VINAGRE DE FRUTAS: PRODUÇÃO, ATIVIDADES BIOLÓGICAS E DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS
Capítulo de livro publicado no livro: Ciência e tecnologia de alimentos: Pesquisas e avanços. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062060-26
Este trabalho foi escrito por:
Bruna Rafaela da Silva Monteiro Wanderley *; Natália Duarte De Lima ; Rodrigo Ribeiro Arnt Santana ; Renata Dias de Mello Castanho Amboni ; Ana Carolina Moura de Sena Aquino ; Carlise Beddin Fritzen-Freire
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: O vinagre é um alimento fermentado, que apresenta consumo em todo o mundo, principalmente na forma de tempero e/ou como conservante de alimentos. O vinagre de frutas é o principal tipo de vinagre consumido, em especial, o vinagre de maçã e o vinagre de uva. No entanto, a aplicação de frutas subutilizadas pela indústria de alimentos para o desenvolvimento de novos fermentados acéticos vem ganhando destaque nos últimos anos, e isso se deve ao fato que o consumo deste tipo de produto, apesar de ser bem consolidado mundialmente, está aumentando consideravelmente. Isto está relacionado principalmente com a procura dos consumidores por alimentos diferenciados e que apresentem benefícios à saúde. Neste contexto, é fundamental compreender como diferentes matérias-primas podem ser utilizadas na elaboração de vinagres. Diante disto, o objetivo desta revisão foi demonstrar as metodologias empregadas para a elaboração de vinagre de frutas, bem como, as matérias-primas, suas atividades biológicas e as potencialidades para a diversificação do desenvolvimento e da oferta de novos vinagres.
Palavras–chave: Alimentos funcionais; fermentados acéticos; matérias-primas.
INTRODUÇÃO
O vinagre é um alimento fermentado que apresenta um consumo em âmbito mundial, sendo comumente utilizado como forma de tempero ou conservante de alimentos. Este fermentado é produzido a partir de inúmeras matérias-primas, como, por exemplo, as frutas, resultando assim em um produto rico em ácidos orgânicos, compostos fenólicos, vitaminas e minerais (1,2).
As características químicas, biológicas e sensoriais dos vinagres variam conforme a matéria-prima e o método de elaboração empregado. Atualmente, os vinagres de frutas são os principais vinagres consumidos, em especial, os vinagres de uva e de maçã (3). No entanto, observa-se um aumento nos estudos que investigam o potencial de outras frutas, que comumente ainda não são exploradas na indústria vinagreira no desenvolvimento de novos tipos de vinagres, como, por exemplo: vinagre de cereja-azeda (Prunus cerasus L.) (4); vinagre de mangaba (Hancornia speciosa Gomes) (5); vinagre de espinheiro (Crataegus tanacetifolia (lam.) pers.) (6); vinagre de Longan (Dimocarpus longan Lour.) (7); entre outros.
Em vista das possíveis aplicações de frutas no desenvolvimento de novos vinagres, estudos avaliam o potencial benefício à saúde relacionado ao consumo de vinagre de frutas. Com isso, há relatos que este alimento pode atuar como forma de prevenção de diversos problemas de saúde, como diabetes, hipertensão, infecção e inflamação (8–10).
Desta forma, as frutas brasileiras se apresentam como uma opção viável na diversificação de novos produtos, em especial, de vinagres, devido às suas características sensoriais exóticas e potenciais benefícios a saúde. Diante disto, o objetivo desta revisão foi demonstrar as metodologias empregadas para a elaboração de vinagre de frutas, bem como, as matérias-primas, suas atividades biológicas e as potencialidades para o desenvolvimento de novos tipos de vinagres.
ORIGEM E DEFINIÇÃO
O fermentado acético é conhecido popularmente como vinagre. Essa terminologia veio da palavra francesa “vin” e “aigre”, que significa “vinho azedo” (11). A produção do vinagre é relatada há mais de cinco mil anos, e acredita-se que sua origem esteja atrelada à produção dos primeiros fermentados alcoólicos (12). Atualmente o vinagre é um alimento utilizado como tempero e/ou agente conservante nas diferentes culturas (13).
