FARINHA DA CASCA DO MARACUJÁ AMARELO: ELABORAÇÃO, CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA E APLICAÇÃO EM BISCOITOS DO TIPO MIGNON
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-66
Este trabalho foi escrito por:
Amélia Ruth Nascimento Lima¹*; Maria Tereza Lucena Pereira¹; Lorena Maria Freire Sampaio¹; Vanessa Bordin Viera²; Aluizio Freire da Silva Junior²; Êmyle Myrelle Alves dos Santos ³; Luciana de Siqueira Oliveira⁴
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
¹Doutoranda em Ciência e Tecnologia de Alimentos. Departamento de Engenharia de Alimentos, Universidade Federal do Ceará, Campus do Pici 60455760, Fortaleza – CE, Brasil
² Professor do Centro de Educação e Saúde-CES, Universidade Federal de Campina Grande, Campus Cuité, Sítio Olho D’água da Bica, Zona Rural, Cuité -PB
³ Graduanda em Matemática do Centro de Educação e Saúde-CES, Universidade Federal de Campina Grande, Campus Cuité, Sítio Olho D’água da Bica, Zona Rural, Cuité -PB
4 Professora do Departamento de Engenharia de Alimentos, Universidade Federal do Ceará, Campus do Pici 60455760, Fortaleza – CE, Brasil
Resumo: A casca do maracujá apresenta inúmeros fitoquímicos, os quais possuem propriedades antimicrobiana, anti-inflamatória e anti-hipertrigliceridêmicas, demonstrando, sua potencialidade para o desenvolvimento de produtos alimentícios. A presente pesquisa teve como objetivo realizar secagem da casca de maracujá, bem como, analisar os parâmetros físico-químicos do conteúdo seco (farinhas) e dos produtos elaborados a partir dele (biscoitos tipo mignon). Para tanto, as farinhas e os biscoitos foram caracterizados quanto aos parâmetros de umidade, cinzas, acidez titulável, lipídios totais e atividade de água. Foi possível verificar que ambas as amostras (farinhas e biscoitos) apresentaram valores reduzidos de umidade (farinhas: 6,10-7,14; biscoitos: 8,34-12,69), atividade de água (farinhas: 0,21 – 0,49; biscoitos: 0,59 – 0,60) e lipídios (farinhas: 0,54 – 1,13; biscoitos: 23,99 – 37,03), bem como, valores satisfatórios de acidez titulável (farinhas: 5,87 – 7,10) e cinzas (farinhas: 5,02-6,45; biscoitos: 1,4 a 2,04). As farinhas e os biscoitos elaborados à base de cascas de maracujá amarelo apresentaram satisfatórias características físico-químicas, apresentando-se como produtos promissores, com ampla capacidade de inserção na indústria alimentícia.
Palavras–chave: farinha da casca de maracujá; subproduto de frutas; tecnologia dos alimentos.
Abstract: Passion fruit peel has numerous phytochemicals, which have antimicrobial, anti-inflammatory and anti-hypertriglyceridemic properties, demonstrating its potential for the development of food products. The present research had the objective of drying the passion fruit peel, as well as analyzing the physicochemical parameters of the dry content (flour) and of the products made from it (mignon type biscuits). Therefore, the flours and cookies were characterized in terms of moisture, ash, titratable acidity, total lipids and water activity parameters. It was possible to verify that both samples (flours and cookies) presented reduced values of moisture (flours: 6.10-7.14; cookies: 8.34-12.69), water activity (flours: 0.21 – 0 .49; cookies: 0.59 – 0.60) and lipids (flour: 0.54 – 1.13; cookies: 23.99 – 37.03), as well as satisfactory values of titratable acidity (flour: 5, 87 – 7.10) and ash (flour: 5.02-6.45; cookies: 1.4 to 2.04). The flours and cookies made from yellow passion fruit peels showed satisfactory physicochemical characteristics, presenting themselves as promising products, with ample capacity for insertion in the food industry.
Key Word: passion fruit peel flour; fruit by-product; food technology
INTRODUÇÃO
O maracujá amarelo (Passiflora edulis f. flavicarpa) é considerado um fruto com alta capacidade nutricional e considerável atividade funcional, sendo uma das culturas de maior produção, comercialização e consumo, o que contribui para o desenvolvimento econômico do Brasil (1). Apesar da sua importância nutricional e socioeconômica, grandes quantidades de co-produtos são geradas anualmente. O maracujá é responsável pela produção de cerca de 52% dos resíduos da indústria de processamento de sucos. Aproximadamente 54 mil toneladas de coprodutos são geradas anualmente a partir do processamento do maracujá, sendo a casca (45 a 52% do fruto) o principal resíduo gerado (2).
