USO DE TECNOLOGIAS EMERGENTES PARA ATENUAÇÃO DE PROBIÓTICOS: REVISÃO DE LITERATURA
Capítulo de livro publicado no livro do I Congresso Latino-Americano de Segurança de Alimentos. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/08082023-10
Este trabalho foi escrito por:
Cássia Pereira Barros 1 *; Roberto Pessanha da Silva Pires2,3 ; Jonas de Toledo Guimarães1 ; Mônica Queiroz de Freitas 1 ; Adriano Gomes da Cruz 2
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Afiliações:
1Departamento de Tecnologia de Alimentos, Faculdade de Medicina Veterinária, Universidade Federal Fluminense (UFF), Niterói, RJ.
2Departamento de Alimentos, Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Rio de Janeiro, RJ.
3Departmento de Ciência de Alimentos e Nutrição, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Campinas, SP.
Resumo: O interesse por produtos alimentares suplementados com microrganismos probióticos tem crescido substancialmente impulsionado pelos seus potenciais efeitos positivos na saúde humana. No entanto, o metabolismo ativo desses microrganismos resulta na liberação de metabólitos que podem alterar as características físico-químicas e sensoriais da matriz alimentar e, assim, afetar negativamente a aceitação geral do produto. Nesse sentido, o conceito de atenuação tem sido proposto como uma abordagem tecnológica capaz de controlar o desempenho tecnológico microbiano através de tratamentos que irão estimular ou retardar a atividade metabólica, porém sem reduzir a viabilidade celular e propriedades funcionais. Até o momento, inúmeras metodologias foram utilizadas com a finalidade de atenuar culturas iniciadoras ou probióticas. Embora o aquecimento térmico convencional tenha sido a mais usual, tecnologias emergentes em condições subletais, obtiveram ótimos resultados em relação a modulação do metabolismo de células bacterianas ao proporcionar melhorias consideráveis na qualidade do produto final, bem como estender a validade comercial do produto. Diante do exposto, objetivou-se neste capítulo fornecer uma visão geral sobre as diferentes tecnologias emergentes que podem ser aplicadas para atenuação de probióticos com o intuito de estimular o interesse e incentivar o desenvolvimento de produtos funcionais diferenciados.
Palavras–chave: alimentos funcionais, atividade metabólica, desempenho tecnológico, propriedades funcionais, propriedades sensoriais
Abstract: Interest in food supplemented with probiotic microorganisms has grown substantially, driven by their potential positive effects on human health. However, the active metabolism of these microorganisms results in the release of metabolites that can alter the physicochemical and sensorial characteristics of the food matrix and, thus, negatively affect the general acceptance of the product. In this sense, attenuation has been proposed as a technological approach capable of controlling microbial technical performance through treatments that stimulate or delay metabolic activity without reducing cell viability and functional properties. So far, numerous methodologies have been used to attenuate starter or probiotic cultures. Although conventional thermal heating has been the most common, emerging technologies in sublethal conditions have obtained excellent results in the modulation of bacterial cell metabolism by providing considerable improvements in quality and extending the product’s commercial shelf life. Given the above, the objective of this chapter is to provide an overview of the different emerging technologies that can be applied to attenuate probiotics to stimulate interest and encourage the development of differentiated products.
Keywords: functional foods; metabolic activity; technological performance; functional properties; sensory properties
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, houve uma grande mudança nos padrões alimentares em todo o mundo devido à maior conscientização dos consumidores sobre a importância de seguir uma dieta saudável para manutenção do bem-estar e prevenção de determinadas doenças associadas ao estilo de vida da população (1). Para atender tal demanda do consumidor moderno e buscar oportunidade de se destacar num mercado altamente competitivo, cientistas e empresas de alimentos têm se empenhado no desenvolvimento de produtos inovadores que sejam seguros, saborosos e que, além da nutrição básica, forneçam benefícios à saúde do consumidor.
