ANÁLISE DA ROTULAGEM DE CARBOIDRATOS EM GEL E A INFLUÊNCIA DOS SEUS COMPONENTES NA PERFORMANCE
Capítulo de livro publicado no livro do I Congresso Internacional em Ciências da Nutrição. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062015-19
Este trabalho foi escrito por:
Marcela Brito Parente *; Lucas Fernando Alves e Silva ; Karla Cavalcante Quadros ; Salatiel da Conceição Luz Carneiro ; Amanda Lima Pamplona Gayoso ; Suzany Trindade Queiroz ; Fernando Alípio Rollo Neto
*Marcela Brito Parente – Email: [email protected]
Introdução: Os recursos ergogênicos, como os carboidratos em gel, fazem parte da rotina dos praticantes de atividade física. Objetivos: Dessa forma, o presente artigo visa avaliar a composição desses suplementos e buscar evidências na literatura quer sejam positivas ou negativas em relação a função desse produto na performance e pós treino. Materiais e métodos: Trata-se de uma pesquisa com análise descritiva dos rótulos dos carboidratos em gel dos quais foram extraídos os nutrientes e suas quantidades e os dados organizados em uma tabela no Microsoft Excel que posteriormente foram calculados quanto a frequência dos ingredientes em comum entre as marcas e a média das quantidades máximas e mínimas. Avaliou-se 34 produtos distribuídos entre 19 fabricantes. Resultados: Os nutrientes e substâncias mais encontradas, além dos carboidratos (100%), foram o sódio (91,18%), a vitamina C (50%), potássio (47,06%), cafeína (41,17%), taurina (29,41%), vitamina E (26,47%), vitaminas B3 e B6 (20,58%), vitamina B12 (17,65%). Os carboidratos em gel demonstraram ser eficientes nos estudos encontrados, apesar de serem poucos. Somado a isso, dentre as substâncias presentes nesses produtos, a cafeína, o sódio, o potássio, vitamina B3 e a taurina apresentaram benefícios comprovados para a performance. Conclusões: Muitos dos nutrientes presentes nos suplementos não apresentam valores recomendados pela ANVISA. Portanto, é fundamental consultar um nutricionista para que ele decida a necessidade ou não da prescrição do gel de carboidrato. Além disso, a literatura ainda é escassa de trabalhos acerca dos carboidratos em gel na atividade física.
PALAVRAS-CHAVE: atividade física; carboidrato; performance; suplementos
ABSTRACT
Introduction: Ergogenic resources, such as carbohydrate gels, are part of the routine of physical activity practitioners. Objectives: Thus, this article aims to evaluate the composition of these supplements and seek evidence in the literature whether positive or negative in relation to the function of this product in performance and post-workout. Materials and methods: This is research with descriptive analysis of the carbohydrate gel labels from which the nutrients and their quantities were extracted and the data organized in a Microsoft Excel table that was later calculated as the frequency of common ingredients among the brands and the average of maximum and minimum quantities. Thirty-four products distributed among 19 manufacturers were evaluated. Results: The most commonly found nutrients and substances other than carbohydrates (100%) were sodium (91.18%), vitamin C (50%), potassium (47.06%), caffeine (41.17%), taurine (29.41%), vitamin E (26.47%), vitamins B3 and B6 (20.58%), vitamin B12 (17.65%). Carbohydrate gels have been shown to be effective in the studies found, although there are few of them. In addition, among the substances present in these products, caffeine, sodium, potassium, vitamin B3, and taurine showed proven benefits for performance. Conclusions: Many of the nutrients present in the supplements do not present values recommended by ANVISA. Therefore, it is essential to consult a nutritionist to decide whether or not the prescription of carbohydrate gel is necessary. Furthermore, the literature is still scarce about carbohydrate gels in physical activity.
