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Trabalhos publicados como capítulo de livro pela editora Agron Food Academy

A ABORDAGEM SISTÊMICA DA EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL E SUA RELAÇÃO COM A NUTRIÇÃO CLÍNICA E OS TÉCNICOS EM NUTRIÇÃO E DIETÉTICA

Luana Fernandes Melo1; Felipe Ferrari da Costa2; José Marcos Froehlich3

1Nutricionista, Agroecóloga e Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Extensão Rural (PPGExR) – CCR – UFSM; E-mail: [email protected],

2Agrônomo, Cientista Social e Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – IFCH – Unicamp; E-mail: [email protected]

³Doutor em Ciências Sociais; Professor do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFSM; E-mail: [email protected]

Resumo: A Educação Alimentar e Nutricional (EAN) é o campo do conhecimento e de prática contínua, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que visa promover hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada. O objetivo deste trabalho é discutir a abordagem sistêmica da educação alimentar e nutricional e suas conexões com a nutrição clínica e os Técnicos em Nutrição e Dietética (TND’s). Enquanto política pública, a EAN pode ser implementada em diversos setores, envolvendo a participação multiprofissional. Nos contextos que envolvem indivíduos com doenças, a EAN é considerada um recurso terapêutico, sob responsabilidade de profissionais com conhecimento técnico na área. É importante que a nutrição clínica e os TND’s percorram itinerários pautados em EAN, observando sua relação com as políticas públicas, principalmente no atual momento de Covid-19, já que contribui para a realização de uma alimentação saudável e para a construção de uma sociedade com mais qualidade de vida.

Palavras–chave: abordagem sistêmica; alimentação saudável; educação alimentar e nutricional; políticas públicas

INTRODUÇÃO

A prática da Educação Alimentar e Nutricional (EAN) no Brasil remonta à década de 1930, contexto nacional de industrialização, de organização de uma classe trabalhadora urbana e momento em que começam a ser instituídas as leis trabalhistas e políticas sociais de alimentação. Portanto, as estratégias de EAN eram dirigidas aos trabalhadores e suas famílias, a partir de uma abordagem considerada, atualmente, como ultrapassada, já que pretendia ensiná-los a se alimentar corretamente, segundo um parâmetro descontextualizado e somente baseado em critérios biológicos (BRASIL, 2012). As ações eram centradas em campanhas de incentivo a alimentos que não eram popularmente consumidos, a partir de práticas educativas direcionadas, principalmente, às camadas de menor renda (BRASIL, 2010; SANTOS, 2005).

Assim, entre as décadas de 1940 e 1970, o tema da EAN no Brasil acabou reduzindo a pauta da alimentação à sua dimensão biológica e ao nutricionismo (BRASIL, 2012). O nutricionismo refere-se à supervalorização dos nutrientes, em detrimento de uma abordagem sistêmica para alcançar uma alimentação saudável (SCRINIS, 2013). Ilustrativa de práticas problemáticas deste tipo, foram as campanhas nacionais recorrentes nas décadas de 1970 e 1980 que visavam promover o consumo alimentar da soja e seus derivados. Com resultados insatisfatórios, estas ações apenas valorizavam a dimensão nutricional dos alimentos, desconsiderando a abordagem sistêmica da alimentação, baseada em suas dimensões biológica, ambiental, cultural, econômica, política, social, regional, psicoafetiva, comportamental, sensorial e simbólica (BRASIL, 2012; CFN, 2018).

Neste sentido, até a década de 1990 a EAN foi pouco valorizada como disciplina e estratégia de política pública. A partir deste momento, com o acúmulo de evidências que apontavam os maus hábitos alimentares como um dos fatores determinantes para o aumento, em todo o mundo, de doenças crônicas, passou a ser considerada medida necessária para a formação e proteção de hábitos saudáveis (BRASIL, 2012).

Atualmente, a EAN é considerada um campo de conhecimento e prática contínua e permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional, que visa promover a prática autônoma dos hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para assegurar o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Assim, está presente também nas abordagens e estratégias da nutrição clínica, dos TND’s, em diferentes áreas científicas e de saberes (BONOMO; GENTIL, 2018), podendo, inclusive, fazer parte das discussões sobre políticas de enfrentamento ao Covid-19 – sem substituir as práticas sanitárias de prevenção ao vírus.