Probióticos foram definidos mais recentemente como microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem benefícios à saúde do hospedeiro (2). Sabe-se que o consumo de alimentos contendo probióticos tem crescido significativamente impulsionado pelos seus potenciais efeitos positivos na saúde humana. Entretanto, a incorporação desses microrganismos à matriz alimentar representa um grande desafio devido metabolismo ativo do probiótico que resulta na liberação de metabólitos que podem alterar as características físico-químicas, sensoriais e, consequentemente, a aceitação geral do produto pelo consumidor (3).
O conceito de atenuação tem sido proposto como uma abordagem tecnológica capaz de controlar o desempenho de células microbianas (4). Foi usado pela primeira vez em culturas iniciadoras com o escopo de acelerar a etapa de maturação na produção de um queijo semiduro sueco (5). Atualmente, diversos estudos também tem aplicado a atenuação para modular o metabolismo de culturas probióticas através de tratamentos que retardam ou evitam efeitos indesejados no sabor e reologia do alimento inerentes a fermentação, como a acidificação e a pós-acidificação, respectivamente (6, 7, 8), sem reduzir a viabilidade e a funcionalidade probiótica.
Até o momento, inúmeras técnicas foram utilizadas para atenuar cepas bacterianas iniciadoras ou probióticas envolvendo metodologias química, física, mecânica e até mesmo microbiológica (4, 9), como o uso da engenharia genética para seleção de cepas mutantes lactose-negativas, conforme ilustrado na Figura 1. Embora o aquecimento térmico convencional tenha sido a forma de atenuação mais usual, abordagens emergentes como homogeneização de alta pressão e ultrassom, por exemplo, obtiveram ótimos resultados na modulação do metabolismo e desempenho tecnológico microbiano em alimentos (4).
Diante do exposto, objetivou-se neste capítulo revisar de uma forma geral as diferentes tecnologias emergentes que podem ser usadas para atenuação do metabolismo probiótico, ressaltando os seus princípios, vantagens e desvantagens quando comparadas ao tratamento térmico convencional.
PROBIÓTICOS: COMO CONTROLAR O METABOLISMO E MELHORAR O DESEPENHO TECNOLÓGICO?
Os microrganismos probióticos são, em sua maioria, fermentadores (bifidobactérias e lactobacilos) e, portanto, geram ácidos orgânicos como produto do seu metabolismo, o que é desejável para inibir o crescimento de patógenos. Porém, quando adicionados em matrizes alimentares, a metabolização dos açúcares pelo probiótico pode causar uma acidificação exacerbada ou pós-acidificação devido a produção contínua de ácido lático que provoca a queda descontrolada do pH durante o período de armazenamento e, consequentemente, resulta em mudanças desfavoráveis nos escores sensoriais do produto (3, 6, 10).
O desempenho dos microrganismos probióticos no alimento pode ser substancialmente melhorado e/ou modulado por meio de estratégias de atenuação que irão estimular ou retardar a atividade metabólica, porém mantendo a viabilidade e propriedades funcionais (11). A atenuação também tem a capacidade de aumentar o pool total de enzimas intracelulares que são liberadas no alimento, o que afeta de forma positiva o sabor e qualidade do produto final (7). Dessa forma, culturas iniciadoras foram, inicialmente, atenuadas para liberar enzimas responsáveis por melhorar de modo considerável a qualidade do queijo ao acelerar a proteólise e, assim, reduzir o tempo do processo de maturação e /ou aumentar os atributos sensoriais em relação à textura, aroma e a intensidade do sabor (5, 12, 13). Além disso, nos últimos anos, culturas iniciadoras ou probióticas atenuadas também têm sido usadas para retardar a fermentação e, consequentemente, a acidificação e neutralizar a pós-acidificação em bebidas lácteas ou vegetais (3, 6, 8, 11, 14).
TÉCNICAS DE ATENUAÇÃO ENVOLVENDO METODOLOGIAS EMERGENTES
O uso da refrigeração (2–10 ºC) para o armazenamento e transporte de produtos lácteos fermentados tem sido a principal forma de prevenir o processo de pós-acidificação e todos os impactos negativos relacionados (15). Por outro lado, como os custos para manutenção da cadeia de frio são relativamente elevados, principalmente, para locais mais longínquos e de difícil acesso, técnicas alternativas para controle do metabolismo microbiano foram aplicadas (Fig. 1).
