ANÁLISE DE VIABILIDADE ECONÔMICA DA CADEIA PRODUTIVA DA PISCICULTURA NO BRASIL
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-11
Este trabalho foi escrito por:
Bruna Caus Rothmann*; Fábio Londero; Heitor Spagnol; Juliana Ferreira Menezes; Marieli Rosseto
Bruna Caus Rothmann – [email protected]
Resumo: A piscicultura é uma modalidade de aquicultura que consiste na criação de peixes. Esse mercado está em ascensão tanto em consumo como em produção. No entanto, espera-se maiores índices zootécnicos de produção para o futuro, a fim de suprir à demanda da população mundial. Considerando que há aspectos socioeconômicos, culturais, logísticos e legais inseridos neste bioma que refletem no seu desenvolvimento, o objetivo deste estudo foi realizar um levantamento bibliográfico acerca de parâmetros técnicos, econômicos, sociais e ambientais, elencando os principais gargalos desta cadeia produtiva, vinculados a políticas públicas aplicáveis e oportunidades de otimização de produção.
Palavras–chave: evolução; gargalos; piscicultura; políticas
Abstract: Fish farming is a form of aquaculture that consists of raising fish. This market is on the rise both in consumption and production. However, it is expected that there will be higher zootechnical production rates for the future, in order to supply the demand of the world population. Considering that the main bottlenecks of this production chain, linked to a bibliographic survey in this production chain, integrated socio-economic and integrated ecological, sociological and environmental objectives included public policies and opportunities for production optimization.
Key Word: evolution; bottlenecks; pisciculture; policies
INTRODUÇÃO
O cultivo de peixe no Brasil está em pleno crescimento nos últimos seis anos, reafirmados pelo aumento de produção entre 2014 (578.800 toneladas) a 2021 (841.005 toneladas), que representou um aumento de 30% na produtividade (1).
Nesse panorama, espera-se o reposicionamento do Brasil, um dos principais agentes no mercado internacional de carnes, junto com a China, a União Europeia e os Estados Unidos, não somente na produção de carnes bovina, suína e de frango, mas também na produção de pescado.
O setor de aquicultura apresentou crescimento de aproximadamente 25% nos últimos 5 anos (2), sendo significativamente maior do que outras fontes de proteína de origem animal (avicultura, suinocultura e bovinocultura) (3).
O crescimento desse setor é primordial para superar o déficit alimentar que se vislumbra. Dessa forma, este artigo tem como objetivo detalhar a cadeia produtiva da aquicultura no Brasil, apresentando os principais desafios e oportunidades, bem como incentivos governamentais frente os gargalos de produção, visando apresentar uma análise crítica com foco no aumento da produtividade e renda do produtor rural.
Com base nisso, este estudo objetivou um levantamento bibliográfico acerca de parâmetros técnicos, econômicos, sociais e ambientais, elencando os principais gargalos desta cadeia produtiva, vinculados a políticas públicas aplicáveis e oportunidades de otimização de produção.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
Importância econômica da cadeia produtiva de piscicultura
A demanda mundial por pescado tem sofrido um significativo incremento nas últimas décadas, principalmente em função do crescimento populacional e da busca dos consumidores por alimentos mais saudáveis.
Dentre os países com maior potencial para a aquicultura, o Brasil se destaca por sua disponibilidade hídrica, clima favorável e ocorrência natural de espécies aquáticas que compatibilizam interesse zootécnico e mercadológico (4). A existência de vastas áreas continentais com solos férteis e clima tropical úmido, aliada à tecnologia avançada na criação de peixes, faz do Brasil um país altamente competitivo no setor.
Em 2014, a produção mundial de pescado atingiu a marca de 167 milhões de toneladas, com 73,8 milhões de toneladas provenientes da aquicultura. Na América do Sul, o Chile registrou uma produção de 1,2 milhão de toneladas (sendo o sétimo maior produtor do mundo), enquanto o Brasil, com 561 mil toneladas, ocupando a 13º posição no ranking geral dos maiores produtores de pescado (5).
