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CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÔMICA E EXTRAÇÃO DO “ÓLEO DE BICHO” DA LARVA Speciomerus ruficornis Germar NO MUNICÍPIO DE SOURE, MARAJÓ, PARÁ

Capítulo de livro publicado no livro do I Congresso Internacional em Ciências da Nutrição. Para acessa-lo  clique aqui.

DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062015-3

Este trabalho foi escrito por:

Gabriel Araújo de Jesus *; Luís Adriano Santos do Nascimento ; Carmelita de Fatima Amaral Ribeiro ; Seiyen de Oliveira Teles ; Wathison Nunes da Silva ; Larissa de Sousa da Silva   ; Michael Ruan Silveira de Souza  

Mestrando em biotecnologia pelo programa de pós-graduação em biotecnologia pela Universidade Federal do Pará: [email protected];

Resumo: A prática extrativista é uma atividade muito comum nas comunidades tradicionais do município de Soure, Ilha do Marajó, e através destas práticas, muitas famílias retiram seus sustentos. Dentre as práticas extrativistas, é realizada a coleta e extração do óleo de bicho. O óleo é extraído da larva do besouro Speciomerus ruficornis Germar que se alimenta das amêndoas presentes no endocarpo do tucumã. O objetivo do trabalho foi compreender e caracterizar de que forma a extração e venda do óleo de bicho impacta as questões socioeconômicas no município de Soure. Dessa forma, para compreender melhor de que forma esta prática interfere nas vidas das famílias, foram aplicados questionários, dividido em quatro etapas: perfil do extrativista; métodos de extração; qualidade do óleo e comercialização do produto. Os resultados obtidos com esta pesquisa apresentaram uma tendência de crescimento no valor bruto do óleo, que segundo os extrativistas vem constantemente aumentando nos últimos seis anos. Segundo entrevistados o óleo de bicho, é responsável por auxiliar no sustento de muitas famílias nas comunidades do município e seu processo de coleta e extração, tornou-se parte da cultura da região. O óleo de bicho é muito comercializado por seu grande potencial terapêutico que segundo relatos populares é muito utilizado para inflamações, contusões e problemas gastrointestinais, entre outras enfermidades. Conclui-se que o óleo de bicho é um produto que está se destacando na região devido as propriedades terapêuticas e que está trazendo emprego e renda para comunidades extrativistas da região.

Palavras-chave: extração; óleo de bicho; questionário

Abstract: The extractive practice is a very common activity in the traditional communities of the municipality of Soure, Ilha do Marajó, and through these practices, many families earn their livelihood. Among the extractive practices, the collection and extraction of “óleo de bicho” is carried out. The oil is extracted from the larva of the beetle Speciomerus ruficornis Germar, which feeds on the almonds present in the endocarp of the tucumã. The objective of this work was to understand and characterize how the extraction and sale of “óleo de bicho” impacts socioeconomic issues in the municipality of Soure. Thus, to better understand how this practice interferes in the lives of families, questionnaires were applied, divided into four stages: extractivist profile; extraction methods; oil quality and product marketing. The results obtained with this research showed a trend of growth in the gross value of oil, which according to extractivists has been constantly increasing in the last six years. According to interviewees, this oil is responsible for helping to support many families in the communities of the municipality and its collection and extraction process has become part of the culture of the region. The “óleo de bicho” is very commercialized for its great therapeutic potential that according to popular reports is widely used for inflammations, bruises and gastrointestinal problems, among other diseases. It is concluded that oil is a product that is standing out in the region due to its therapeutic properties and that it is bringing employment and income to extractive communities in the region.

Keywords: extraction; animal oil; questionnaire

INTRODUÇÃO

A Ilha do Marajó está localizada na região nordeste do Estado do Pará, a cerca de 80000 metros da capital paraense. Soure se encontra na região litorânea da ilha, com uma população total de 25.752 habitantes e extensão territorial de 2.857.000.000 m², conforme dados do IBGE (1). Sendo uma das regiões mais importantes no fornecimento de produtos extrativistas, frutíferos, pesqueiro, de carne bovina e bubalina, para a capital do estado (2).