A casca do maracujá apresenta relevantes propriedades funcionais resultante da sua variada composição química. incluindo fitoquímico, como alcalóides, flavonóides, triterpenóides e glicosídeos (3), os quais possuem propriedades antimicrobianas (4), anti-inflamatórias e anti-hipertrigliceridêmicas (5), valorizando sua capacidade tecnológica e nutricional para a elaboração de produtos alimentícios. Assim, torna-se necessária a aplicação de tecnologias adequadas para o aproveitamento desses coprodutos, visando minimizar os prejuízos ambientais, econômicos e nutricionais (6).
Nesse contexto, uma das principais formas tecnológicas de incorporação dos subprodutos de frutas na alimentação humana é através da sua secagem para obtenção de farinha, resultando em um ingrediente alimentar estável devido a diminuição do teor de umidade, rico em compostos nutricionais e pronto para ser incorporado nos mais variados produtos (7).
Com base no exposto, o presente estudo objetivou realizar a secagem de cascas de maracujá amarelo branqueadas e não branqueadas, analisar os parâmetros físico-químicos das farinhas e dos biscoitos tipo mignon desenvolvidos.
MATERIAL E MÉTODOS
Aquisição dos frutos
Os maracujás (Passiflora edulis f. flavicarpa) foram adquiridos na feira livre do município de Cuité-PB (Latitude: 6° 28′ 54” Sul, Longitude: 36° 8′ 59” Oeste).
Os frutos foram selecionados considerando a ausência de danos mecânicos, grau de maturidade atingida (frutos maduros/cascas amarelas) e integridade fisiológica mantida.
Secagem das cascas de maracujá
Inicialmente, os maracujás foram lavados em água corrente e sanitizados com solução clorada a 200 ppm durante 15 minutos. Em seguida, após enxágue para remoção do excesso de sanitizante, as polpas foram separadas das cascas com o auxílio de uma colher (por volta de 2000 g de cascas de maracujá foi utilizada (essa quantidade foi dividida em quatro partes iguais (500 g)), para serem submetidos separadamente aos seguintes tratamentos: CMCB 60 °C – cascas de maracujá submetidas ao branqueamento (pré-tratamento) e posterior secagem a 60 °C; CMSB 60 °C – cascas de maracujá submetidas à secagem a 60 °C; CMCB 70 °C – cascas de maracujá submetidas ao branqueamento e posterior secagem em estufa a 70 °C; CMSB 70 °C – cascas de maracujá sem branqueamento, submetidas à secagem a 70 °C. As cascas foram depositadas em cestos de arame galvanizado e a secagem aconteceu em estufa com circulação e renovação forçada de ar da marca BIOPAR, modelo S4800ADA.
Para a realização do pré-tratamento (amostras CMCB 60 °C e CMCB 70 °C), as cascas foram submersas em água fervente a 97 °C em que permaneceram durante 5 minutos, em seguida foram resfriadas utilizando banho de gelo por 1 minuto.
As secagens seguiram até que as amostras atingissem teor de umidade de equilíbrio/peso constante.
Elaboração das farinhas de cascas de maracujá
Após a secagem, as cascas dos quatro tratamentos estudados foram trituradas utilizando um liquidificador industrial (Colombo Premium, modelo BR, capacidade para 4 litros) e, posteriormente, as farinhas foram acondicionadas em saco de polietileno e armazenadas em temperatura ambiente (±23 °C) para as subsequentes análises físico-químicas e elaboração dos biscoitos tipo mignon.
Elaboração dos biscoitos tipo mignon
Os ingredientes para elaboração dos biscoitos tipo mignon foram obtidos no comércio local do município de Campina Grande-PB (Latitude: 7° 13′ 51” Sul, Longitude: 35° 52′ 54” Oeste).
A partir da farinha da casca de maracujá que apresentou as melhores características físico-químicas e menor tempo de secagem, foram desenvolvidas duas formulações de biscoito tipo mignon, com substituição parcial da farinha de trigo pela farinha da casca de maracujá, conforme apresentado na Tabela 2.
Inicialmente, todos os ingredientes necessários para as formulações dos biscoitos foram pesados em balança semi-analítica (marca RADWAG). Após pesagem, em um recipiente, os ingredientes secos foram misturados com o auxílio de uma espátula de silicone, e, posteriormente, foram adicionados gordura e água, e em seguida homogeneizados. A massa resultante foi aberta, com auxílio de um rolo de panificação, e modelada em formato semelhante à letra “V”, característica típica do biscoito tipo mignon.
