POTENCIAL TECNOLÓGICO DE BACTÉRIAS ÁCIDO LÁTICAS COMO BIOCONSERVANTES: REVISÃO DE LITERATURA
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-48
Este trabalho foi escrito por:
Carolina Schettino Kegele1*; Larissa de Souza Valladares1 ;Joice Fátima Moreira Silva2; Bruna Vieira Alonso3; João Batista Ribeiro4
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: A contaminação de alimentos por microrganismos patogênicos ou deteriorantes, como fungos e bactérias, é um problema importante para a indústria, pois leva a defeitos sensoriais, desperdício alimentar e econômico, além da possibilidade de causar problemas de saúde para o consumidor final. Atualmente uma grande variedade de conservantes químicos vem sendo usada pelas indústrias e pelos pequenos produtores para retardar a deterioração dos alimentos, contudo, tais compostos tendem a não serem bem aceitos pelos consumidores, os quais estão à procura de produtos mais naturais. Deste modo, este trabalho visa investigar a possibilidade das bactérias ácido lática (BAL) serem usadas como bioconservantes. Foram analisados os mais relevantes estudos publicados relacionados ao tema proposto originalmente na língua inglesa nos últimos 5 anos, tendo como referência a base de dados MedLine (National Library of Medicine). Este estudo demonstrou por meio de diversas fontes científicas que linhagens selecionadas de BAL podem apresentar propriedades biotecnológicas que as qualificam para serem usadas como bioconservantes.
Palavras-chave: Biopreservação; Microrganismos deteriorantes; Alimentos
Abstract: Food gene food or spoilage bacteria such as food pathogens are a health problem for the consumer, major spoilage, food spoilage and health hazard for the ultimate problem. Currently, a variety of products that are known by their names are not accepted for such products and that are known for all foods, which are considered to be more well-known products, and which are known for all foods, which are not accepted. for products such as large and for which they are understood to be looking for products as such as they are known. Thus, this work aims to investigate the possibility of lactic acid bacteria (LAB) being used as biopreservatives. Relevant studies published on the proposed topic in English in recent years were analyzed using a MedLine database (Medical Library) as a reference. This study through several scientific sources that selected LAB lines may exhibit biotechnological properties that are qualified to be used as biopreservatives
Key Word: Biopreservation; Deteriorating microorganisms; Food.
INTRODUÇÃO
As Bactérias Ácido Láticas (BAL) são encontradas em leite e seus derivados, carnes, frutas, vegetais e cereais e constituem um grupo de bactérias Gram positivas, geralmente não móveis, catalase negativa, não formadoras de esporos e que crescem usualmente em condições microaerófilas, que possuem características morfológicas, fisiológicas e metabólicas semelhantes, sendo divididas em homofermetativas quando têm o ácido lático como principal produto da fermentação de glucose e heterofermentativas, que além do ácido lático, também fermentam a glicose e produzem dióxido de carbono, ácido acético e etanol. Os gêneros de BAL mais importantes para a fermentação de lácteos encontrados no leite e seus derivados são: Lactobacillus, Lactococcus, Enterococcus, Streptococcus, Pediococcus, Leuconostoc, Weissela, Carnobacterium, Tetragenococcus e Bifidobacterium (1).
Além da produção de ácido lático, BAL também têm demonstrado características probióticas, que segundo a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) são micro-organismos vivos, que quando administrados em quantidades adequadas, conferem efeito benéfico à saúde do hospedeiro (2). Para que se enquadrem como probiótico e possam ser usadas como agentes biotecnológicos e bioconservantes na indústria de alimentos, as BAL precisam apresentar características como resistência ao suco gástrico e sais biliares, capacidade de colonizar ou aderir à mucosa intestinal, mesmo que temporariamente, apresentar capacidade de produzir ácidos orgânicos, e produzir compostos antimicrobianos, como por exemplo as bacteriocinas que são compostos químicos de origem proteica capazes de apresentar ação bactericida ou bacteriostática em outros microrganismos. Também é necessário olhar pelo lado da segurança para o hospedeiro, ou seja, o consumidor final do produto, por isso é preciso avaliar se há histórico de patogenicidade, associações a doenças, como endocardite, além de ausência de genes determinantes da resistência a antimicrobianos (3,4).
