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CONSERVAÇÃO, ESTABILIDADE E POSSÍVEIS ALTERAÇÕES EM COLD BREW

Capítulo de livro publicado no livro do I Congresso Internacional em Ciências da Nutrição. Para acessa-lo  clique aqui.

DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062015-9

Este trabalho foi escrito por:

Ivina Albuquerque da Silva *; Rafael Lopes de Alcântara ; Caio Monteiro Veríssimo ; Luciana Leite de Andrade Lima Arruda  

* Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]

Resumo: As bebidas obtidas a partir do café estão inseridas de forma cultural no hábito alimentar dos indivíduos ao redor do mundo. Geralmente, essas bebidas derivam da extração sólido-liquido utilizando água quente sobre os grãos de café torrados e moídos. Entretanto, de forma menos comum, a bebida de café pode também ser obtida através da extração à frio, com uso de água em temperatura ambiente ou gelada, originando uma bebida denominada cold brew, dotada de características sensoriais distintas das preparações tradicionais de café. Essa bebida fria normalmente é elaborada obedecendo um período de imersão de até 24h. O longo período de extração, associado aos riscos de contaminação microbiológica e alterações sensoriais trazidas a partir da estocagem, reforçam a necessidade de implementação de tecnologias de conservação viáveis, a fim de garantir a qualidade do produto durante o armazenamento. Várias técnicas de conservação podem ser empregadas com intuito de garantir a inocuidade da bebida, tais como congelamento, pasteurização, microfiltrção, processamento de alta pressão, entre outros. Compreender sobre as possíveis alterações indesejadas em cold brew durante a estocagem, assim como, conhecer as técnicas mais adequadas para a preservação do produto pode, dessa forma, viabilizar o armazenamento prolongado da bebida, minimizando a ocorrência de contaminações microbiológicas, oxidação e variações físico-químicas indesejáveis, assegurando, assim, o prolongamento das qualidades sensoriais da bebida. Desse modo, o presente trabalho objetiva elucidar sobre as principais alterações físico-químicas, microbiológicas e sensoriais em cold brew sob armazenamento, além de indicar as técnicas de conservação mais empregadas para a estabilização do produto.

Palavras–chave: armazenamento; café frio; cold brew; conservação; estabilidade

Abstract: Beverages obtained from coffee are culturally inserted in the eating habits of individuals around the world. Generally, these beverages are derived from solid-liquid extraction using hot water over roasted and ground coffee beans. However, in a less common way, the coffee beverage can also be obtained through cold extraction, using water at room temperature or cold, giving rise to a beverage called cold brew, endowed with sensory characteristics different from traditional coffee preparations. This cold drink is normally made following an immersion period of up to 24 hours. The long extraction period, associated with the risks of microbiological contamination and sensory changes brought about by storage, reinforce the need to implement viable conservation technologies, in order to guarantee the quality of the product during storage. Several conservation techniques can be used in order to guarantee the safety of the beverage, such as freezing, pasteurization, microfiltration, high pressure processing, among others. Understanding the possible unwanted changes in cold brew during storage, as well as knowing the most appropriate techniques for the preservation of the product, can thus enable the prolonged storage of the beverage, minimizing the occurrence of microbiological contamination, oxidation and physical-physical variations. undesirable chemicals, thus ensuring the prolongation of the drink’s sensory qualities. Therefore, the present work aims to elucidate the main physicochemical, microbiological and sensory changes in cold brew under storage, in addition to indicating the most used conservation techniques for the stabilization of the product.