Conforme mencionado anteriormente, o calor se destaca como o processo físico mais empregado entre as diferentes estratégias de atenuação. Baseia-se no tratamento térmico da suspensão bacteriana em níveis subletais, uma vez que, o objetivo é postergar a acidificação sem causar a desnaturação enzimática. Nesse sentido, o ponto crítico desta técnica é conseguir determinar com precisão, em uma faixa estreita, o binômio tempo / temperatura ideal para evitar um aquecimento excessivo (4). Em produtos lácteos fermentados é realizado um tratamento térmico suave, conhecido como termização, que geralmente ocorre a 62 e 65 ºC por 15–20 segundos após a fermentação para reduzir a pós-acidificação, evitar alterações sensoriais e nutricionais e prolongar a vida útil do produto. Entretanto, é importante ressaltar que as condições operacionais (tempo X temperatura) podem variar de acordo com os requisitos de qualidade do produto (15). Comparou-se o teor de acidez de dois iogurtes, um foi submetido a termização a 75–80 ºC por 60 segundos e o outro não. O iogurte termizado obteve menor acidez (2.01%) em detrimento daquele que não recebeu tratamento (2.53%) após 35 dias em temperatura ambiente (16). Em queijos, a temperatura de 59 °C por 15 segundos para atenuar culturas iniciadoras mesófilas e 69 °C por 15 segundos para culturas termofílicas reduziu a produção de ácido lático entre 5 e 10 horas (5).
Mais recentemente, fatores como a alta mecanização dos processos, busca por eficiência energética que é desejável para escala industrial e a pressão dos consumidores por tecnologias mais sustentáveis com nenhum ou mínimo impacto nos principais aspectos nutricionais e de qualidade dos alimentos impulsionaram a potencial aplicação de tecnologias emergentes com ênfase na atenuação de culturas iniciadoras e probióticas. Portanto, nesta seção serão abordadas as principais vantagens e desvantagens de cada metodologia emergente sobre o desempenho e propriedades funcionais de células bacterianas probióticas.
Ultrassom
O ultrassom é uma tecnologia emergente, não térmica, que utiliza ondas sonoras mecânicas com frequência além da audição humana. Em geral, pode ser empregado para diferentes propósitos de acordo com a frequência escolhida, como: diagnóstico médico (5 a 10 mHz), sonoquímica (20 kHz a 2 MHz) e processamento de alimentos (20 a 100 kHz). Além disso, o ultrassom é classificado com base nos parâmetros do processo em relação à frequência e intensidade do tratamento, sendo considerado de alta intensidade e baixa frequência quando compreende intensidades em torno de 10 a 1000 W/cm2 e frequências de 20 a 100 kHz. Enquanto, o tratamento de baixa intensidade e alta frequência caracteriza-se por intensidades inferiores a 1 W/cm2 e frequência superiores a 100 kHz (17, 18).