Segundo o Decreto nº 6.871 de 2009 do MAPA, “fermentado acético é o produto com acidez volátil mínima de quatro gramas por cem mililitros, expressa em ácido acético, obtido da fermentação acética do fermentado alcoólico de mosto de frutas, cereais, vegetais, mel, mistura de vegetais ou mistura hidroalcoólica” (14). Além disso, é proibido a produção de fermentados acéticos provenientes de fermentados de frutas obtidos por chaptalização do mosto (adição de açúcar). Em relação à nomenclatura, o fermentado acético pode ser denominado de “vinagre”, no entanto, é necessário a especificação da origem da matéria-prima (14).
A produção do vinagre envolve dois processos fermentativos (Figura 1): a fermentação alcoólica e a fermentação acética.
Na fermentação alcoólica ocorre a conversão anaeróbica de açúcares fermentescíveis em etanol por meio de leveduras, geralmente do gênero Saccharomyces. Após a elaboração do fermentado alcoólico, o mesmo é submetido a acetificação por meio de bactérias acéticas (Acetobacter e/ou Gluconobacter), onde ocorre a conversão do etanol em ácido acético (15).
MÉTODOS DE PRODUÇÃO
Vinagre de frutas podem ser elaborados através da fermentação em meio líquido, com isso há dois métodos de elaboração mais usuais: o processo tradicional e o processo submerso (Figura 2).
O processo tradicional, também conhecido como processo Orléans ou Francês, é um dos processos mais antigos, o qual é iniciado quando é adicionado vinagre não pasteurizado (vinagre forte) em um fermentado alcoólico, sendo que este vinagre forte irá atuar como cultura starter (15). A temperatura de fermentação varia entre 20 e 25 °C, permitindo assim um bom crescimento microbiano sem ocorrer a evaporação do etanol (16). A fermentação ocorre na superfície do líquido, onde há oxigênio dissolvido suficiente, o que garante a conversão do etanol em ácido acético (3).
O processo submerso (Frings) consiste na acetificação do fermentado alcoólico em reatores automatizados. As bactérias acéticas ficam submersas no meio líquido, e não ocorre a formação da mãe do vinagre. Além disso, é fornecido oxigênio para acelerar a produção industrial. Periodicamente são retirados 25 % do volume de vinagre e repostos com a mesma quantidade de fermentado alcoólico (15,17). De acordo com Xia et al. (3), o método tradicional produz um vinagre de qualidade superior, enquanto o método rápido é comumente empregado na produção de vinagres de vinho, e o método submerso na produção em larga escala.
MATÉRIAS-PRIMAS
Além dos métodos de elaboração, a produção do vinagre é influenciada pelo tipo de matéria-prima empregada (18). Dentre as principais matérias-primas destacam-se os cereais e as frutas. Segundo Zhang et al. (19), a elaboração de vinagre de frutas pode ser realizada com todas as partes do fruto, apresentando um curto tempo de fermentação, alta eficiência e um alto valor nutricional.
A origem da matéria-prima está diretamente ligada a qualidade do vinagre (20). De acordo com Adams (21), mais de um país ou região podem compartilhar de uma matéria-prima e/ou alimento em comum. Como no caso do vinagre de vinho tinto e do vinagre maçã, que apresentam um amplo consumo em todo o mundo (17) (Figura 3).
O vinagre de vinho destaca-se como um dos vinagres de maior importância econômica, e apesar de ser um alimento consumido em todo o mundo, ele é o vinagre mais produzido e consumido nos países mediterrâneos e na Europa (18). A comunidade Europeia adota alguns atributos específicos de qualidade dos alimentos, conferindo a esses produtos um alto valor agregado, como é o caso, de alimentos com Indicação Geográfica Protegida (IGP) e a Denominação de Origem Protegida (DOP) (22).
O vinagre balsâmico (Figura 3) é um vinagre italiano produzido exclusivamente na província italiana de Modena e Reggio Emilia, com status de IGP (23). A produção deste vinagre consiste na adição de mosto de uva cozido ao vinagre de vinho, que depois passa por um processo de envelhecimento que varia entre dois meses e três anos em barricas de madeira simples (24). Na Espanha (Figura 3) também está presente a produção de vinagres de vinhos, em especial, o Vinagre de Jerez, Vinagre do Condado de Huelva e o Vinagre de Montilla-Moriles protegidos pela DOP devido às suas características únicas e de produção (22).