Já em 2016, considerando a produção nacional, a região nordeste apresentou a maior participação de mercado no país, com 26,8% (sendo o Ceará o principal destaque), seguida da região orte, com 25,7% (com Rondônia, que é o maior produtor nacional); a região Sul, com 24,2% (concentrando a produção no Paraná e em Santa Catarina) (6).
A Secretaria da Agricultura, Pecuária e Desenvolvimento Rural (7) relata que o cultivo de peixe no Brasil está em pleno crescimento nos últimos seis anos, reafirmados pelo aumento de produção entre 2014 (578.800 toneladas) a 2021 (841.005 toneladas), que representou um aumento de 30% na produtividade.
Ao todo são 230 mil estabelecimentos que criam peixes no país, onde 60% da produção é de tilápia, 35% são peixes nativos (como tambaqui) e 5% são de outras espécies (como carpa e panga). Essa produtividade movimenta a receita de R$ 8 bilhões, gerando cerca de 3 milhões de empregos diretos e indiretos (8).
As exportações da piscicultura brasileira aumentaram 78% em 2021, se comparado com o ano anterior, totalizando U$S 20,7 milhões. Em toneladas, o crescimento foi de 49%, passando de 6.681 toneladas em 2020 para 9.932 toneladas em 2021. Do total exportado pela piscicultura brasileira, 64% tiveram como destino os Estados Unidos.As exportações de filé de tilápia congelado tiveram aumento de 650%, totalizando U$S 2,1 milhões, sendo que o estado brasileiro que mais contribuiu com essa comercialização foi o Mato Grosso do Sul, com US$6,7 milhões (8).
Esta tendência decorre da expansão da composição da Organização Mundial do Comércio (OMC) e da entrada em vigor de uma série de acordos comerciais bilaterais e multilaterais. No entanto, muitos países em desenvolvimento continuam a aplicar tarifas de importação elevadas para o pescado, e embora isso normalmente reflita a política fiscal em vez de ser uma medida de proteção, tem efeitos prejudiciais sobre o comércio regional (9).
Diante disso, diversos fatores contribuem para aumentar a competição entre os países e ainda são identificados como desafios a serem superados, como as crescentes exigências dos consumidores com relação à qualidade do produto, o estabelecimento de políticas protecionistas e de subsídios, a existência de barreiras tarifárias e não tarifárias, o desenvolvimento e a inovação tecnológica, os mecanismos de comercialização adotados pelas empresas e os investimentos em estratégias de marketing e propaganda.
Oportunidades na aquicultura brasileira
A aquicultura brasileira oferece inúmeras oportunidades para quem deseja se dedicar a esse setor. O Brasil é um dos principais produtores de peixes do mundo, o que demonstra a grande potencialidade da atividade. Além disso, os investimentos na área estão crescendo cada vez mais, o que torna a aquicultura uma excelente opção para estabilidade econômica (2).
A expansão da aquicultura está atrelada às potencialidades naturais do país, como uma ampla costa marítima, milhões de hectares de água represada, clima preponderantemente tropical, imensa concentração de água doce continental, entre outros. Portanto, o desenvolvimento de sistemas eficientes de reúso de água que reduzam os impactos ambientais e possibilitem o crescimento sustentável são considerados necessários para esta atividade (10).
Em questão ao uso da água, um potencial considerável para a expansão da aquicultura reside nas grandes áreas de projetos de irrigação, que poderiam consorciar a produção agrícola e aquícola, concomitantemente, como por exemplo a utilização das sobras do arroz, pós-colheita, como alimento para os peixes, enquanto que as fezes e os resíduos orgânicos formados por estes são utilizados como fertilizantes para os vegetais (11).
Um sistema produtivo que está buscando a sustentabilidade na produção da cadeia é o sistema de policultivo. Estes sistemas se destacam no caráter de uso de recursos naturais, instalações e mão de obra, no momento em que favorece uma integração destas variáveis, otimizando os parâmetros ambientais, econômicos e sociais. Por exemplo, pode ocorrer que a geração de resíduos de uma produção sirva de insumo para a outra, controlando o volume de material para descarte. Dentro desta dinâmica de integração, segundo Valenti (12) existem diferentes níveis que podem ser representados (Tabela 1).