O princípio do ultrassom consiste na cavitação e no streaming acústicos. Quando as ondas ultrassônicas passam por um meio líquido, criam áreas de compressão e expansão alternadas formando bolhas entre esses ciclos. A aplicação constante de ondas sonoras faz com que as bolhas cresçam até atingir o limite de estabilidade e entrar em colapso causando a cavitação acústica (17, 19, 20). A temperatura e a pressão, dentro das bolhas em implosão, são aumentadas em até 5.000 °C e 1.000 atm, respectivamente (17). Como consequência, são criadas ondas de choque, jatos de água e radicais livres que contribuem fortemente para inativação microbiana. Enquanto o streaming acústico ocorre antes da formação e colapso das microbolhas devido a alterações bruscas de pressão pelas ondas sonoras que provocam turbulência e deslocamento de volume responsáveis por carrear partículas, gases ou compostos químicos. No primeiro momento, o efeito da transmissão acústica atua a nível de parede celular, porém sem causar danos à membrana celular dos microrganismos. Entretanto, tratamentos mais longos e com maior intensidade podem provocar a implosão de bolhas com rompimento da membrana e posterior extravasamento de material intracelular (cavitação intracelular). Além disso, a implosão de bolhas também desencadeia um microfluxo capaz de provocar forças de cisalhamento que concomitantemente com o streaming contribui para transferência de massa e deslocamento de partículas (20, 21). Os principais efeitos associados ao ultrassom nas células microbianas é a quebra da parede celular pela ação dos microjatos, mudanças na permeabilidade celular, assim como inativação térmica por pontos quentes e formação de espécies reativas e radicais livres que podem afinar ou romper a membrana e causar danos ao DNA (22). Portanto, o processamento por ultrassom pode afetar os microrganismos de formas distintas de acordo com a cavitação e / ou streaming acústicos que são diretamente influenciadas pela intensidade / potência / energia e frequência empregada no tratamento (Fig. 2).
Em relação às aplicações alimentares, o ultrassom se destaca como uma tecnologia alternativa barata, ecologicamente correta e versátil por ser capaz de exercer múltiplas funções, que incluem desde a extração, preservação e o processamento de alimentos mediante as condições operacionais selecionadas (9), conforme descrito detalhadamente a seguir:
- Tratamentos com ultrassom de alta intensidade e baixa frequência – caracterizam-se por modificar permanente o meio pelo qual as ondas se propagam, assim o material alimentar atinge um novo estado de equilíbrio (23). São aplicados, principalmente, para obter efeito antimicrobiano, pois os níveis de potência empregados são suficientemente elevados para gerar cavitação acústica com posterior ruptura das células microbianas (18). Além disso, também atuam na inativação enzimática, extração de óleos essenciais e compostos bioativos de células vegetais, remoção de biofilmes de superfícies / equipamentos, alteração da viscosidade, melhora na homogeneização e emulsificação do leite e produtos lácteos (17, 23).
- Tratamentos de baixa intensidade e alta frequência – a energia é transmitida através do meio sem promover alterações no estado de equilíbrio, ou seja, as ondas sônicas produzem zero ou nenhuma mudança nos materiais por onde passam (17, 23). Em geral, por não causar cavitação, são usados para finalidades não destrutivas, como a caracterização da composição, estrutura ou estado físico dos materiais alimentares. Mais recentemente, o ultrassom também se tornou uma ferramenta eficaz para aumentar o rendimento de processos biotecnológicos sem afetar a viabilidade celular e, assim melhorar a qualidade do produto final devido a modulação do desempenho dos microrganismos (9, 18, 23). Entre as ações positivas induzidas pelo ultrassom, destacam-se: maior atividade enzimática, melhor eficiência da fermentação com consequente redução no tempo de processo, melhoria de propriedades tecnológicas, redução na acidificação e pós-acidificação em bebidas probióticas, melhoria de transferência de massa, entre outras (6, 7, 9, 18, 24, 25, 26).
Na tabela 1, constam alguns exemplos de pesquisas científicas realizadas nos últimos 7 anos que investigaram os principais efeitos causados pelo uso do ultrassom de baixa intensidade e alta frequência com o escopo de atenuar o metabolismo de microrganismos probióticos. De um modo geral, foi possível observar que os tratamentos com ultrassom resultaram em melhorias em relação a: (a) sobrevivência probiótica em ambiente com sais biliares; (b) propriedades de superfície das cepas probióticas (agregação automática, hidrofobicidade e formação de biofilme); (c) neutralização da acidificação e inibição da pós-acidificação, principalmente quando associado a temperaturas de refrigeração e, inclusive sob abuso térmico; (e) escores sensoriais do produto; (f) extensão do prazo de validade comercial do produto. Além disso, na maioria dos estudos, no que diz respeito à cultivabilidade, a contagem de viáveis realizada após os tratamentos confirmou que a viabilidade celular probiótica não foi significativamente afetada pela atenuação ultrassônica. Portanto, o ultrassom demonstrou ser uma ferramenta promissora para controlar o metabolismo probiótico, melhorando o desempenho tecnológico e, consequentemente, a qualidade de produtos alimentícios funcionais.