O vinagre de maçã está popularizado mundialmente (3) e projeta-se que o mercado de vinagre de maçã deve atingir 1,1 bilhões de dólares em 2027, representando uma taxa de crescimento anual de 4,7 % entre 2020 e 2027 (25).
O mercado de alimentos fermentados deve atingir 39 bilhões de dólares em 2025, representando uma taxa de crescimento anual de 8,5 %. Dentre este mercado, o vinagre é o alimento de maior destaque. Os principais fatores que vêm impulsionando o crescimento do mercado incluem o aumento da prevalência de problemas digestivos e obesidade, bem como o aumento da conscientização sobre a saúde entre os consumidores (26).
ATIVIDADES BIOLÓGICAS
O consumo de alimentos fermentados vem demonstrando possuir alto valor nutricional e com potenciais efeitos biológicos, devido à produção de compostos orgânicos e metabólitos secundários por ação dos microrganismos. O vinagre apresenta múltiplas atividades biológicas, uma vez que, o ácido acético tem sido relatado como um composto com potencial para prevenção da síndrome metabólica (27). A síndrome metabólica, nada mais é que o conjunto de fatores de risco que aumentam as chances do desenvolvimento da obesidade, hipertensão, resistência à insulina, hiperglicemia e hipercolesterolemia (28).
O consumo de vinagre pode resultar na inibição da α-amilase, uma importante enzima que inicia a digestão de carboidratos. Esta enzima atua preferencialmente em meio alcalino. Desta forma, quando ocorre a ingestão do vinagre, a mesma pode ter sua ação prejudicada e consequentemente apresentar uma menor biodisponibilidade de glicose na corrente sanguínea, demonstrando assim, seu potencial antidiabético (Figura 4) (29). Esse fato foi demonstrado em um estudo in vitro onde se observou a inibição de 37,78% da α-amilase por meio da atividade presente em vinagres de cebola roxa tratados com ultrassom (30).
As propriedades anti-hipertensivas (Figura 4) do vinagre está relacionada com a inibição da Enzima Conversora de Angiotensina (ECA). Uma vez que, esta enzima é responsável pela conversão da angiotensina-I em angiotensina-II. Consequentemente, a redução da pressão arterial está relacionada com a incapacidade do organismo de produzir angiotensina-II na ausência da ECA (31–33). Além disso, a atividade inibidora da ECA também está associada a redução efetiva de doença renal crônica, da arteriosclerose, e de ataque cardíaco e morte associada (34). Yikmiş et al. (30) relataram que o vinagre elaborado com Prunus laurocerasus e enriquecido através da tecnologia de ultrassom apresentaram atividades de inibição da ECA entre 27,02 % e 31,65 %.
O vinagre de frutas apresenta propriedades anti-inflamatórias, uma vez que possui a capacidade de reduzir os níveis de citocinas inflamatórias (35). De acordo com Perumpuli e Dilrukshi (36), estas propriedades devem-se principalmente ao seu teor de ácido acético, que ao ingerido resulta no aumento do nível sérico de acetato e resulta na absorção do mesmo pelo organismo. Essa absorção ocorre, pois o acetato é imediatamente absorvido pelo estômago e liberado na circulação sanguínea.
Apesar do ácido acético ser considerado um ácido fraco, vinagres que contêm concentrações consideráveis deste ácido (acima de 4%), apresentam forte atividade antimicrobiana. Uma vez que o ácido acético atravessa a membrana bacteriana e promove a diminuição do pH interno, protonação das macromoléculas e desestabilização da membrana celular pela liberação do próton H+ (35). Um estudo realizado por Ozturk et al. (37) observaram que diferentes microrganismos (Escherichia coli, Listeria monocytogenes, Salmonella enterica, Yersinia enterocolitica, Staphylococcus aureus, Bacillus cereus, Pseudomonas aeruginosa e Proteus vulgaris) foram sensíveis aos vinagres industriais Turcos (pH entre 2,63 e 3,90).