Keywords: storage; cold coffee; cold brew; conservation; stability

INTRODUÇÃO

O café e suas variadas metodologias de extração estão intimamente inseridas na rotina de consumo mundial, devido suas propriedades gustativas e aromáticas (1). Geralmente, essas metodologias envolvem uma extração sólido-líquido à quente, utilizando equipamento específico, nos quais compostos solúveis e insolúveis são transferidos para as preparações (2). Tradicionalmente, técnicas como decocção, percolação, filtragem, infusão e emprego de pressão são utilizados para o preparo da bebida, seja em domicílio ou em cafeterias (3). Entretanto, as técnicas de extração de café à frio (cold brew) vêm ganhando cada vez mais notoriedade com o passar dos anos, tendo seu mercado global avaliado em US$ 321 milhões somente no ano de 2017 (4). Essa bebida fria obtida a partir da infusão de café em água sob temperatura ambiente e/ou gelada fornece um produto dotado de características sensoriais leves, apresentando menor acidez e amargor global, além de doçura acentuada (5). 

As metodologias mais comuns para a obtenção de cold brew envolvem a infusão ou gotejamento, no qual o primeiro advém da saturação do pó de café em água fria, durante um período de 24h, até ser finalmente coado; e o último é obtido através da utilização de equipamento específico dotado de três compartimentos distintos, capaz de gotejar água sobre o pó de café, obedecendo uma vazão predeterminada (6). Alguns equipamentos específicos podem ser utilizados para a elaboração do cold brew, como Mizudashi, Toddy e torre Yama (7). Entretanto a utilização de aparelhos distintos para preparo de cold brew pode ocasionar variação na composição físico-química da bebida e perfil sensorial, assim como ocorre diante das diversas formas de preparo de café à quente (8).

Excedendo aos peculiares atrativos sensoriais, o cold brew também detém, naturalmente, compostos bioativos de importante atuação benéfica no organismo humano, tais como cafeína, ácidos clorogênicos, componentes derivados da esterificação do ácido quínico  com o cafeico, chamados de ácidos cafeoiquínicos (CQAs), e seus isômeros (5-CQA, 4-CQA e 3-CQA), também, ácidos p-coumaroilquínicos, feruloilquínicos, ácidos dicafeoilquínicos (diCQA), ácidos cafeoil-feruloilquínicos, além de lactonas de ácido cafeoilquínico (CQLs) (3).

Com intuito de manter as propriedades sensoriais, bioativas e prolongar a vida de prateleira, diversas tecnologias de conservação têm sido empregadas a fim de assegurar a qualidade e inocuidade da bebida (2). Dentre elas, é possível identificar a aplicação de técnicas convencionais e não convencionais de conservação, tais como técnicas de congelamento, embalagens tecnológicas, pasteurização, microfiltração, processamento de alta pressão, aplicação de radiação, entre outros (2, 8). Compreender sobre as principais alterações na bebida, assim como conhecer sobre os variados tipos de técnicas de conservação para cold brew pode, portanto, auxiliar na escolha da tecnologia mais adequada para o produto, viabilizar o armazenamento prolongado da bebida, prevenindo oxidação e variações físico-químicas indesejáveis, assim como possibilita a prevenção de contaminação microbiológica e perda de atributos sensoriais, minimizando o desenvolvimento de gosto azedo ou amargo (9).  Diante disso, o presente estudo propõe elucidar sobre as principais alterações físico-químicas, microbiológicas e sensoriais em cold brew sob armazenamento prolongado, além de indicar as técnicas de conservação mais empregadas para a estabilização do produto.

METODOLOGIA

Houve a realização de uma revisão sistemática em relação aos métodos de conservação e estabilidade do cold brew, levando em consideração as variadas técnicas de extração existentes, substanciais alterações físico-químicas, microbiológicas e sensoriais da bebida, bem como as principais estratégias de conservação a fim de prolongar a sua estabilidade. Foram excluídos os artigos relacionados de forma restrita com a extração à quente do café, excetuando informações globais pertinentes. A busca de trabalhos científicos foi realizada em bases de dados como Scielo (Scientific Electronic Library Online), Medline (Biblioteca virtual em saúde), Science Direct e NCBI. Os descritores utilizados incluíram: “cold brew”, “café frio”, “café gelado”, “infusão à frio”, “dutch coffee”, “conservação”, “estabilidade”, “armazenamento”, resultando na seleção de 10 produções científicas. O levantamento de dados científicos sobre a temática levou em consideração publicações realizadas entre 2017 e 2022.