Portanto, para se compreender o conceito e importância da EAN deve-se considerar, desde a trajetória histórica e política desta noção no Brasil, também as múltiplas dimensões da alimentação saudável, vinculadas a diferentes campos de saberes e práticas do conhecimento científico e popular. Logo, adota-se o termo EAN, e não Educação Nutricional ou Educação Alimentar, por sua abrangência e caráter sistêmico, considerando-se, aqui, os aspectos relacionados ao alimento e seu potencial nutricional, os processos de produção, abastecimento e transformação, bem como demais questões que envolvam os sistemas agroalimentares (BRASIL, 2012). Assim, o objetivo deste trabalho é refletir sobre a abordagem sistêmica da educação alimentar e nutricional e suas conexões com a nutrição clínica e os TND’s.

EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL E SUA ABORDAGEM SISTÊMICA

Enquanto política pública, a EAN pode ocorrer em diversos setores e envolver a participação de várias formações profissionais. Cabe ressaltar que, nos contextos que envolvam indivíduos com alguma doença – como pessoas diagnosticadas com Covid-19 -, em que a EAN pode ser considerada um dos recursos terapêuticos e de cuidado, estas ações são de responsabilidade de profissionais com conhecimento técnico e habilitação em saúde, considerando suas especificidades (BRASIL, 2012).

De todo modo, conforme o Decreto Nº 7.272, de 25 de agosto de 2010, a EAN é uma diretriz da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (PNSAN). Desde então, vem sendo trabalhada em uma perspectiva mais ampliada, envolvendo diferentes campos de ação, no escopo do sistema agroalimentar e de saúde, articulada a outras políticas públicas, não restrita à nutrição clínica e aos TND’s (MDS, 2018). Podemos considerar que as diretrizes da PNSAN, no que tocam à EAN, dialogam fortemente com o Decreto Nº 7.794, de 20 de agosto de 2012, sobre a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO). Este expõe que um dos instrumentos da PNAPO é justamente a educação e formação profissional; deste modo, podemos refletir que a educação agroecológica também têm seu protagonismo nos debates de EAN, sendo fundamental que se comunique cada vez mais com a nutrição clínica, os TND’s e com os repertórios da alimentação saudável, visando desenvolver melhores maneiras de trabalhar a soberania e segurança alimentar e nutricional (SAN) (BRASIL, 2012a). Também convergente a isso, temos recentemente a Lei Nº 17.158, de 08 de janeiro de 2021, referente a Política Estadual de Agroecologia e Produção Orgânica do Estado de Pernambuco, que ressalta a importância da EAN na promoção do consumo de produtos agroecológicos, orgânicos e saudáveis (PERNAMBUCO, 2021).

Ademais, o PL 6.670/2016, que institui a Política Nacional de Redução de Agrotóxicos (PNARA), destaca que cabe ao Poder Executivo promover a qualificação de extensionistas rurais, profissionais da saúde e do meio ambiente, agricultores, consumidores, estudantes e entidades da sociedade civil, apoiando iniciativas desenvolvidas no campo da educação formal e não formal, para sensibilizar, capacitar, qualificar e divulgar os conhecimentos sobre os riscos e impactos dos agrotóxicos na agricultura, pecuária, produção extrativista e nas práticas de manejo dos recursos naturais. Neste sentido, ressaltamos que tais pautas da PNARA estão em forte interlocução com os princípios da EAN para a promoção da qualidade de vida, SAN e uma alimentação saudável e sustentável, sendo crucial que a nutrição clínica e os TND’s conheçam e dialoguem com a PNARA (BRASIL, 2016).

Neste âmbito, torna-se cada vez mais flagrante a importância da nutrição clínica, dos TND’s e de outros campos do conhecimento utilizarem instrumentos de EAN, para apoiarem pessoas e comunidades na adoção de práticas alimentares que promovam a saúde e na melhor compreensão dos fatores implicados nestas práticas. Isso contribui para o fortalecimento dos sujeitos na busca de habilidades para tomar decisões e transformar a realidade, assim como para exigir o cumprimento do DHAA, principalmente na atual conjuntura de pandemia sanitária. É fundamental que ações de EAN sejam desenvolvidas por diversos setores, incluindo saúde, segurança alimentar e nutricional, educação, desenvolvimento social, agricultura, agroecologia, meio ambiente, desenvolvimento agrário, esporte e lazer, trabalho, cultura e habitação, entre outros (BRASIL, 2014; BRASIL, 2012).