KEYWORDS: physical activity; carbohydrate; performance; supplements
INTRODUÇÃO
A prática de atividade física é executada para diversos fins, tanto para sair do sedentarismo e melhorar a saúde, quanto para ter o corpo em forma para fins estéticos ou competir em alguma modalidade esportiva. Diante disso, cada situação exige um tipo de planejamento alimentar e suplementação, quando necessário. Dessa forma, o uso de recursos ergogênicos visa melhorar o desempenho de praticantes de atividade física, acelerar a recuperação depois do treino, evitar possíveis lesões e desordens metabólicas, balancear o ciclo circadiano, manter a imunidade, controlar o peso, garantir a hidratação e controlar a função gastrointestinal (1).
Os suplementos alimentares estão inseridos no dia a dia de pessoas que frequentam os mais diversos tipos de academias e podem ser constituídos por carboidratos, proteínas, lipídeos, vitaminas, minerais e outras substâncias, sendo consumidos de forma complementar na dieta para atender as funções metabólicas, fisiológicas e para sustentar a integridade do organismo, levando em consideração as individualidades de cada um (2). Sendo estes regulamentados pela Resolução da Diretoria Colegiada – RDC Nº 243, de 26 de julho de 2018, que dispõe dos requisitos sanitários necessários para a fabricação e comercialização deste tipo de produto (3).
Existe uma grande demanda por novos e inovadores produtos que gerem mudanças de estratégias nutricionais e/ou que possam fornecer uma vantagem competitiva para os primeiros adotantes. Em resposta a esta demanda, uma série de novos produtos foram desenvolvidos que pretendem melhorar o desempenho em relação aos suplementos nutricionais tradicionais, um exemplo recente são os carboidratos em gel (4).
O gel energético consiste em um carboidrato de alta concentração, simples e que geralmente possui algum sabor para melhorar a aceitação, sendo destinado para pessoas que praticam atividade física por um período maior que uma hora, tendo como vantagem rápida absorção e liberação acelerada de energia, além de evitar a perda de massa magra e possíveis interferências que possam atrapalhar o desempenho (5).
O carboidrato em gel é considerado uma suplementação muito eficaz, que melhora o desempenho dos atletas preservando a intensidade do treino com menor exigência cardíaca, relacionado à sua absorção rápida e a ingestão que não necessita de diluição prévia. Sendo assim, os carboidratos em gel não dependem de um processo lento de digestão, constituindo uma fonte rápida e prática de energia para o treino (6).
Devido o amplo uso de recursos ergogênicos por atletas e praticantes de atividade física, a presente pesquisa tem como objetivo verificar as principais substâncias presentes nos rótulos de géis de carboidrato e comparar com literatura científica as evidências a respeito dos benefícios de tais substâncias tanto na melhora da performance quanto na recuperação pós treino e dos possíveis malefícios, assim, contribuir para o maior conhecimento a respeito dos suplementos destinados a esportistas disponíveis no mercado, em especial o gel de carboidrato.
MATERIAL E MÉTODOS
Para realizar este estudo, fez-se uma pesquisa através de um website de buscas com as palavras “carboidratos em gel” ou “energy gel”, em abril de 2022, assim, aparecendo vários websites e opções dos produtos buscados.
Foram selecionados aleatoriamente os websites e realizada a busca com os termos citados anteriormente, sendo encontrados diversos produtos e marcas. Como critérios de inclusão foram selecionados todos os produtos ditos como “carboidratos em gel” ou “energy gel” e que apresentavam a sua rotulagem nutricional disponível na internet. Como critérios de exclusão, foram excluídos aqueles que não apresentavam rotulagem nutricional na internet bem como aqueles que possuíam a mesma marca, mas apresentavam apenas sabores diferentes sem alteração no rótulo.
Após a seleção dos produtos, foi realizada uma análise individual de cada um por meio da verificação da tabela nutricional dos mesmos no website oficial dos fabricantes e, em alguns casos, quando o fabricante não disponibilizou as informações, as tabelas nutricionais foram obtidas pela busca em websites de revendedores de suplementos, além de comparadas as tabelas de cada website para confirmar se eram iguais.