TÓPICOS

            Amplamente apreciada devido suas propriedades gustativas e energéticas, o café extraído constitui uma das bebidas mais populares e consumidas no mundo (10, 1). Embora cerca de 125 espécies de café tenham sido catalogadas em todo o planeta, somente três delas têm sido cultivadas a nível industrial, sendo elas Coffea arabica (café Arábico) e suas variedades, Coffea canephora (café Robusta) e Coffea liberica (11, 12). As variedades provenientes do café arábico são apontadas por produzirem bebidas com características sensoriais superiores em detrimento as demais espécies, razão pela qual são mais indicadas para a produção de cafés especiais, conferindo refinados perfis de sabor e aroma à bebida (13, 14).

            Somado aos atrativos sensoriais, de forma intrínseca, a bebida do café provém uma rica fonte de ácidos clorogênicos indicados por desempenhar ação antioxidante importante, viabilizando a atuação de efeitos hepatoprotetores, cardioprotetores, hipoglicemiantes, antidiabético, entre outros (15). Tais compostos se formam a partir de ligação entre o ácido quínico e moléculas de ácidos cafeico, p-cumarico e ferúlico (16). Os componentes derivados da esterificação entre ácido quínico e cafeico, denominados ácidos cafeoiquínicos (CQAs), e seus isômeros (5-CQA, 4-CQA e 3-CQA) encontram-se de forma predominante nas preparações de café, seguido por quantidades menores de ácidos feruloilquínicos, p-coumaroilquínicos, ácidos dicafeoilquínicos (diCQA) e ácidos cafeoil-feruloilquínicos; assim como é possível identificar as lactonas de ácido cafeoilquínico (CQLs), denominadas cafeoilquinidas (3). Paralelamente, as bebidas de café detêm naturalmente consideráveis quantidades de cafeína, classificada como uma metilxantina neuromoduladora que age como antagonista à ação da adenosina, favorecendo a melhoria do desempenho físico, humor, ao mesmo tempo que exerce atividades antioxidantes e antiinflamatórias relevantes protetivas contra o risco de doenças como Parkinson e Alzheimer (17, 18).

De forma global, as elaborações convencionais das bebidas obtidas a partir dos grãos do café torrados e moídos envolvem a extração sólido-liquido utilizando água quente (com temperaturas próximas dos 90°C), nos quais componentes solúveis e insolúveis do produto são incorporados as preparações (2, 4). Os métodos de extração à quente estão subdivididos em cinco técnicas destintas, que podem ser somadas a depender do equipamento utilizado: decocção, infusão, percolação, filtragem e técnicas que envolvem aplicação de pressão (3). No caso da decocção, o café moído permanece em contato direto com a água quente por períodos de tempos mais longos (como ocorre no aparelho ibrik), semelhante ao que acontece durante a infusão, sendo necessária, neste último caso, a separação dos resíduos por coador ou filtro (a exemplo da prensa francesa) (19). Na metodologia de extração que envolve percolação, o processo de recirculação contínua da água quente extrai os componentes solúveis do café moído; processo distinto ao que ocorre durante a filtragem, técnica essa cuja água quente atravessa um leito contendo café moído em filtro de papel ou coador metálico (20). Em relação ao emprego de pressão durante o preparo do café, uma pressão mais alta do que a atmosférica é empregada durante a elaboração da bebida a fim de separar a preparação e o pó (3).