Alta pressão hidrostática e Homogeneização de Alta Pressão
A alta pressão hidrostática (APH) é uma tecnologia de conservação de alimentos emergente, não térmica, que utiliza pressão entre 100 e 1000 Mpa, em baixa temperatura, e por um curto período de tempo para inativar microrganismos patogênicos e deteriorantes (27). O tratamento causa a destruição microbiana por promover a separação entre a parede celular e a membrana citoplasmática, desnaturar proteínas e ácidos nucleicos, inativar enzimas e causar danos à membrana celular. Além disso, por utilizar temperaturas amenas durante o processamento e manter as ligações covalentes, as alterações nas características sensoriais e nutricionais da matriz alimentícia são mínimas (28, 29). Portanto, a APH tem atraído grande interesse dos fabricantes de alimentos devido a sua capacidade de estender a vida útil e melhorar a qualidade do produto final.
Embora a maioria dos estudos envolvam o uso da APH para inativação de microrganismos, alguns autores também aplicaram a tecnologia para modular o metabolismo fermentativo de bactérias probióticas. Nesse caso, as cepas tratadas pela APH, em condições subletais, podem desenvolver mecanismos específicos de resposta ao estresse, como a supressão ou redução de algumas vias metabólicas ou utilização de novas vias. Nesse sentido, é possível conduzir processos fermentativos sob pressão e também desenvolver produtos com propriedades aprimoradas (30).
O efeito preventivo da pós-acidificação em iogurtes pressurizados, por exemplo, pode estar relacionado à inativação de enzimas, principalmente a lactose desidrogenase e β- d -galactosidase, que são responsáveis pelo metabolismo e transporte da lactose. Além disso, a APH também pode inibir a atividade da ATPase e, assim, conseguir evitar o gradiente de prótons e o comprometimento do efluxo de ácido das células bacterianas para o iogurte (31). Porém, quando se trata de iogurtes probióticos, controlar a pós-acidificação é mais difícil devido à alta sensibilidade de bactérias probióticas, como Bifidobacterium, ao estresse ácido e a APH. Jankowska et al. (32), submeteram o iogurte suplementado com as bactérias probióticas Lactobacillus acidophilus e Bifidobacterium a APH (550 MPa/15 min/18 °C). Os autores reportaram que apesar do iogurte tratado ter apresentado menor acidificação pós-fermentação, as culturas probióticas e iniciadoras foram reduzidas progressivamente durante o período de armazenamento. Em contraste, uma empresa multinacional de laticínios da Nova Zelândia conseguiu mitigar a pós-acidificação sem afetar a viabilidade celular probiótica ao elaborar um iogurte com cepas probióticas selecionadas, ou seja, tolerantes a alta pressão. Posteriormente, combinações distintas de pressão e tempo foram aplicadas até conseguir prolongar a vida útil do iogurte em até 90 dias (33).
A homogeneização de alta pressão (HAP) é uma metodologia que pode ser aplicada para preparação ou estabilização de emulsões e suspensões, criação de mudanças físicas e inativação de microrganismos patogênicos e deteriorantes através da ruptura celular. Trata-se de um processo dinâmico que utiliza fluidos para tempos de processamento curtos e níveis de pressão inferiores àqueles empregados na APH (4, 10, 17). A HAP consiste na capacidade de produzir partículas com tamanho uniforme ao forçar uma suspensão sob pressão através de uma válvula de interrupção, o que provoca a criação de altas forças de cisalhamento que levam à ruptura da parede celular e, consequentemente, à inativação das células microbianas (17, 29).