Os biscoitos foram dispostos em formas previamente untadas com manteiga sem sal, e seguiram para fermentação em temperatura ambiente (±23 °C), em que permaneceram por aproximadamente 1 hora. Posteriormente, seguiram para o forneamento em forno pré-aquecido a 180 ºC por, aproximadamente, 30 minutos. Após esse período, as amostras foram resfriadas em temperatura ambiente (±23 °C), armazenadas em sacos laminados e seguiram para as análises físico-químicas.
Análises físico-químicas
Foram realizadas análises físico-químicas nas farinhas e nos biscoitos. As análises de umidade, cinzas, acidez titulável e atividade de água seguiram as metodologias propostas pela AOAC (9). O teor de lipídio que seguiu a metodologia proposta por Folck et al. (10). Todas as análises foram realizadas em triplicata.
Análise Estatística
Os dados obtidos foram submetidos a Análise de Variância Univariada (ANOVA) e, posteriormente, analisados pelo teste de Tukey, por meio do software Assistat e por meio do teste T-Student.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Caracterização físico-química das farinhas das cascas de maracujá
Na Tabela 3 encontram-se os resultados relativos às análises físico-químicas das farinhas das cascas do maracujá amarelo.
Foi observado que o teor de umidade das farinhas variou entre 6,10% e 7,97%. Percebemos que as amostras submetidas ao pré-tratamento branqueamento apresentaram maior teor de umidade quando comparadas às não branqueadas, o que pode ser devido ao fato que durante o pré-tratamento, as amostras ficam submersas em água durante alguns minutos, podendo absorvê-la, resultando em um maior teor de umidade. Resultados inferiores foram observados no estudo de Silva et al. (11), os quais avaliaram as características químicas e físico-químicas de farinhas de casca de maracujá secas nas temperaturas de 70 °C e 80 °C, e obtiveram valores de umidade de 5,13 e 4,63%, respectivamente.
Em relação ao teor de cinzas, FCMSB 70 °C apresentou o maior valor, 6,45%, enquanto FCMSB 60 °C apresentou o menor entre as amostras (5,02%). Resultado aproximado foi encontrado no estudo de Cazarin et al. (12), no qual foi relatado 6,88% de cinzas para farinha de cascas de maracujá seca em estufa com circulação de ar a 50 °C. Jinkings et al. (13) ao analisarem farinhas da casca de maracujá secas em estufa a 60 °C por 30 horas, identificaram resultados inferiores (1,97%).
No que concerne à atividade de água ( ), foi observado que a FCMCB 70 °C apresentou menor valor. Resultado superior foi obtido no estudo de Filho et al. (14), que ao avaliarem os parâmetros físico-químicos de farinhas de cascas de melancia, obtiveram de 0,49. Conforme Chisté et al. (15), o limite mínimo de atividade de água para a proliferação de micro-organismos é de 0,60. Diante disso, todas as amostras analisadas no presente estudo apresentaram atividade de água inferior a esse limite, podendo ser consideradas como farinhas estáveis, do ponto de vista microbiológico.
Os resultados para análise de acidez das amostras variaram entre 5,87 a 7,10%. Silva et al. (16) analisaram as características físico-químicas de farinhas de cascas de melão e abacaxi, secas em estufa com circulação de ar a 60 ºC, e obtiveram valores de acidez inferiores ao da presente pesquisa (1,59 e 2,69, respectivamente).
No que diz respeito ao teor de lipídeos, foi observado que todas as farinhas apresentaram baixos valores desse componente, indicando que as amostras apresentaram reduzido valor calórico e, com isso, podem ser implementadas na produção de alimentos visando o controle de ingestão calórica. Valores superiores foram identificados no estudo de Ramos et al. (17) ao analisarem as características físico-químicas, microbiológicas e antioxidantes de farinhas de casca e amêndoa de manga, obtiveram valores de 6,34 e 6,88%, respectivamente.
Com base em todas as informações expostas, percebe-se que as quatro farinhas estudadas (FCMSB 60°C, FCMCB 60°C, FCMSB 70°C e FCMCB 70°C) apresentaram características físico-químicas satisfatórias.