Dentre seus produtos extrativistas, o popularmente conhecido como “óleo de bicho”, é um dos responsáveis pela movimentação da economia nas comunidades dentro do município (3). O óleo de bicho é extraído da larva do besouro Speciomerus ruficornis Germar, que se aloja no tucumã-do-Pará (Astrocaryum Vulgare Mart) popularmente conhecido por tucumanzeiro.

A larva do besouroé popularmente conhecida na região como Carrota, sendo o principal polinizador do tucumã-do-Pará. Eles pertencem à ordem coleóptera e família de bronquídeos e são conhecidos por depositarem seus ovos em sementes caídas e frutos maduros. A presença desses besouros se dá nos períodos de safra das sementes e frutas.

Com o tucumã não é diferente, dentro das sementes, o besouro coloca seus ovos sobre o caroço e ao iniciar o processo larval perfura e se aloja no interior do mesmo onde se alimenta das amêndoas de tucumã e então se desenvolve, durante o período de safra que se estende desde abril a agosto. São durante esses meses que os extrativistas realizam a coleta da semente para a retirada das larvas e produção do óleo de bicho (4).

O consumo do óleo de bicho é um costume tradicional nas comunidades de Soure, é comum ouvir relatos dos seus diversos benefícios. Segundo os moradores, dentre as principais propriedades medicinais presentes no óleo, estão o seu poder anti-inflamatório, cicatrizante e até a capacidade de cura de diversos tipos de enfermidades.É importante destacar que a extração do óleo de bicho é tradicionalmente realizada por fritura, utilizando uma frigideira ou panela (5). O objetivo do trabalho foi compreender e caracterizar de que forma a extração e venda do óleo de bicho impacta as questões socioeconômicas no município de Soure.

Para fundamentar essas informações, foi aplicado um questionário, para a coleta de informações a respeito dos métodos de extração, qualidade do óleo e comercialização do óleo de bicho no município e de que forma esse produto impacta a socioeconomia das comunidades. 

MATERIAIS E MÉTODOS

Foi realizado um estudo transversal, com abordagem quantitativa, com uma base populacional com idade acima de dezoito anos. Os questionários contendo perguntas semi- estruturadas foram feitos de acordo com a descrição de Manzato e Santos (6), e organizados em quatro sessões: perfil do extrativista; métodos de extração; qualidade do óleo e comercialização do produto. Foram entrevistadas nove pessoas que residiam em comunidades do munícipio de Soure e tinham como base o perfil extrativista na coleta e obtenção do óleo de bicho, considerando os seguintes parâmetros: faixa etária; estado civil; escolaridade; renda; exercício de outras atividades e grau de experiência com a produção. Estes foram aplicados durante o período de janeiro a abril de 2022, período que antecede a safra do óleo de bicho. As entrevistas foram individuais e tinham como objetivo compreender através de um panorama geral de que forma a extração do óleo de bicho é realizada e de que forma o produto influencia no perfil dos (as) extrativistas entrevistados (as) no munícipio de Soure.

RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para avaliar as informações contidas no questionário estruturado, foram montadas tabelas que auxiliaram na determinação do impacto da produção do óleo de bicho nas comunidades do Caju-una e Pedral no Município de Soure, PA. Diferencias como faixa etária, estado civil, escolaridade e renda ajudaram a compreender melhor o panorama geral socioeconômico dos extrativistas (Tabela 1). A coleta e extração são feitas predominantemente por pessoas na faixa de 29 a 39 anos e entre pessoas com baixa escolaridade e renda.

Foi possível avaliar que a extração do óleo de bicho, contudo, trata-se de uma das principais fontes de renda nas comunidades, porém não a única. Devido à sazonalidade do fruto do tucumã, 77,8% dos extrativistas afirmaram precisar realizar outras atividades para complementar a renda familiar (Tabela 2).