Além das técnicas descritas, de forma menos comum, as preparações do café podem envolver a utilização de água em temperatura ambiente sobre o pó do café torrado e moído em infusão, havendo a necessidade de períodos de extração mais alongados, entre 8 e 24 h, originando uma bebida de café com características físico-químicas e sensoriais distintas das convencionais, denominada cold brew (5). Essas técnicas de elaboração de bebida fria a partir do café têm se tornado cada vez mais populares ao redor do mundo, em particular nos EUA e Japão (21), apresentando um crescimento de vendas em varejo de 460% entre os anos de 2015 e 2017, somente nos Estados Unidos (2, 22). Levando em consideração a ascensão e modificações no consumo, as bebidas de cold brew têm ganhado preferência tanto em âmbito de consumo doméstico, quanto no mercado RTD – pronto para beber, assegurando, assim, exímios fornecedores comerciais como Starbucks e Dunkin ’Donuts e (5).  Ademais, o mercado global de cold brew foi avaliado em US$ 321 milhões no ano de 2017 e deve alcançar a marca dos US$ 1,37 bilhão até o ano de 2023 (4)

            As bebidas frias obtidas a partir do café geralmente originam um produto final dotado de aspectos sensoriais distintos das metodologias convencionais (extrações à quente), conferindo às preparações suavidade, menor amargor global, menor acidez e doçura acentuada (5, 23). Entre as técnicas existentes, as mais frequentemente utilizadas envolvem a aplicação de imersão ou infusão, no qual utiliza-se equipamentos mais simples para promover o processo de saturação do pó de café em água fria, até ser finalmente coado, obedecendo períodos mais prolongados de elaboração (24). Além da imersão, a técnica de gotejamento pode ser empregada para produzir cold brew em tempos menores (entre 3 e 6h), necessitando somente de equipamento específico subdividido em três compartimentos verticalizados (em formato de torre), no qual o primeiro (mais alto) está incumbido de gotejar água fria ou gelada por gravidade a partir da abertura de uma válvula sobre o pó de café localizado em compartimento logo à baixo. Essa preparação contida no segundo compartimento é filtrada e posteriormente escoada, para ser coletado em recipiente localizado na base da torre (6). Os equipamentos utilizados podem ser dos mais variados, conferindo, portanto, características sensoriais e composição bioativa distintas entre as preparações (24).

O conceito de extração de café sob água fria originou-se no Japão do século XVII, embora seus primeiros sistemas de preparo tenham sido fabricados nos EUA no ano de 1960 a partir do equipamento Toddy® (25). Nesse equipamento, o cold brew é obtido a partir de infusão prévia (figura 1) com posterior sistema de filtragem contida no próprio aparelho, obedecendo um tempo de preparo de 24h (7). Necessitando de um período de tempo similar, o sistema Mizudashi® caracteriza-se por um método de infusão em um recipiente de vidro contendo água em temperatura de refrigeração ou ambiente, apresentando uma filtragem simultânea a partir de filtro tipo malha de polipropileno, particular para este equipamento (7, 24). Em estudos com o intuito de acompanhar o processo de extração de compostos benéficos à saúde, comparando metodologias à quente e à frio, o sistema de infusão Toddy foi apontado como uma das técnicas mais apropriadas para a retenção de compostos bioativos com propriedades antioxidantes relevantes, perdendo espaço, somente, para os equipamentos ibrik e prensa francesa (24).

Figura 1: Equipamentos para extração de cold brew (adaptado). (a) Toddy; (b) Cold Tower; (c) Mizudashi (7)

Além das técnicas descritas, também é possível utilizar a metodologia de gotejamento para a elaboração de cold brew, sendo esta obtida através da utilização de um aparelho denominado torre Yama®, cuja água gelada goteja por gravidade sobre o pó de café, sendo a bebida coletada no recipiente localizado na base da torre (7). Segundo pesquisas, as bebidas frias de café obtidas por gotejamento são capazes de fornecer uma preparação dotada de perfil mais amargo, contendo níveis mais elevados de ácidos clorogênicos e cafeína do que as preparações elaboradas a partir no método de imersão (6). Embora as diferentes técnicas exerçam efeitos distintos sobre o fator tempo, extração de compostos bioativos e características sensoriais nas preparações, variáveis como espécie, torrefação, grau de moagem e tempo de preparo promovem consideráveis modificações na composição da bebida, especialmente àquelas relacionadas a concentração de sólidos totais, compostos fenólicos, cafeína, perfil de voláteis e atividade antioxidante, gerando variabilidades nos atributos sensoriais (26, 6).