Foi realizada uma análise descritiva com as informações obtidas dos rótulos com os dados organizados em uma tabela do programa Microsoft Excel (ANO) contendo informações quanto aos tipos de nutrientes presentes e a quantidade que cada um apresentava na fórmula (em kg). A partir disso, foram calculados percentuais de frequência dos ingredientes em comum nas fórmulas bem como a média e as quantidades mínimas e máximas dos ingredientes.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após a busca pelos suplementos em sites específicos de vendas e na loja online dos fabricantes específicos, sendo todos brasileiros, constatamos 34 produtos diferentes, distribuídos entre 19 fabricantes.
Analisando as tabelas nutricionais dos carboidratos em gel, foram constatados um total de 29 nutrientes diferentes divididos entre os produtos que encontramos. Dentre os nutrientes mencionados, aqueles que se apresentavam com maior frequência foram 10, sendo o próprio carboidrato (presente em 100% dos rótulos – n=34), o sódio (presente em 91,18% – n=31), potássio (presente em 47,06% – n=16), vitamina B3 (presente em 20,58% – n=7), vitamina B6 (presente em 20,58% – n=7), vitamina B12 (presente em 17,65% – n=6), vitamina C (presente em 50% – n=17), vitamina E (presente em 26,47% – n=9), cafeína (presente em 41,17% – n=14) e taurina (presente em 29,41% – n=10).
A partir da análise mais específica das tabelas nutricionais, foi possível constatar que todas apresentavam a quantidade específica de cada nutriente, nos permitindo analisar melhor a quantidade desses nutrientes e buscar posteriormente como isso afeta o desempenho de quem consome o produto.
Na Tabela 1 é possível verificar a frequência absoluta dos ingredientes e a porcentagem de cada ingrediente no total de produtos analisados, além da representação da média, mínimo e máxima de cada nutriente.
Outros nutrientes estão presentes na composição nutricional destes suplementos, porém em menor frequência, sendo estes o magnésio (presente em 11,76% – n=4), vitamina B1 (presente em 11,76% – n=4), vitamina B2 (presente em 11,76% – n=4), vitamina B5 (presente em 11,76% – n=4), ácido clorogênico (presente em 2,94% – n=1), adenosina (presente em 2,94% – n=1), rutina (presente em 2,94% – n=1), proteína (presente em 11,76% – n=4), selênio (presente em 11,76% – n=4), cloretos (presente em 8,82% – n=3), fósforo (presente em 2,94% – n=1), L-leucina (presente em 5,88% – n=2), L-isoleucina (presente em 5,88% – n=2), L-valina (presente em 5,88% – n=2), L-arginina (presente em 2,94% – n=1) e fibra alimentar (presente em 2,94% – n=1).
De acordo com a Resolução do Conselho Federal de Nutrição (CFN) nº 380/2005, os suplementos nutricionais são alimentos que ajudam a complementar a quantidade diária necessária de nutrientes e/ou calorias de uma pessoa saudável quando a sua alimentação diária não é suficiente (7).
Os carboidratos tem como função primária suprir a necessidade de energia para o trabalho celular, sendo que uma forma de obter esse suporte nutricional é usando quantidades adequadas de suplementos de carboidratos que não causem desconforto estomacal e estarem de acordo com o consumo de energia (8, 9).
Deve ser utilizado carboidratos de baixo índice glicêmico (IG) antes do treino para que não ocorra o rebote glicêmico e o carboidrato de alto índice glicêmico (IG) deve ser consumido apenas durante e imediatamente após o treino para que se tenha os benefícios esperados (10). O consumo de carboidrato durante o exercício promove melhora no desempenho atlético, porém, o exercício com duração menor que 60 minutos suplementado com carboidrato ainda precisa ser mais bem investigado, o que difere de exercícios com duração maior que 60 minutos, onde esses exercícios apresentam uma resposta positiva quando se usa esse tipo de recurso ergogênico (11).