De todos os produtores 88% tinham mais de cinco anos de experiência na extração de óleo de bicho (Tabela 3). Segundo os entrevistados a atividade envolve diversos riscos, como manipulação de utensílios cortantes e uma longa jornada de trabalho, outro risco presente no decorrer da coleta que são os animais silvestres, uma vez que, os extrativistas adentram em mata fechada para realizar a coleta da semente.Tabela 3 – Porcentual de entrevistados quanto ao grau de experiência com o processo de produção do óleo de bicho.

O óleo de bicho possui alta relevância na estrutura socioeconômica das comunidades. Segundo Pereira (4), o consumo do óleo é caracterizado como muito importante sendo fonte de renda de muitas famílias e principal alternativa no tratamento de enfermidades de caráter básico. Ainda segundo o autor o valor do óleo de bicho subiu 40% em quatro anos durante os anos de 2016 a 2020, no qual a faixa de preço encontrava-se em 100 R$ por litro. Atualmente, o valor do litro do óleo subiu entre 20 a 50% quando comparado a 2020 e fora de safra é apresentado um aumento de até 150% no valor do litro.

O crescente aumento do valor e o maior número de famílias trabalhando com a extração do óleo indica a popularização do produto e trabalhos como os de Rocha (5) que investigou o potencial terapêutico do óleo de bicho e Pereira (4) que apresentou uma grande quantidade de dados a respeito da extração do óleo de bicho no município de Ponta de Pedras no Marajó, trazem impactos positivos na divulgação do conhecimento desta temática na literatura.

Os extrativistas afirmam que a produção do óleo de bicho é uma tradição transmitida através de gerações. O conhecimento acerca do óleo se inicia cedo, mas a atividade de comercialização do óleo é feita pelos mais experientes, e em todos os questionários, os entrevistados afirmaram não terem tido orientações de boas práticas através de políticas públicas, sendo todo conhecimento adquirido pelos familiares passado por gerações. Embora a produção do óleo seja potencialmente lucrativa, ainda existe pouco incentivo à produção, porém ainda assim existe uma tendência positiva na valorização do produto.

Segundo Pereira (4), o óleo de bicho já era destacado como um produto com tendência de valorização, onde destacou que: antes dos anos 2000 o produto não era comercializado; entre 2000 a 2010 havia as primeiras relações de trocas do produto nas comunidades; entre 2010 a 2016 o preço já variava entre 20 a 60 reais; de 2016 a 2020 o preço estava na faixa de 100 reais e mais atualmente o presente trabalho indicou que o preço pode variar de 150 a 250 reais dependendo da época do ano.

Segundo os entrevistados, para obter o óleo de bicho, inicialmente foi realizada a coleta das sementes de tucumã, nas comunidades do Pedral e Caju-una em mata fechada e com o uso de sacas de 60 kg. Posteriormente, com a chegada da matéria-prima até o local de processamento, ocorreu a quebra das sementes com o auxílio de um terçado e uma forquilha. As seleções das sementes foram feitas com base naquelas que possuem furos em seu endocarpo, isso indica que existem larvas no seu interior.

A identificação da larva para coleta do óleo foi determinada através da sua morfologia. As melhores larvas para a coleta são aquelas que visivelmente aparentam uma maior quantidade de nutrientes consumidos das amêndoas que resultam em uma maior quantidade de óleo extraído.

Além disso, a etapa da limpeza das larvas é um fator muito importante, uma vez que visa à remoção de toda a sujeira envolvida, e com isso garantindo um produto final de ótima qualidade.

A extração do óleo de bicho vem sendo realizada em um fogão a lenha ou convencional com a utilização de um recipiente de alumínio e uma colher de madeira. Seguidamente, realiza-se a filtragem para remover pequenos fragmentos de larva com auxílio de tecido, logo após, realiza o armazenamento do óleo. O óleo é envasado em recipientes de plástico e de vidro, em seguida, o produto já armazenado é exposto ao sol, segundo os extrativistas (imagem 1).

O fluxograma do processo de extração e extração do óleo está apresentado na Imagem 2.

Imagem 2 – Fluxograma das etapas do processo de obtenção do óleo de bicho.