Processamento dos biscoitos tipo mignon
Para a elaboração dos biscoitos tipo mignon, enriquecidos com farinha de casca de maracujá, se fez necessário selecionar a farinha que apresentasse melhores características físico-química, bem como, menor tempo de processamento. Levando em consideração que todas as quatro farinhas apresentaram características química e físico-químicas satisfatórias, selecionou-se a farinha das cascas de maracujá com branqueamento secas a 70 °C (FCMCB 70 °C) por ter sido aquela que apresentou menor tempo de processamento (1140 minutos), indicando a otimização do processo.
Caracterização química dos biscoitos tipo mignon
Os resultados referentes às análises físico-químicas das três formulações de biscoitos são mostrados na Tabela 5.
Ao observar os resultados para o teor de umidade, foi notado que houve diferença estatística entre os biscoitos controle (BMC) e os biscoitos elaborados com farinha de casca de maracujá (BM10 e BM20), sendo BMC o que apresentou maior teor de umidade (12,69%) (p < 0,05). Com base nessas constatações, sugere-se que a adição de farinha de casca de maracujá atuou na redução do teor de umidade das amostras. Em estudo realizado por Gusmão et al. (18), foi observado que a adição da farinha de algaroba um valor de umidade de 4,42% para biscoitos enriquecidos com farinha de algaroba.
Valores reduzidos de umidade estão diretamente relacionados com uma maior vida de prateleira para biscoitos e bolachas. Segundo Selani et al. (19), baixo teor de umidade em produtos alimentícios minimiza reações enzimáticas e não enzimáticas, bem como, retarda contaminações microbiológicas, apresentando-se como um aspecto positivo na conservação dos alimentos.
De acordo com a RDC nº 263, de 22 de setembro de 2005 (20), a umidade de biscoitos e bolachas não deve exceder 14%, sendo assim, as três formulações do presente estudo estão em conformidade com a legislação vigente.
Quanto à análise de cinzas, observa-se diferença estatística entre as três amostras, sendo BMC a que apresentou menor teor de cinzas (1,40%), enquanto BM20 a formulação com maior percentual (2,04%). Comportamento semelhante foi encontrado no estudo de Duarte et al. (21). Esses autores ao avaliarem biscoitos elaborados com farinha de resíduos de frutas (abacaxi, maracujá, maçã e banana) obtiveram valores de 2,02% de cinzas. Nota-se uma crescente no valor de cinzas nas amostras à medida que a proporção de farinha de casca de maracujá aumenta nas formulações. De acordo com Silva et al. (11), quanto mais elevado os valores de cinzas dos produtos alimentícios (seguindo as quantidades estabelecidas pela legislação) maior o teor de micronutrientes (minerais). com isso, sugere-se que quanto maior a quantidade de farinha de casca de maracujá nas preparações, maior a quantidade de minerais.
Com base na RDC nº 263 de 22 de setembro de 2005, que dispõe sobre o regulamento técnico de identidade e qualidade de biscoitos, bolachas e afins, o teor de cinzas desses produtos não deve exceder 3% (20), desse modo, as formulações estudadas na presente pesquisa atendem as exigências técnicas para esse parâmetro físico-químico.
Em relação à atividade de água, é possível verificar que não houve diferença significativa entre as amostras. Em estudo de Lima et al. (22), ao avaliarem biscoitos elaborados com farinha de resíduos de frutas (maracujá, abacaxi e melão) obtiveram valores de atividade de água de 0,49.
Por fim, ao que diz respeito ao teor de lipídeos, é possível perceber que houve diferença significativa entre a amostra BMC (37,03%) e as amostras BM10 (23,99%) e BM20 (25,70%), sendo BMC aquela que apresentou maior teor de lipídeos (p < 0,05). Com base nessa constatação, sugere-se que a adição de farinha de casca de maracujá em preparações culinárias pode auxiliar na redução do teor lipídico desses produtos. Resultados semelhantes foram encontrados no estudo Vieira et al. (23), em que avaliaram biscoitos elaborados com farinha de soja, quinoa e amaranto e obtiveram teor de lipídeo de 24,84%.
CONCLUSÕES
Com base no estudo e na avaliação das características físico-química das farinhas e dos biscoitos elaborados utilizando cascas de maracujá amarelo, foi possível observar que o processo de branqueamento acelerou a secagem das cascas de maracujá secas a 70°C, bem como, que os coprodutos do maracujá amarelo são considerados promissores para inserção na indústria alimentícia.
Faz-se necessário a execução de mais análises físico-químicas, tanto para as farinhas quanto para os biscoitos, bem como, estudos dos parâmetros microbiológicos e sensoriais, para que haja um entendimento mais detalhado sobre as características dos produtos apontados na presente pesquisa.
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