A dosagem de carboidrato durante o treino deve ser entre 30 a 60g por cada hora de exercício, diluído em água em uma proporção de 6 a 8%, sendo dividida e consumida a cada 15 minutos de exercício para que não haja desconforto gastrointestinal e hipoglicemia de rebote (10).
Praticantes de musculação, por exemplo, são aconselhados a consumir pelo menos 15 g de carboidratos dentro de 3 horas de suas sessões de treinamento. Se o treino contiver onze ou mais séries por grupo muscular ou se houver outro treino de alta intensidade planejado naquele dia para a mesma musculatura, pode-se garantir uma maior ingestão de carboidratos de até 1,2 g/kg/h para maximizar a ressíntese de glicogênio entre os treinos e garantir a manutenção da performance (12).
Foi notado com a análise dos rótulos dos produtos que a média da quantidade de carboidratos (24g) está abaixo do valor recomendado para treinos com duração acima de 60 minutos (30 a 60g/hora de exercício), sendo que apenas 7 apresentaram o valor mínimo para obter o efeito almejado (P = 34). Entretanto, a média da quantidade se enquadra para exercícios de alta intensidade (15g a cada 3 horas de treino), sendo que todos os produtos analisados atingiram o valor mínimo.
O carboidrato em gel é um produto fonte de energia que é fácil e rápido de digerir, por isso é conhecido como fonte de energia rápida, sendo mais recomendado para treinamento de longa duração, pois este fornece glicose para o organismo, de forma que o corpo não irá precisar usar suas reservas e evita comprometer o desempenho do atleta (13).
Um estudo sobre atletas de surfe avaliou algumas necessidades alimentares dos mesmos antes e durante os treinos, constatando a necessidade do consumo de carboidratos, na qual os carboidratos em gel se tornaram uma boa opção pois estes atletas poderiam fazer a suplementação sem a necessidade de sair da água (9).
Apesar desses suplementos serem de fácil acesso e serem uma boa fonte de consumo para ganho e recuperação de energia, não foi fácil encontrar na literatura artigos que abordassem sobre o que são, como funcionam e seus efeitos em atletas.
Em um estudo de intervenção, sete jogadores universitários de futebol americano foram submetidos a um treinamento elaborado de corrida voltado ao esporte praticado dividido em duas partes separadas por um período de sete dias e foram suplementados com carboidratos em gel e uma bebida de laranja sem carboidratos adoçada artificialmente. Constatou-se que o consumo deste suplemento antes e a cada 15 minutos durante o exercício intermitente, gerou melhoras na capacidade de corrida em 45% comparado ao período em que tomaram a bebida de laranja (14).
No Brasil, publicou-se em 2018 uma resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a RDC Nº 243 de julho, que fala acerca das normas sanitárias desses suplementos, na qual estão enquadrados os alimentos para atletas, os quais não podem conter substâncias estimulantes, hormônios ou outros compostos proibidos pela Agência Mundial Antidoping (15). Somado a isso, também foi publicada a Instrução Normativa Nº 28 de Julho de 2018, que dispõe a listagem de constituintes, de limites de uso, de alegações e de rotulagem dos suplementos, no caso, para o gel de carboidratos a quantidade mínima por porção para atletas é de 19,5 g, não sendo estipulado o limite máximo (16). Foi observado que apenas 24 dos produtos analisados atingiam essa quantidade mínima (P=34).
Apesar dos benefícios dos suplementos nutricionais quando inseridos adequadamente, é preocupante as questões que envolvem a administração incorreta desses recursos e isso se dá pela ausência de regulamentações mais rigorosas deixando os indivíduos expostos a perigos nutricionais, visto que sem a orientação profissional esses produtos podem causar alterações nos rins, sobrecarga hepática, problemas neurológicos, hipercalcemia, hipertermia, arritmias, doenças coronárias e aterosclerose (17). Dentre as causas desses prejuízos, estão a substituição excessiva de refeições balanceadas por suplementos e a ingestão de produtos que não atuam em nada na performance, podendo serem prejudiciais quando utilizados a longo prazo, ambos os exemplos são decorrentes da administração sem orientação de um profissional de saúde (18).