Além destas atividades biológicas, os vinagres de frutas apresentam capacidade de neutralizar os efeitos dos radicais livres, conferindo ao vinagre importantes efeitos preventivos e de benefícios à saúde. Isso ocorre porque são encontrados no vinagre compostos, como polifenóis, que apresentam potencial antioxidante devido ao seu poder de eliminar radicais livres, quelar íons de metais de transição e reduzir oxidantes (35,38). Diante disto, novos tipos de vinagre de frutas vêm sendo desenvolvidos, visando diversificar um produto consolidado no mercado, mas também demonstrar como diferentes matérias-primas influenciam as características químicas, sensoriais e bioativas deste alimento.
DESENVOLVIMENTO DE NOVOS TIPOS DE VINAGRES
Apesar do vinagre ser um alimento difundido e consumido em diversas regiões do mundo, é notório o interesse crescente da indústria de alimentos pelo desenvolvimento de novos tipos de vinagres. Atualmente, o número de estudos científicos apresenta-se promissor, uma vez que, é evidenciado a busca da produção de vinagres diferenciados a partir de matérias-primas pouco exploradas (Tabela 1), e que apresentem características funcionais e sensoriais atrativas (39).
Tabela 1 – Matérias-primas empregadas no desenvolvimento de novos tipos de vinagres
Título do estudo | Matéria-prima empregada | Referências |
Volatile aroma compounds and bioactive compounds of hawthorn vinegar produced from hawthorn fruit (Crataegus tanacetifolia (lam.) pers.) | Crataegus tanacetifolia (Lam.) Pers. | (39) |
Comparison of the Chemical Properties of Pineapple Vinegar and Mixed Pineapple and Dragon Fruit Vinegar | Ananas comosus L. e Hylocereus polyrhizus | (40) |
Effect of alcoholic and acetous fermentations on the phenolic acids of Kei-apple (Dovyalis caffra L.) fruit | Dovyalis caffra L. | (41) |
Vinegar from Anacardium othonianum Rizzini using submerged fermentation | Anacardium othonianum Rizzini | (42) |
Elaboration of mangaba vinegar by semi-solid fermentation combined with enzymatic activity: chemical characterization and sensory evaluation | Hancornia speciosa Gomes | (5) |
Vinegar production from Citrus bergamia by-products and preservation of bioactive compound | Citrus bergamia | (43) |
Na etapa inicial de desenvolvimento de um novo tipo de vinagre é necessário compreender as necessidades e as percepções dos consumidores, bem como identificar os fatores que influenciam a compra e o consumo de determinados alimentos (44). Além disso, é de extrema importância avaliar as características da matéria-prima, principalmente aos parâmetros relacionados a fermentação alcoólica e acética (45). Neste sentido, a produção de vinagres diferenciados a partir de matérias-primas brasileiras, como, por exemplo, frutas nativas e/ou exóticas, torna-se uma alternativa atrativa para ampliação deste mercado.
De acordo com Morais et al. (46), as frutas nativas brasileiras apresentam notável potencial de aplicação na indústria de alimentos, entretanto a maioria destas espécies ainda são subutilizadas e pouco exploradas. Além disso, Schulz et al. (47) relatam que a aplicação destas espécies pode resultar em alimentos com características diferenciadas, e ainda ser de interesse da indústria de cosméticos e farmacêutica, contribuindo assim para o fortalecimento da economia local e incentivando o manejo consciente e a preservação das espécies.
CONCLUSÕES
Apesar do vinagre ser um alimento de consumo mundial e com métodos de elaboração bem estabelecidos, é evidente a demanda por novos tipos de vinagres, a partir da diversificação da oferta deste produto no mercado. Esse crescente interesse está atrelado a necessidade dos consumidores por alimentos diferenciados, e principalmente por aqueles que apresentem características com potenciais efeitos benéficos a saúde. Diante disto, observa-se um cenário promissor para o desenvolvimento de novos vinagres a partir de matérias-primas brasileiras, como, por exemplo, as frutas nativas e/ou exóticas. Desta forma, novos estudos devem ser realizados para avaliar o potencial destas frutas no desenvolvimento de fermentados alcoólicos e acéticos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem ao CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – n° 140616/2021-7), a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Código 001) e a FAPESC (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina – Código 2021TR000353) pelo apoio à pesquisa.
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