Uma vez que o mercado para produtos mais naturais vem se intensificando, esse trabalho teve o objetivo de investigar o potencial tecnológico de BAL para serem usadas como bioconservantes na indústria de alimentos. O estudo teve como questão norteadora: As BAL podem ser usadas como bioconservantes?
ATIVIDADE ANTIMICROBIANA POR PRODUÇÃO DE BACTERIOCINAS
A presente revisão de literatura compila informações sobre a possibilidade das BAL serem usadas como bioconservantes na indústria de alimentos.
Trang Le et al. (2019) (5) isolou Lactiplantibacillus plantarum SC01, antigo Lactobacillus plantarum, de iogurte tradicional do Vietnã e o encapsulou em microcápsulas de ALG-GEL para induzir a produção de bacteriocinas e avaliou sua eficácia em biopreservar carne suína crua. A atividade antagonista do L. plantarum SC01 foi avaliada pela faixa de inibição de microrganismos patogênicos como Escherichia coli, Salmonella sp., Staphylococcus aureus, Listeria monocytogenes, e Bacillus subtilis inocolados artificialmente na carne. A bacteriocina produzida se mostrou estável em temperatura de até 80°C e na faixa de pH de 2,0 a 10,0 e também foi eficaz contra os patógenos mencionados acima. A carne suína contendo as bacteriocinas começou a mostrar sinais de decomposição após 48 horas em temperatura ambiente, enquanto a carne contendo apenas 40% de sal já mostrava fortes sinais de decomposição com apenas 12 horas em temperatura ambiente. O estudo indica que a cepa é um bom candidato para ser usado como bioconservante em alimentos.
Averiguando a ação bioconservante das BAL, Sheoran et al. (2019) (6) avaliou o crescimento de Staphylococcus aureus na presença de duas bacteriocinas oriundas de duas BAL distintas, Enterococcus hirae e Lactobacillus plantarum, e constatou que tanto em meio de cultura quanto em leite houve diminuição da quantidade de células viáveis, ou seja, houve uma diminuição do crescimento dessa bactéria. Constatando assim a possibilidade dessas bacteriocinas serem usadas como bioconservantes.
Yıldırım et al. (2016) (7) avaliou a eficácia da bacteriocina lactococcin BZ produzida por Lactococcus lactis spp. lactis BZ no controle de patógenos na carne bovina crua. A bacteriocina foi utilizada em diferentes concentrações (200-2500 AU/mL) e a carne foi armazenada sob refrigeração (4-5°C) por 12 dias. As propriedades microbiológicas de amostras de carne com bacteriocina e sem bacteriocina foram avaliadas ao longo desse período, e foi constatado que quanto maior a concentração de bacteriocina, maior foi o seu poder antimicrobiano. Na concentração entre 1600-2500 AU/mL a lactococcin BZ se mostrou muito eficaz na redução das contagens de microrganismos psicrotróficos e mesófilos, e na contagem de coliformes fecais e totais enquanto na carne com nenhum tipo de tratamento os microrganismos citados anteriormente apresentaram crescimento. Além de atividade contra essas bactérias deteriorantes, a bacteriocina apresentou atividade antilisterial por se mostrar eficaz contra Listeria innocua. Os resultados também demostraram que a presença da bacteriocina não alterou os componentes da carne, como sua quantidade de lipídeos, proteínas e proteases, e aumentou sua vida de prateleira, levando a crer que esse seria um método de conservação eficaz.
Ho et al. (2017) (8) conseguiu isolar um total de 897 BAL de ervas, frutas e vegetais frescos obtidos de mercearias, supermercados e propriedades rurais afim de encontrar cepas com atividade antagonista contra Listeria monocytogenes. 14 dessas cepas que se apresentaram como inibidoras potentes desse patógeno foram identificadas por sequenciamento da porção 16S do rRNA como Lactococcus lactis produtores de Nisina, uma bacteriocina amplamente utilizada na biopreservação de alimentos. Essas cepas apresentaram grande estabilidade no leite fermentando-o lentamente e além da produção de 40 compostos voláteis responsáveis por dar sabor aos queijos. Este tipo de fermentação é ideal para a fabricação de queijos cremosos. Então, por apresentar atividade contra a Listeria monocytogenes e por auxiliar na fermentação do queijo, o Lactococcus lactis apresenta potencial como bioconservante e como adjunto na fabricação de queijos.