Assim que o óleo é armazenado em garrafa de plástico ou vidro, este já passa a ser comercializado dentro das comunidades e para outros bairros. Contudo, esse tipo de extração, possui algumas vantagens e desvantagens, que será apresentada na Tabela 4:

Dentre os nove entrevistados, uma extrativista afirmou comercializar para grandes centros comerciais, sendo que esta vende o litro do seu óleo por duzentos reais (valor acima da média), porém a maioria dos extrativistas ainda vê o óleo de bicho como uma renda complementar.

CONCLUSÕES

A coleta e extração do óleo da larva para obtenção de óleo de bicho, é uma prática tradicional transmitida por gerações no município de Soure. Trata-se de uma técnica bastante popular que serve como fonte de renda para os extrativistas, porém de forma complementar devido à sazonalidade do tucumã. Há uma tendência de crescimento no valor do óleo de bicho, que segundo os extrativistas vem constantemente aumentando nos últimos seis anos, e com a tendência de que o produto seja cada vez mais popularizado.

A técnica de extração adotada pelos extrativistas é tradicional e eficiente, porém, embora seja prática, possui algumas desvantagens como o processo de fritura que pode comprometer a qualidade do produto final, por degradação. Então é destacada a necessidade de estudos de metodologias alternativas para comparar parâmetros de qualidade e rendimento com a extração tradicional.

Além disso, o óleo de bicho possui um grande potencial terapêutico, todos os entrevistados apresentaram como principais propriedades o seu poder cicatrizante e seu potencial anti-inflamatório. Logo, este trabalho busca difundir conhecimento a respeito deste produto e seu grande potencial fármaco.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Universidade Federal do Pará e o Laboratório de Óleos da Amazônia e também a Universidade do Estado do Pará, Campus XIX/Salvaterra por disponibilizar seus espaços para a realização dos estudos e análises que custearam o desenvolvimento deste trabalho.

REFERÊNCIAS      

  1. Instituto Brasileiro De Geografia Estatística (IBGE). Censodemográfico do município de Soure. Soure: 2021.
  2. Boulhosa M S, Vasconcelos A C P. Turismo de Base Comunitária na Ilha do Marajó: a experiência da comunidade de Pesqueiro, Soure. In Santiago, R. C. C de A. Silva, F.de P. S. da. Procopiuck, M. Ecossocioeconomia, Turismo de Base Comunitária e Desenvolvimento Local Sustentável [Internet]. Moldova: Novas Edições Acadêmicas; 2020 [Acesso em 20 de abril de 2022]. Disponível em: Linha7–artigo_ix_etbces_Marinete-Boulho_TBC-na-Ilha-de-Marajo.pdf
  3. Barbosa H S, Neves G E, Alcântara P A. Extração do óleo do bicho do caroço do tucumã na comunidade Saracá. [Trabalho de conclusão de curso]. Ponta de Pedras: Uiversidade Federal do Pará; 2016.
  4. Pereira, J do S M. Extração do óleo do bicho do caroço do tucumã (Speciomerus ruficornis Germar):descrição do sistema sociotécnico. [Dissertação de Mestrado em Gestão de Recursos Naturais e Desenvolvimento Local na Amazônia] Belém: Universidade Federal do Pará; 2021.
  5. Rocha, T. T., Tavares-Martins, A. C. C.; Lucas, F. C. A.; Martins, R. C. C. Potencial terapêutico e composição química do óleo de bicho do tucumã (Astrocaryum Vulgare Mart.) utilizado na medicina popular [Internet]. Scientia Plena. V. 10, n. 11, p. 01-10, 2014 [Acesso em 27 de abril de 2022]. Disponível em: https://www.scientiaplena.org.br/sp/article/view/2087

6. Manzato A J e Santos A B. A elaboração de questionários na pesquisa quantitativa [Internet]. São Paulo: IBILCE – UNESP; 2012 [Acesso em 22 de março de 2022]. Disponível em: http://www.inf.ufsc.br/~vera.carmo/Ensino_2012_1/ELABORACAO_QUESTIONARIOS_PESQUISA_QUANTITATIVA.pdf

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