpenos) e fenilpropanoídes (44).
Os OE são designados a atuar como mensageiros ecológicos da planta ao ambiente, são responsáveis por respostas a estímulos como defesa, ou atrativos a insetos polinizadores. Apresentam ainda, em muitos casos atividade antimicrobiana contra fungos e bactérias (45). São substâncias lipofílicas, líquidas, podendo ser extraídas por arraste usando vapor de água ou por solventes (29). A sua capacidade de volatilização permite chamá-los de “óleos voláteis ou etéreos”, devido à sua aparência oleosa em temperatura ambiente (46).
Na literatura, de modo geral, é sugerido que os fenilpropanóides e terpenóides possuem mecanismo de ação sobre a membrana celular de bactérias, sendo parte desta ação atribuída à natureza hidrofóbica dos hidrocarbonetos cíclicos, que permite interação com as membranas celulares, acumulando-se e ocupando espaços entre as cadeias de ácidos graxos (47). Desta forma, a interação dos hidrocarbonetos causa fluidificação e expansão, alterando de forma significativa a estrutura da membrana celular das bactérias. Tal alteração causa perda da estabilidade da membrana celular causando “vazamento” de íons pela membrana, promovendo diminuição do gradiente iônico. Existem casos em que as bactérias conseguem balancear esses efeitos usando bombas iônicas e não ocorre morte celular, no entanto, grandes quantidades de energia são gastas em tal função, e ocorre supressão no crescimento bacteriano (26).
Sabe-se que compostos que alteram a permeabilidade da membrana celular das bactérias culminam na perda de íons e outros componentes citoplasmáticos, o que reduz o gradiente iônico transmembranar, conduzindo à perda dos processos vitais da célula como: translocação e síntese proteica, fosforilação e reações dependentes de enzimas. No contexto de fluxo contínuo no rúmen, qualquer alteração nos processos celulares que resulte em modificação das taxas de crescimento, altera a proporção das populações bacterianas do rúmen, e com isso o perfil de fermentação pode ser modificado (48).
Na nutrição de ruminantes os OE são utilizados como aditivos moduladores da fermentação ruminal. Semelhante à monensina e virginiamicina, na presença dos OE, alguns microrganismos ruminais são inibidos. O modo de ação pelo qual os óleos essenciais exercem sua atividade antimicrobiana pode ser complexo dada a diversidade de substâncias que os compõem, e é mais provável que não tenham um modo de ação específico, e sim vários alvos dentro das células (26, 49).
Alguns OE mostraram ter efeitos positivos no metabolismo de energia a partir do aumento da concentração molar total de AGCC) sem que isso necessariamente implique na alteração de suas proporções (50, 51, 52). O aumento da produção total de AGCC pode estar relacionado à capacidade dos OE em melhorar a digestão ruminal dos nutrientes (50). Por outro lado, há trabalhos que demonstram que os OE podem aumentar as concentrações molares de propionato e diminuir a relação acetato:propionato (53, 54), assim como outros, não encontraram efeito sobre os AGCC (55, 56).
Nos últimos anos, a busca pela substituição do uso de ionóforos, permitiu o surgimento de diversos produtos comerciais tendo plantas como matéria prima, tais como: Biostar® (Phytosynthèse, França) à base de alcachofra (Cynara cardunculus subesp. Scolymus), ginseng siberiano (Eleutherococcus senticosus) e feno-grego (Trigonella foenum graceum) outro exemplo, Crina® Ruminants (DSM Nutritional Products Ltda, Suíça), à base dos óleos essenciais timol, limoneno e guaiacol, assim como o Vertan® (IDENA, França), à base de timol, eugenol, vanilina e limoneno (57).
Tais compostos citados anteriormente podem romper a membrana celular bacteriana interagindo com proteínas especificas da mesma. Busquet et al. (57) em seu trabalho propõe que o OE de alho não exerce no rúmen atividade semelhante ao modo de ação da monensina, que inibe de forma específica bactérias gram positivas, porém, atuam de forma direta inibindo microrganismos do domínio Archaea. Desta maneira, sugere-se que os efeitos do OE na produção de metano, são doses-dependente, variando com a sua composição.
Joch et al. (58) avaliaram o uso de OE como estratégia de redução do metano entérico (CH4), e observara que 9 dos 11 princípios ativos estudados apresentaram capacidade para mitigação desse gás. Contudo, os autores verificaram que apenas 4 princípios ativos estudados (Limoneno, 1,4 – cineol, acetato de bornil e α – pineno) diminuíram a produção de CH4 sem afetar negativamente a produção de AGCC. Zhou et al. (59) verificaram diminuição linear da produção de CH4 com as inclusões de OE de orégano. O efeito sobre a produção de metano pode estar associado à diminuição do H2 no rúmen devido à redução das concentrações molares de acetato e aumento do propionato (59).