Além dos efeitos antimicrobianos, a HAP também é capaz de controlar de forma positiva a atividade metabólica e as propriedades funcionais probióticas (10). Lanciotti et al. (34), investigaram o impacto da HAP, em níveis subletais, nas atividades proteolíticas e metabólicas de diversas cepas bacterianas utilizadas como culturas iniciadoras na elaboração de produtos lácteos. Observou-se que o tratamento com HPH não somente atuou no controle da cinética de fermentação das bactérias tratadas, como também alterou seus perfis metabólicos e aumentou a liberação de enzimas proteolíticas intracelulares de determinadas cepas, gerando produtos com perfil sensorial diferenciado sem prejudicar a viabilidade celular. Outros estudos também confirmaram o efeito positivo da HAP na modulação de algumas propriedades tecnológicas e funcionais de células bacterianas probióticas, como: maior hidrofobicidade da superfície celular; maior autoagregação automática e adesão; maior resistência a condições ácidas e biliares durante o trânsito para o duodeno; maior imunomodulação ao mudar a interação de lactobacilos com o intestino delgado e induzir uma maior resposta de IgA; alteração no perfil de compostos voláteis com impacto positivo nas características sensoriais; neutralização da acidificação e inibição da pós-acidificação durante o armazenamento do produto sem comprometer a viabilidade probiótica e indução de regulação positiva dos genes de resposta ao estresse (6, 10, 35, 36, 37, 38).
Campo elétrico pulsado
O campo elétrico pulsado (CEP) é outra tecnologia não térmica que consiste na aplicação de pulsos de alto campo elétrico, que variam de 15 a 50 kV/cm por microssegundos, a um produto colocado entre dois eletrodos (29, 39). O fato do tratamento com CEP ocorrer em temperatura ambiente ou ligeiramente superior e os pulsos elétricos curtos em alta tensão causarem mínimas alterações térmicas durante o processo, o que evita efeitos indesejáveis nas propriedades físicas e sensoriais dos alimentos. Pode ser empregado na indústria de alimentos para inativação microbiana, recuperação de compostos bioativos de matrizes vegetais e como um tratamento preliminar para melhorar os processos de congelamento e secagem (29). O CEP induz a quebra das membranas celulares dos microrganismos e a formação de poros no seu interior, fenômeno conhecido como eletroporação, que pode ser reversível ou irreversível de acordo com os parâmetros do processo (intensidade do campo elétrico, duração do pulso, número de pulsos) e propriedades dos alimentos. A eletroporação culmina na perda de permeabilidade mecânica e, consequente, morte celular (15).
A aplicação do CEP pode ser controlada para induzir a formação de poros reversíveis, bem como a preservar a viabilidade celular com a finalidade de estimular o aumento da taxa crescimento bacteriano e melhorar a eficiência da fermentação. Em um estudo conduzido com L. acidophilus LA-K e L. delbrueckii ssp. bulgaricus LB-12 tratados com CEP com intensidade de campo elétrico leve, as culturas tratadas alcançaram a fase logarítmica de crescimento uma hora antes daquelas que não receberam tratamento. Além disso, as cepas tratadas demonstraram melhor resistência ao ambiente ácido, crescimento exponencial e atividade de protease comparadas ao controle (39). Em relação à acidificação, amostras submetidas ao CEP leve tiveram redução no pH após 70 dias de armazenamento a 22 °C, enquanto amostras não tratadas apresentaram após 14 dias (40), o que indica o potencial uso da tecnologia para controlar a pós-acidificação.
Aquecimento ôhmico
O Aquecimento ôhmico (AO) é uma tecnologia térmica que vem sendo aplicada como uma alternativa aos métodos de tratamento térmico convencionais que se baseiam na transferência de calor por mecanismos de condução e convecção através de superfícies quentes, o que requer tempos de processamento longos com superaquecimento e picos de temperatura indesejados que resultam na deterioração térmica adicional na qualidade do produto (41). Em contraste, o AO não depende de gradientes de temperatura, pois utiliza a resistência elétrica do próprio material que se deseja aquecer para gerar energia dissipada sob a forma de calor. Logo, o alimento é aquecido internamente permitindo o desenvolvimento de processos mais rápidos, o que torna o tratamento menos agressivo, com maior rendimento e retenção dos benefícios nutricionais e atributos sensoriais (42).