Kaktcham et al. (2019) (9) foi capaz de isolar duas BAL de tilápias do Nilo frescas, mas apenas uma, a Lactococcus lactis spp. Lactis 3MT produtora da bacteriocina Nisina Z apresentou atividade antagonista a L. plantarum 5S, S. aureus E1C, S. aureus 44a, S. aureus ATCC 25923, E. faecalis ATCC 29212, E. faecalis ATCC 51299, P. aeruginosa ATCC 27853, Vibrio sp. 1T1 e Vibrio sp. 1E1, contudo não apresentou atividade antagonista em Listeria monocytogenes. Para avaliar a habilidade bioconservante de Lactococcus lactis spp. Lactis 3MT no paté de peixe, ela foi inoculada artificialmente junto com o microrganismo deteriorante e patogênico Vibrio sp., que é um microrganismo importante na contaminação desse tipo de alimento, apresentando inibição do crescimento deste microrganismo no alimento por 20 dias quando armazenado a 10ºC. Também foi constatado que a cepa de Lactococcus lactis spp. Lactis 3MT apresenta fatores de virulência, não produz aminas biogênicas e nem carreia genes de resistência a antimicrobianos. Com isso, Lactococcus lactis spp. Lactis 3MT se torna uma opção segura e eficaz para biopreservação de patés de peixe sem alterar suas propriedades sensoriais.
Em um estudo realizado na Itália por Iseppi et al. (2019) (10) foram isoladas 116 cepas de BAL de 143 amostras dos seguintes peixes e frutos do mar: anchova, sardinha, salmonete-da-vasa e mariscos. 116 BAL foram avaliadas quanto a sua capacidade de produzir substâncias antimicrobianas e 16 BAL foram selecionadas como produtoras dessas substâncias. O estudo indica que as BAL Enterococcus mundtii Lp17 e Enterococcus mundtii Lp18, advindas de amostras de salmonete-da-vasa e sardinha, respectivamente, produziram duas bacteriocinas (bacLP17 e bacLP18) com alta atividade inibitória contra L. monocytogenes podendo ser útil na utilização para controle desse patógeno em produtos marinhos. Esse estudo apresenta essas bacteriocinas como uma forma alternativa ao uso de conservantes químicos e a BAL E. mundtii apresentou as propriedades necessárias e a segurança requerida para serem usadas como bioconservantes, pois não apresentaram traços de virulência ou resistência antimicrobianas.
Ainda sobre frutos do mar um estudo realizado também na Itália por Braïek et al. (2017) (11) avaliou a presença das BAL em camarões frescos, sendo capaz de isolar 40 cepas, contudo apenas Enterococcus lactis, denominada de Q1, se mostrou promissora contra a maioria dos patógenos. Essa cepa foi caracterizada por métodos microbiológicos clássicos de identificação, métodos bioquímicos, ensaios de crescimento em diferentes temperaturas, pH e salinidade. Esses ensaios permitiram que a cepa fosse identificada apenas como Enterococcus spp., por isso foram realizados ensaios de PCR seguidos pelo sequenciamento do gene 16S rRNA, rpoA e pheS, e 16S-23S rRNA o que possibilitou sua identificação como Enterococcus lactis. A presença de gene estrutural da Enterotoxina P, uma bacteriocina, presente nessa cepa também foi identificado por PCR específico. Essa bacteriocina se mostrou termoestável, ativa na faixa de pH de 4,0 a 9,0 e apresentou ação bactericida. E. lactis demonstrou atividade antagonista contra os patógenos L. monocytogenes, Pseudomonas aeruginosa, Lactococcus garvieae, Aspergillus niger e Fusarium equiseti, que são microrganismos importantes na deterioração de alimentos. A resistência a antimicrobianos e a presença de genes de virulência também foi determinada por PCR específica. Os resultados demonstraram que a cepa E. lactis Q1 pode ser considerada como potencialmente tecnológica para ser usada como bioconservante ou como cultura probiótica, pois produz a bacteriocina Enterotoxina P e não apresentou fatores de virulência ou genes de resistência a antimicrobianos.