Algumas técnicas alternativas são veiculadas como formas propícias à sustentabilidade socioeconômica do produtor. Tais técnicas estão voltadas à formação de produto-renda, e também, vislumbram a preservação ambiental. Insere-se neste contexto a introdução de práticas não agrícolas complementares conhecidas como pluriatividade, que é uma das formas alternativas para o desenvolvimento sustentável em áreas de agronegócio familiar de pequeno porte. Seria a utilização das escamas e pele para artesanato, a produção da farinha de resíduos do pescado, da produção do óleo de peixe, de biocombustível e de glicerina para fins diversos (13).
No entanto, devido à expansão da produção pesqueira em todo o mundo, os dejetos de pescado podem impactar o meio ambiente local poluindo a água e o solo, considerado uma das grandes preocupações dessa prática (14).
Principais gargalos da piscicultura brasileira e políticas públicas relacionadas
A produção de pescados como outros depende de recursos naturais, tais como água, energia e solo, havendo a necessidade de uma racionalização destas fontes. Respondendo a esta demanda, a aquicultura sustentável preza pela produção lucrativa, com uma conservação do meio ambiente e dos recursos naturais, promovendo o desenvolvimento social. As potencialidades e os problemas de uma atividade econômica são fatores de extrema importância.
Percebe-se que os gargalos da aquicultura brasileira estão relacionados à produção e à qualidade dos produtos. No que diz respeito à produção, o Brasil ainda apresenta baixa produtividade em comparação com outros países. Já em relação à qualidade, os produtos aquícolas ainda não atendem plenamente as exigências do mercado internacional. Isso se deve, principalmente, à falta de investimentos na área e à pouca valorização da aquicultura pelo setor público e privado. A cadeia produtiva da piscicultura, mesmo com a expansão dos últimos anos, ainda encontra gargalos que dificultam sua estruturação (Figura 1).
O transporte na piscicultura é de extrema importância, visto que o sucesso da criação de peixes está diretamente ligado a ele. Os cuidados com os animais durante o trajeto são fundamentais para garantir a sobrevivência e a saúde dos mesmos. Além disso, é necessário ter um veículo adequado para realizar esse tipo de transporte, que seja resistente e capaz de aguentar as condições adversas do trânsito. O transporte dentro da piscicultura deve ser entendido como atividade estratégica, por ser uma operação delicada e de alto risco, e envolve cargas vivas e de alto valor (15, 16)
Para Oliva (16) os problemas observados na logística do setor estão relacionados à falta de profissionalismo, visto que muitos realizam o transporte de forma rudimentar, com conhecimento mínimo dos fundamentos e técnicas aplicadas ao transporte de peixes. Esse cenário tem impactado negativamente os resultados da atividade, prejudicando diretamente os produtores e consumidores, pois leva à perda de qualidade dos produtos transportados e à redução da competitividade das empresas do setor. Espera-se que essa situação seja resolvida com o investimento em capacitação dos profissionais envolvidos nesse processo.
Quanto ao licenciamento ambiental, a obtenção da licença é condição necessária para o início das atividades. Esse documento autoriza a pessoa física ou jurídica a explorar determinada área para fins aquícolas, estabelecendo as normas e parâmetros que devem ser seguidos durante todo o processo produtivo. A licença ambiental é renovável anualmente e pode ser cancelada a qualquer momento, caso se constate que as condições impostas não estão sendo cumpridas. As principais dificuldades encontradas são a falta de sistema online e infraestrutura em geral, de regularização fundiária e de conhecimento dos aquicultores sobre os procedimentos para o licenciamento ambiental aquícola; além de projetos técnicos e documentação incompletos e/ou incorretos. Foram apontadas também as dificuldades na comunicação com os produtores e demora nas respostas das solicitações de providências e a falta de corpo técnico especializado e de treinamento (17, 18).