Um diferencial importante do cold brew gira em torno da experiência sensorial relacionada às características peculiares do café extraído à frio, conferindo leveza à bebida, menor acidez, menor amargor e acentuação da doçura (5, 23). Geralmente, o cold brew preparado é consumido dentro do período de 24h (9). Entretanto, quando armazenado por mais tempo, essa caracterização sensorial pode ser perdida a partir de alterações na composição química, a depender do período ou metodologia de armazenamento empregada (23, 9, 27). Assim sendo, esse processo de elaboração prolongado da bebida associado ao desejo de estocagem do produto, reforçam a necessidade de aplicação de tecnologias de preservação viáveis com intuito de estender a vida de prateleira das preparações, assegurando segurança e qualidade sensorial, particularmente interessantes para o segmento de comércio RDT (2).

O armazenamento prolongado do cold brew sem tecnologia de conservação adequada pode possibilitar o aparecimento de amargura, gosto azedo ou aumentar a acidez, sendo a acidez da bebida decorrente da extração excessiva ou deterioração microbiológica (9). No trabalho conduzido por So e outros autores (2014), com objetivo de acompanhar possíveis modificações nas propriedades físico-químicas e na atividade antioxidante do cold brew extraído com água à 4 ou 20∘C armazenado por 8 semanas, foi verificado que, conforme o tempo de armazenamento se estendia, o conteúdo de cafeína das preparações diminuía, ao passo que o conteúdo de ácido cafeico e ácido clorogênico aumentava. No mesmo estudo, as amostras apresentaram contagem bacteriana geral de <1 UFC / mL, sinalizando que o café armazenado pode ser consumido dentro do período de 8 semanas (27). De forma análoga às modificações físico-químicas identificadas, uma pesquisa realizada em 2022 sobre a estabilidade de cold brew produzido no segmento RTD armazenado por até 4 meses, identificou um aumento na ocorrência dos ácidos quínico, 3-cafeoilquínico, 4-cafeoilquínico, 5-cafeoilquínico, 3-O-feruloilquínico e 5-O-feruloilquínico, sendo esses capazes de alterar significativamente o sabor do café frio; possivelmente, em decorrência da hidrólise de lactonas de ácido clorogênico ou a partir da liberação de ácidos clorogênicos integrantes das melanoidinas, ao longo do tempo de armazenamento (28). 

Nas extrações de café também existe forte relação entre o risco de crescimento microbiano e a temperatura de extração, devendo haver controle microbiológico para patógenos como Salmonella e Listeria (9). Por isso, com intuito de aumentar a vida de prateleira do produto preservando as características sensoriais das preparações de café, alguns tratamentos podem ser implementados, a fim de garantir a estabilização inócua das bebidas (29, 9). Para tanto, as estratégias de estabilização podem ser das mais variadas, envolvendo, assim, a utilização de embalagens tecnológicas; técnicas de congelamento, no qual a multiplicação microbiológica é cessada devido à redução drástica da temperatura e ausência de água livre; método de pasteurização, em que são inativadas enzimas autolíticas, havendo também a supressão de contaminantes microbiológicos; radiação ionizante, no qual o produto é exposto a uma quantidade especificada de radiação suficiente para erradicar organismos causadores de deterioração e conservantes químicos, método pelo qual são inseridos na bebida conservantes a fim de retardar a deterioração microbiana e oxidação de bebidas (30). Além das tecnologias descritas, também é possível utilizar tecnologias não convencionais como o processamento de alta pressão (HPP), caracterizada como uma metodologia não térmica de esterilização para alimentos e bebidas, apresentando baixa perda de propriedades nutricionais e sensoriais, através da aplicação de pressão hidráulica de 100–900 MPa sobre produtos alimentícios (31, 32). As vantagens na utilização de HPP em bebidas ultrapassa as ações antimicrobianas sobre células vegetativas e desnaturação enzimática, já que também promove o rompimento de paredes celulares, membranas plasmáticas e organelas inseridas em matrizes vegetais, viabilizando o crescimento de taxas de transferência de massas de solutos durante a extração (4).