Kumar et al. (2020) (12) avaliou o uso da Reuterina uma bacteriocina produzida por Limosilactobacillus reuteri, antigo Lactobacillus reuteri, em conjunto com outras duas bacteriocinas Nisina e a Pediocina. L. reuteri foi avaliado quanto sua atividade antimicrobiana, presença de genes produtores de Reuterina e sua capacidade de produzir a Reuterina, obtendo resultados positivos para os três ensaios. Os resultados do estudo mostraram que a combinação de Reuterina, Nisina e Pediocina poderia controlar a carga microbiana inicial do leite e prolongar sua vida de prateleira em 6h a 37°C, enquanto mantém os níveis de acidez, pH e os aspectos físico-químicos. O estudo mostrou que bacteriocinas oriundas de BAL tem um excelente potencial biotecnológico para manter o leite estável por mais tempo nas fazendas, com isso vai diminuir o desperdício pelo descarte de leite pelos fazendeiros e consequentemente diminuir o gasto para a indústria, pois vai aumentar a qualidade do produto.
Niederhäusern et al. (2020) (13) isolou e identificou sessenta e nove BAL e bifidobacteria de leite cru, manteiga, nata, iogurte e de queijo cremoso para encontrar novos compostos antimicrobianos. Essas cepas foram testadas quanto sua capacidade de produzir bacteriocinas e apenas Enterococcus faecium E23, Bifidobacterium thermophilum B23 e Lactobacillus bulgaricus L21 foram classificadas como produtoras e com alta atividade antagonista contra L. monocytogenes. A bacteriocina de classe IIa chamada de enterotoxina E23 produzida pelo E. faecium foi a que melhor inibiu L. monocytogenes e a que se apresentou mais estável numa ampla faixa de pH e em baixas temperatura, o que a torna muito interessante na bioconservação de produtos lácteos, uma vez que esses produtos normalmente se encontram armazenados sob refrigeração.
Santos et al. (2020) (14) averiguou se a BAL Streptococcus infantarius subsp. infantarius poderia ter um potencial biotecnológico para uso como bioconservante. Para isso foram testadas suas propriedades probióticas, segurança e seu potencial uso como bioconservante. Foram feitos o total de 13 ensaios, dentre os quais, produção de bacteriocina e atividade antagonista, produção de gelatinase, produção de β-galosidades, desconjugação dos sais biliares, auto-agregação e co-agregação às células semelhantes aos enterócitos, resistência à bile, resistência ao suco gástrico e as condições intestinais, susceptibilidade aos antimicrobianos, hidrofobicidade, atividade proteolítica e presença de genes de virulência. Após a realização dos ensaios, se concluiu que essa BAL é segura e pode ser considerada como um potencial probiótico, pois apresentou produção de bacteriocinas que podem ser utilizadas como bioconservantes, atividade antagonista contra Staphylococcus spp., Listeria spp., Salmonella spp. e E. coli, produziu β- galactosidase, também conhecida como lactase, que é uma enzima capaz de aliviar os sintomas de indivíduos que apresentam intolerância a lactose, pois a degrada, se apresentou resistente em condições que mimetizam o suco gástrico e as condições intestinais, não produziu gelatinase, conseguiu aderir as células que simulam enterócitos, se apresentou sensível à maioria dos antibióticos testados, mas as resistências que foram observadas merecem atenção e novos estudos, e não foi encontrado nenhum gene de virulência. Contudo o estudo concluiu que mais testes são necessários para certificar a segurança de Streptococcus infantarius subsp. infantarius.
Cavicchioli et al. (2019) (15) avaliou se a BAL Enterococcus hirae produz bacteriocina, sua toxicidade e a influência do transportador ABC. Para a avaliação da toxicidade a bacteriocina foi testada juntamente com células HT-29 e não apresentou quaisquer efeitos negativos sobre elas. Foi constatado também que a produção da bacteriocina só é iniciada a partir de 9 horas de crescimento bacteriano, tanto em crescimento convencional quanto em banho de fermentação mecanizado o que demonstra que essa bacteriocina foi produzida em biorreator, levando a crer que ela pode ser produzida em escala industrial em fermentadores industriais. Também foi observado uma potencial expressão de transportador ABC, deixando a entender que ele está relacionado na produção da bacteriocina. Como não houve efeito citotóxico e as bacteriocinas podem ser produzidas em escalas industriais, os autores a consideraram com um grande potencial de ser usada como biopreservativo.