Por fim, observamos que o guia alimentar para a população brasileira é um documento que aborda recomendações para alcançar uma alimentação saudável, configurando-se como instrumento de apoio substancial para a nutrição clínica, os TND’s e as ações de EAN (BRASIL, 2014). Todavia, nutricionistas e TND’s precisam avançar nos conhecimentos de EAN, dado que 32,6% dos nutricionistas brasileiros ainda conhecem pouco e 21,8% não conhecem o Marco de Referência de Educação Alimentar e Nutricional. Ou seja, 54,5% conhecem pouco ou não conhecem um dos principais instrumentos para a prática profissional da área de Nutrição. Já os nutricionistas da área da Nutrição Clínica, Docência, Saúde Coletiva e Nutrição Esportiva são os que mais realizam ações de EAN (CFN, 2019).

CONCLUSÕES

É importante que a Nutrição Clínica e os Técnicos em Nutrição e Dietética percorram itinerários pautados em diretrizes da Educação Alimentar e Nutricional, principalmente no atual momento de pandemia da Covid-19, já que isso contribui para a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada, redução de doenças e para a construção de uma sociedade mais saudável. Por fim, é crucial que a Nutrição Clínica e os TND’s conheçam e se envolvam mais com as ações e técnicas da EAN, tais como campanhas, palestras, dinâmicas, oficinas, folders, banners/display, rodas de conversas etc. Que também interajam na discussão das políticas públicas e junto aos contextos de aplicação da EAN e com tudo que esta prática tem a oferecer para a promoção de uma alimentação saudável, hábitos alimentares mais adequados e conscientes e uma vida com mais saúde e sustentabilidade.

REFERÊNCIAS

BONOMO, É.; GENTIL, P. C. Princípios e Práticas para Educação Alimentar e Nutricional. Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), 2018. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2018/08/CADERNO_EAN_semmarca.pdf. Acesso em: 21 mai. 2021.

BRASIL. Ministério da Saúde. RedeNutri – Rede de Nutrição do Sistema Único de Saúde. Texto de Sistematização: Educação Alimentar e Nutricional. Brasília, 2010. Disponível em: http://ecos-redenutri.bvs.br.  Acesso em: 21 mai. 2021.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. – Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, 2012.

BRASIL. Decreto Nº 7.794, DE 20 de agosto de 2012. Institui a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. Brasília, 2012a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7794.htm. Acesso em: 21 mai. 2021.

BRASIL. Ministério da saúde; Secretaria de atenção à saúde. Guia Alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 156 p.

CONSELHO FEDERAL DE NUTRIÇÃO (CFN). Código de ética e de conduta do nutricionista. Brasília: 2018. 32p. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2018/04/codigo-de-etica.pdf. Acesso em: 21 mai. 2021.

CONSELHO FEDERAL DE NUTRIÇÃO (CFN). Inserção profissional dos nutricionistas no Brasil. Brasília: 2019. 75p. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2019/05/CARTILHA%20CFN_VERSAO_DIGITAL.pdf?fbclid=IwAR0uypYRdbnoFbs_aR4PIAKygN3PC4-BUFJfPCD2tszfAXtxG1y0KE1HvLs. Acesso em: 21 mai. 2021.

MINISTÉRIO DO DESENVOLVIMENTO SOCIAL (MDS). Princípios e Práticas para Educação Alimentar e Nutricional. 2018. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2018/08/CADERNO_EAN_semmarca.pdf. Acesso em: 20 mai. 2021.

PERNAMBUCO. Lei Nº 17158 DE 08/01/2021. 2021. Disponível em: https://www.legisweb.com.br/legislacao/?id=407724. Acesso em: 21 mai. 2021.

 

SANTOS, L. A. S. Educação Alimentar e Nutricional no contexto da promoção de práticas alimentares saudáveis. Revista de Nutrição, Campinas, v.18, n.5, p. 681-692, set./out. 2005.

SCRINIS, G. Nutritionism: the science and politics of dietary advice. New York: Columbia University Press; 2013.

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