O processamento ôhmico de alimentos tem sido amplamente utilizado para diversas finalidades, como: pasteurização, secagem, concentração, extração e preservação de nutrientes (42). O principal mecanismo de ação envolvido na inativação microbiana é o efeito térmico que causa a destruição da estrutura da membrana celular, danos ao DNA e desnaturação de proteínas, resultando na inativação de enzimas essenciais ao metabolismo bacteriano (43). Porém, também foi relatado à existência de um efeito adicional não térmico, que ocorre quando o campo elétrico aplicado excede a rigidez dielétrica da membrana celular, levando à formação de poros (eletroporação), aumento na permeabilidade da membrana celular e, consequentemente, morte celular devido a difusão do material interno por eletro-osmose (44).
Os efeitos do AO na inativação de microrganismos foram extensivamente revisados (41-44). No entanto, estudos que abordem o impacto da tecnologia ôhmica no metabolismo celular e parâmetros de crescimento das culturas probióticas para o desenvolvimento de produtos alimentícios funcionais ainda são escassos. Apesar disso, verificou-se que as variáveis operacionais do AO podem ser ajustadas para aumentar a taxa de crescimento e a atividade da bacteriocina, o que pode levar a melhorias consideráveis em processos biotecnológicos, como a fermentação e a hidrólise enzimática (45). Cho et al. (46) investigaram o efeito do AO em diferentes condições de processo (campo elétrico e frequência) na resposta metabólica de Lactobacillus acidophilus OSU 133, sobre os parâmetros cinéticos de crescimento, atividade metabólica (atividade da bacteriocina) e pH durante a fermentação em comparação ao aquecimento convencional. De acordo com os autores, o AO provocou uma redução no tempo da fase lag nos estágios inicias de crescimento, aumento no pH final e redução na atividade da bacteriocina devido ao estresse causado pelo campo elétrico. Portanto, o AO demonstrou ser uma tecnologia alternativa potencialmente útil para uso no desenvolvimento de alimentos fermentados funcionais.
A atenuação representa uma importante estratégia para controlar a atividade metabólica e melhorar o desempenho tecnológico de culturas iniciadoras e probióticas através de diferentes metodologias que retardam ou evitam efeitos indesejados no sabor e reologia do alimento decorrentes do metabolismo ativo microbiano sem comprometer a viabilidade celular. Apesar, do aquecimento térmico convencional ser o método mais empregado, as tecnologias emergentes demonstraram ser extremamente eficazes na atenuação de microrganismos probióticos para processos biotecnológicos, proporcionando o desenvolvimento de produtos funcionais de alta qualidade.
Entre as melhorias fornecidas pelas tecnologias emergentes nas propriedades funcionais e tecnológicas das células probióticas atenuadas, destacam-se: maior sobrevivência em ambiente ácidos e com sais biliares; melhora nas propriedades de superfície (maior agregação automática, adesão, hidrofobicidade e formação de biofilme), neutralização da acidificação e inibição da pós-acidificação, melhora nos atributos sensoriais (aroma e sabor pronunciados) e extensão da vida útil do produto. Além das vantagens adicionais das metodologias emergentes sobre as convencionais, como sustentabilidade, processos com temperaturas mais baixas e menor duração, maior rendimento, maior eficiência energética, maior retenção dos benefícios nutricionais e propriedades sensoriais.
Entretanto, são necessárias mais pesquisas que investiguem o impacto das tecnologias emergentes no controle do metabolismo e viabilidade celular de diferentes cepas probióticas, a fim de determinar os parâmetros operacionais mais adequados para otimizar o desenvolvimento de produtos alimentícios funcionais.
AGRADECIMENTOS
Os autores gostariam de agradecer à FAPERJ – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro pela bolsa de pós-doutorado concedida à autora Cássia Pereira Barros (260003/019514/2022).
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