Um artigo de revisão feito por Soltani et al. (2021) (16) discute a segurança do uso de bacteriocinas tanto na indústria de alimentos quanto no uso clínico. Nesse estudo são discutidas bacteriocinas oriundas de várias classes de bactérias, não apenas das BAL. Na indústria esses tipos de bioconservantes já são amplamente utilizados por não alterar as características organolépticas dos alimentos e por deixar o alimento mais um passo próximo do tão desejado minimamente processado. O uso desse tipo de antimicrobiano em humanos ainda é uma coisa muito inédita, por isso apesar de se apresentarem como uma alternativa potencialmente segura aos antimicrobianos tradicionais, os autores alertam para a falta de estudos relacionados ao uso por humanos, aconselhando que sejam feitos tanto estudos in vivo quanto in vitro para que o uso seja garantidamente seguro e eficaz.
ATIVIDADE ANTIMICROBIANA POR PRODUÇÃO DE ÁCIDOS ORGÂNICOS
Já Nazareth et al. (2019) (17) avaliou as atividades antifúngicas e antimicotoxigênicas de sete cepas de Lactiplantibacillus plantarum, antigo Lactobacillus platarum. Para isso, grãos de milho e espigas de milho foram contaminados com Aspergillus flavus, produtor de Aflotoxina B1 (AFB1),e Fusarium verticilliodes, produtor de Fumonisina B1 (FB1), respectivamente, e tratadas com sobrenadante livre de células produzido pelos L. plantarum. Dentre as cepas testadas o L. plantarum CECT 749 foi a que demonstrou melhor atividade antifúngica e a que produziu mais ácidos orgânicos, levando a crer que sua atividade antifúngica é pela ação desses ácidos que causam desordem e estresse celular, ocasionando lise da membrana plasmática. A vida de prateleira foi determinada por avaliação visual de crescimento de fungos nos grãos e espigas de milho. Os grãos de milho tratados com L. plantarum CECT 749 começou a apresentar crescimento de fungos com 15 dias, já as espigas começaram a apresentar crescimento com 7 dias; os grupos não tratados começaram a apresentar crescimento de fungos com 7 nos grãos de milho e 5 dias nas espigas de milho. Além disso também houve redução de produção das micotoxinas em 99,7 e 97,5% em 25 e 40 dias, respectivamente, quando os grãos e as espigas foram tratados antes de serem contaminadas. Com esses resultados é possível considerar que o L. plantarum CECT 749 pode ter um potencial tecnológico para ser usado como bioconservante.
Da Costa et al. (2018) (18) isolou dezesseis cepas de diferentes espécies de BAL de frutas como acerola (Malphigia glabra L.), manga(Mangifera indica L.)egraviola (Annona muricata L.) para auxiliar na bioconservação de queijo minas frescal e peito de frango. Todas as 16 cepas encontradas foram testadas quanto sua atividade antagonista contra as bactérias patogênicas: Staphylococcus aureus ATCC 952806, Pseudomonas aeruginosa ATCC 27853, Listeria monocytogenes ATCC 19115, Salmonella Enteritidis PT4 e S. Typhimurium PT4. As bactérias patogênicas que se demonstraram mais sensíveis as BAL foram L. monocytogenes e Salmonella enteritidis PT4. As cepas Lactiplantibacillus plantarum 49, antigo Lactobacillus plantarum, Lactobacillus paracasei 108 e Limosilactobacillus fermentum201, antigo Lactobacillus plantarum foram as que demonstraram maior atividade antagonista contra L. monocytogenes e S. enteritidis PT4. No queijo minas frescal L. plantarum 49 e L. paracasei 108 reduziram a contagem de L. monocytogenes, e L. plantarum 201 demonstrou efeito bacteriostático com o passar do tempo sobre esse patógeno. L. paracasei 108 diminuiu a contagem de S. enteritidis PT4 em peito de frango. Essa atividade antagonista vem da produção de substância antimicrobianas não-proteináceas que seriam os ácidos orgânicos, ácido lático e ácido acético, produzidos pelas BAL. Esses resultados demonstraram o uso eficaz de L. plantarum 49 e L. paracasei 108 como bioconservantes em queijo minas frescal e em frango, respectivamente.