A piscicultura no Brasil ainda carece de legislação específica, o que dificulta o seu desenvolvimento. Isso afeta diretamente os produtores, que enfrentam inúmeras dificuldades para operar dentro da lei. Além disso, a falta de uma regulamentação adequada prejudica o consumidor, que não tem garantias de qualidade nos produtos piscícolas disponíveis no mercado. Além de gestão e conhecimento, o piscicultor precisa ter segurança para conduzir a atividade, e o maior empecilho para a implantação é a insegurança jurídica, decorrente da falta de legislação ambiental ou legislação não aplicável. Para tal, é preciso evoluir em legislação ambiental compatível com a realidade e ter análises céleres dos processos ambientais (19). Esse contexto reduz a competitividade da piscicultura brasileira no mercado internacional, pois os produtos produzidos aqui estão sujeitos a regulamentações mais rigorosas do que as adotadas em outros países.
Os impostos na piscicultura brasileira têm um peso significativo no custo de produção, o que acaba impactando diretamente nos preços finais dos produtos. Além disso, a carga tributária é bastante complexa e burocrática, o que dificulta o planejamento de negócios para esse setor. Há várias incertezas relacionadas às alíquotas de impostos incidentes sobre a piscicultura, o que torna ainda mais difícil tomar decisões estratégicas. Em um momento em que o Brasil busca se reestruturar economicamente, é essencial que os setores produtivos estejam isentos de uma carga tributária excessiva e desnecessária.
Alguns peixes possuem alíquota especial de importação, como é o caso da alíquota zero para as importações de salmão do Chile e a alíquota zero para as importações de bacalhau.Dessa forma, a elevação da alíquota TEC do imposto de importação de peixes para 35%, limite estabelecido na Lista III do Brasil depositada na OMC, ou a inclusão dos peixes na Lista de Exceções à TEC poderia permitir uma proteção de mercado para os peixes produzidos no país (20).
Quanto a geração de resíduos, estes são gerados em todas as etapas produtivas, desde a reprodução, alevinagem, engorda, processamento e comercialização, até o prato final do consumidor. Os efluentes gerados por essa atividade impactam diretamente o meio ambiente. Além disso, a falta de estrutura adequada para o tratamento desses resíduos compromete a qualidade da água e afeta negativamente a produção (21).
Cada possibilidade de otimização e/ou aproveitamento dos resíduos orgânicos da piscicultura tem seus entraves e dificuldades, desse modo o produtor deve adequar sua realidade para as possibilidades existentes. Por exemplo, para as produções em pequenos volumes podem adotar a compostagem orgânica e/ou a produção de silagens, enquanto produtores de médio a grandes empreendimentos podem considerar o investimento em farinheiras, máquinas de separação mecânica da carne de carcaças, curtimento de peles, dentre outros (21).
Neste sentindo, as Políticas Públicas na Aquicultura Brasileira têm como objetivo estabelecer diretrizes e normas para o desenvolvimento da atividade, visando a promoção do bem-estar social e da segurança alimentar. Dentre as ações previstas, está o fomento à pesquisa e à inovação tecnológica, o apoio às empresas aquícolas, a capacitação de profissionais e a promoção da sustentabilidade ambiental. Espera-se que essas medidas contribuam para o crescimento da aquicultura no país, gerando emprego e renda.
CONCLUSÕES
A Piscicultura no Brasil tem apresentado importantes resultados que advém do potencial natural do país. A estrutura da piscicultura e da tilapicultura mostrou que há espaço para a expansão. O crescimento nas exportações de pescado, por exemplo, é um dos principais indícios de que este mercado tem grande potencial. Além disso, o Brasil detém uma das maiores reservas mundiais de água doce, o que torna a atividade ainda mais viável.
Essa temática ainda é pouco tratado na pauta de pesquisa acadêmica como parte da economia do desenvolvimento regional capaz de gerar renda e emprego. É necessário, portanto, que seja realizada uma avaliação mais aprofundada sobre o assunto, incluindo o investimento na infraestrutura tecnológica adequada para esse tipo de atividade. Isso permitirá que se estabeleça um parâmetro para o seu crescimento econômico sustentável.
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