A literatura tem abordando o uso de OE em dietas de animais ruminantes, especialmente por meio de estudos in vitro, com o objetivo de identificar compostos e doses que sejam efetivas em controlar a produção de metano. Destaca-se que o efeito sobre a produção de metano sem redução ou com aumento da relação acetato:propionato, diferente do que acontece com o uso de ionóforos, está associado a atuação direta dos OE diretamente sobre Archaea metanogênicas (60).
Busquet et al. (57) verificaram que a adição de óleo gárlico in vitro promoveu redução da proporção de acetato e aumentos de propionato e butirato, o que culminou com a redução da produção de metano. Em um sistema de cultura in vitro, o óleo de alho e seus componentes (sulfeto de dialila, dissulfeto de dialila e alil mercapto), em altas doses (300 e 3000 mg/L), reduziram as concentrações de AGCC, efeito este que não observado quando utilizados em baixas concentrações (0,3; 3 ou 30 mg /L). Neste sentido, Benchaar et al. (44) utilizando óleo de canela e alho verificaram que a suplementação com OE (2 g/d) para vacas leiteiras teve efeito limitado na digestão, fermentação ruminal, produção e composição do leite.
Martínez-Fernández et al. (62) usando uma mistura de OE composta por cravo, orégano e canela, in vitro, notaram redução da produção de metano da ordem de 95%, mas in vivo (com cabras), o efeito foi menor quando as mesmas doses testadas in vitro foram avaliadas. Chapman et al. (56) suplementaram vacas de leite com doses crescentes de cinamaldeído (0; 2 e 4 mg/kg de PC) e não verificaram efeito sobre o consumo e digestibilidade de matéria seca, produção e composição do leite, bem como sobre a fermentação e o pH ruminal, mas houve redução da produção de proteína microbiana ruminal.
Em estudos in vitro, tem sido possível verificar efeitos mais marcantes dos OE, como extraídos de alho e canela sobre as variáveis de produção de metano e alteração da produção ou proporção dos AGV. Entretanto, conflita com outros estudos onde, a menor produção de metano está associada a redução da digestibilidade da MS ou FDN e não como consequência de alterações nas rotas fermentativas dos carboidratos pela microbiota ruminal (36).
Ornaghi et al. (63) observaram aumento de 8,57 e 14,65% no peso corporal final e ganho de peso diário, respectivamente, de bovinos em terminação confinados com dieta de alto concentrado, com diferentes níveis de cravo ou canela (3,5 ou 7,0 g/dia). Valero et al. (64) verificaram melhoria no desempenho de bovinos confinados com própolis e OE de caju e mamona, com ganho de 3 g/dia do peso corporal final, ganho de peso diário, peso de carcaça quente, respectivamente. Em estudos in vivo, os efeitos dos OE são menos evidentes, uma vez que nos ensaios in vitro as fontes de variação são facilmente controladas. Também, é possível testar doses relativamente mais elevadas do que as utilizadas in vivo, o que merece reflexão quando da necessidade de aplicação desses resultados obtidos in vitro para situações reais de campo (66).
Considerando que as alterações na fermentação ruminal seriam decorrentes das alterações na comunidade microbiana ruminal, as variáveis que são medidas in vitro ou in vivo nos estudos que avaliam os aditivos de ação ruminal são apenas um reflexo dos efeitos desses compostos sobre a abundância e atividade de grupos de (bactérias, protozoários, fungos) e espécies dentro desses grupos. Desta forma, quando se comparam alguns estudos in vitro com os realizados in vivo para avaliação de óleos essenciais, nota-se que nos estudos in vitro os efeitos do OE sobre a comunidade microbiana ruminal, conforme resultados de Patra & YU (66).
Schären et al. (39) testaram o efeito da monensina e um blend de óleos essenciais sobre a comunidade microbiana ruminal de vacas leiteiras em transição, tendo sido observando que a monensina reduziu a abundância de bactérias produtoras de acetato e H2 e aumentou a de bactérias produtoras de succinato e propionato, o que explica o aumento reportado na produção de propionato em animais alimentados com monensina. Contudo, esse efeito não se manteve em outros estudos, inclusive não houve qualquer alteração no total de bactérias viáveis, total de bactérias celulolíticas e protozoários (67,39,68,49).
Aspectos da adaptação da microbiota ruminal ao uso prolongado de OE e a discrepância entre condições in vitro e in vivo foram discutidos por Benchaar & Greathead (68), que afirmaram que as observações em experimentos de curto prazo ou experimentos in vitro, com altas concentrações de óleos essenciais não podem ser alcançados in vivo, desta maneira podem causar divergencia de conclusões.
CONCLUSÕES
Conclui-se que os OE apresentam potencial para serem possíveis substitutos dos antibióticos, podendo contribuir para a melhoria da produtividade, mitigação dos efeitos das mudanças climáticas através da redução de gases de efeito estufa. O desafio para as novas pesquisas é o entendimento do seu modo de ação no ambiente ruminal bem como, das doses para uso in vivo que controlem a emissão de metano ou previam a acidose ruminal, sem afetar negativamente o consumo e a digestão dos nutrientes da dieta.
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