Olonisakin et al. (2017) (19) isolou cinco BAL (Lactiplantibacillus plantarum, antigo Lactobacillus plantarum, Lactobacillus delbrueckii, Limosilactobacillus fermentum, antigo Lactobacillus fermentum, Pediococcus acidilactici, e Leuconostoc mesenteroides) de Kunu, uma bebida fermentada de cereais típica da Nigéria feita de painço e sorgo. Para avaliar a capacidade de inibir Aspergillus flavus toxigênico foram realizados testes in vitro onde as BAL foram testadas contra o A. flavus pelo método de Spot on the lawn, e teste in vivo onde camundongos albinos foram contaminados com o mesmo fungo. As cepas pertencentes às espécies Lactobacillus plantarum e Lactobacillus delbrueckii foram os que apresentaram maior halo de inibição no ensaio in vitro e por isso foram os escolhidos para o ensaio in vivo. Os camundongos tratados com as BAL foram capazes de recuperar a saúde e o peso perdido por causa do patógeno, enquanto os que não receberam tratamento não haviam se recuperado no tempo de 21 dias, quando foram sacrificados. Esse estudo mostrou que as BAL presentes no Kunu apresentam eficácia contra sintomas causados por A. flavus toxigênico em camundongos e garante a segurança da bebida fermentada. Constatou-se também que o Kunu pode ser usado como fonte de microrganismos probióticos e ser usado como controle de fungos deteriorantes em alimentos.
Jin et al. (2021) (20) realizou um estudo para aumentar a vida de prateleira de pães de fermentação natural. Como os pães de fermentação natural são alimentos que necessitam de microrganismos para serem fabricados, foram isolados os próprios microrganismos responsáveis pela fermentação do pão, sendo eles seis BAL Lactobacillus paracasei, Lactobacillus brevis, Lactobacillus pentosus, Lactobacillus crustorum, Lactiplantibacillus plantarum, antigo Lactobacillus plantarum e Pediococcus pentosaceus e quatro fungos Pichia kudriavzevii, Saccharomycopsis fibuligera, Pichia cecembensis e Saccharomyces cerevisiae. Dentre os microrganismos isolados apenas a BAL P. pentosaceus apresentou atividade antifúngica contra o patógeno deteriorante Aspergillus flavus in situ pela ação dos ácidos orgânicos produzidos por ela, por isso a combinação de P. pentasaceus, S. fibuligera e S. cerevisiae foram escolhidas como cultura de starter para a fabricação do pão. A adição de P. pentasaceus pode ser uma alternativa ao uso de conservantes químicos nesses tipos de pães, pois aumentou sua vida de prateleira em 96h e melhorou sua qualidade nutricional, sua textura e seu sabor, devido aos ácidos orgânicos que essa BAL produz.
Giazzi et al. (2020) (21) avaliou o potencial tecnológico de 14 cepas isoladas de queijos, dentre elas estavam os gêneros: Enterococcus, Lactococcus, Lactobacillus, Streptococcus e Pediococcus. A avaliação foi feita por meio de testes como a atividade enzimática proteolítica e lipolítica in vitro, susceptibilidade aos antimicrobianos, atividade antagonista a patógenos e capacidade de acidificação. Nenhum dos gêneros apresentou atividade proteolítica, contudo apresentaram atividade lipolítica, obtendo boa eficiência lipolítica quando incubados por 120 horas a 37°C. Todas as cepas apresentaram atividade acidificante em temperaturas de 20°C e 37°C, em 48 horas de incubação. Todos os isolados foram sensíveis a vancomicina e resistentes a estreptomicina. As cepas Enterococcus e Lactobacillus isoladas foram capazes de inibir o crescimento dos patógenos Echerichia colienteropatogênica, Salmonella enteritides, Listeria Innocua e Listeria Monocytogenes. Com esses resultados é possível que esses isolados possam ser utilizados isolados ou combinados como bioconservantes.
CONCLUSÕES
Este estudo demonstrou por meio de diversas fontes científicas que os gêneros Lactobacillus e Enterococcus apresentam potencial biotecnológico para uso como bioconservantes, pois, com trabalhos de prospecção, é possível identificar e selecionar linhagens que reúnam as habilidades de controlar o crescimento de microrganismos indesejáveis (pela produção de ácidos orgânicos e compostos antimicrobianos) no alimento e serem inócuas ao hospedeiro.Contudo por ser um assunto novo, ainda é necessário que mais alimentos sejam testados, bem como a prospecção de novas BAL com capacidade inibitória.
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