No trabalho realizado por Bellumori e colaboradores (2021) cinco técnicas distintas de estabilização de cold brew foram avaliadas por 4 meses: HPP, microfiltração, irradiação UV, pasteurização e resfriamento rápido. Esse estudo verificou que no final do período de armazenamento, somente as amostras tratadas com pasteurização e HPP mantiveram um conteúdo estável de cafeína e ácidos clorogênicos, garantindo também a segurança microbiológica da bebida; havendo destaque para a técnica de pasteurização, que foi capaz de preservar um perfil de sabor inalterado, enquanto que uma diminuição de cerca de 25% do total de conteúdo de compostos voláteis foi registrada para o tratamento HPP (2).  Em outro estudo, com o objetivo de investigar a conservação e possíveis alterações sobre o sabor do cold brew, a partir da aplicação de técnicas de estabilização como esterilização por pressão, pasteurização, esterilização por curto prazo de alta temperatura, filtragem por membrana e processamento de alta pressão, foi observado que, dentre os tratamentos de esterilização por calor utilizados, a esterelização de alta temperatura em curto espaço de tempo teve relativamente pouco efeito sobre a qualidade sensorial da bebida e diminuição do amargor,  sendo este indicado para preservar as qualidade sensoriais nas preparações (8).

Somado as alterações descritas, o cold brew pode produzir sabor rançoso e envelhecido devido aos processos oxidativos, cuja ocorrência costuma ser mais demorada do que nas preparações de café quente, haja vista que extrações à quente produzem um teor maior de lipídios (3, 9). Também, em linhas gerais, as extrações de café à frio tendem a ser mais estáveis, em detrimento às infusões à quente, auxiliando no prolongamento da vida útil das preparações e retendo melhor os metabólitos secundários e voláteis presentes na bebida (23, 33). Entretanto, observa-se que em preparações geladas armazenadas sob pressão de nitrogênio, a oxidação pode ser evitada e a vida útil estendida de forma mais eficaz (9).

CONCLUSÕES

Diante do objetivo proposto de analisar as principais alterações físico-químicas, microbiológicas e sensoriais do café extraído pelo método cold brew, foram desenvolvidos resultados satisfatórios a fim de explanar a respeito do tema. As alterações indesejáveis em cold brew podem desenvolver aparecimento de gosto amargo e azedo na bebida, em decorrência da deterioração microbiana do produto e extração excessiva de compostos. Com intuito de manter as propriedades sensoriais, bioativas e prolongar a vida de prateleira, diversas tecnologias de conservação têm sido empregadas a fim de assegurar a qualidade e inocuidade do cold brew, havendo destaque para a aplicação de técnicas como pasteurização, processamento de alta pressão e a esterelização de alta temperatura em curto espaço de tempo, sendo variado o tempo de estabilidade do produto, em função da metodologia de conservação aplicada.  Por fim, é possível também identificar que o processo de extração de cold brew, assim como sua estabilidade durante o armazenamento, ainda representam assuntos pouco explorados no âmbito da pesquisa, havendo a necessidade de maior expansão de estudos sobre a temática.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001. Também, os autores são gratos pelo suporte técnico fornecido pela empresa Kaffe Torrefação e treinamento e pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.

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