Ao analisar a literatura, percebemos uma certa carência de artigos que abordassem os efeitos dos carboidratos em gel, entretanto a literatura tem vários artigos sobre os efeitos comprovados de forma isolada ou combinada das vitaminas, minerais e demais nutrientes que são apresentados na rotulagem destes suplementos.
A cafeína demonstra efeito ergogênico apresentando resultados positivos na diminuição da dor muscular, no aumento do consumo de oxigênio no período da atividade física e dessa forma reduzindo a fadiga, além de promover um maior consumo de gordura e consequentemente privando o glicogênio muscular (19).
Os efeitos gerados pela suplementação de cafeína foram evidentes em um estudo realizado com 26 atletas de triatlo, sendo 14 homens e 12 mulheres onde cada um fez a ingestão de 6mg/kg de cafeína e foram submetidos às provas de natação, ciclismo e corrida, nas quais os atletas de ambos os sexos apresentaram melhora no tempo de conclusão das provas quando comparado a cafeína com o placebo (20).
A taurina desempenha um papel importante no aumento dos marcadores anti-inflamatórios com seus derivados que previnem a permeabilidade vascular que acontece por conta do aumento do influxo de neutrófilos e da sintetização de citocinas pró-inflamatórias que aumentam durante o exercício e também pelas inflamações no período de recuperação, pode retardar a dor muscular de início tardio (21).
O uso da taurina para a performance é proposto pela grande quantidade desse aminoácido no músculo esquelético e por suas funções fisiológicas no metabolismo energético, no estresse oxidativo (diminuindo os radicais superóxidos e auxiliando nas adaptações e desempenho no exercício) e ação anti-inflamatória, no entanto, mais estudos em humanos são necessários para evidenciar sua atuação no exercício, mas os benefícios são evidentes no que diz respeito a foco e concentração (22).
As vitaminas e minerais atuam em processos dentro das células que estão relacionados ao metabolismo energético, contração, reparação, desenvolvimento de tecidos e músculos, ritmo cardíaco, transporte de oxigênio, saúde dos ossos, cofatores no metabolismo dos macronutrientes, dentre outras funções reguladoras da saúde, do organismo e do desempenho de atletas (23).
A vitamina B3 funciona com coenzima nos processos de beta oxidação dos aminoácidos, glicólise, fermentação lática e alcoólica, conversão de piruvato em acetil-CoA, entre outros (24). Nesse sentindo, a carência desse nutriente compromete a síntese proteica e o metabolismo aeróbio diminuindo as funções ergogênicas no metabolismo energético e consequentemente prejudica o desempenho físico (25, 26)
Outro exemplo é que a suplementação de vitamina C e E promove efeitos benéficos sobre a peroxidação lipídica, dano muscular, resposta inflamatória e hemólise, decorrentes da produção de EROs (Espécies reativas de oxigênio) após exercícios extenuantes. Entretanto, a formação de EROs resultante do metabolismo atua como importante regulador do sistema antioxidante natural, promovendo homeostase corporal, e aumenta resposta insulínica, assim, o uso destes suplementos antioxidantes, como a vitamina E e C, pode reduzir a concentração fisiológica destes agentes oxidativos, inibindo adaptações favoráveis do exercício (27). Nesse sentido, os antioxidantes presentes nos produtos analisados podem dificultar a adaptação ao treino o que pode impactar na redução da performance, sendo que 26 deles apresentavam a vitamina C ou E em sua composição.
Entre os minerais observados, os principais pontos em comum nos produtos analíticos foram sódio e potássio, que estão envolvidos na manutenção do equilíbrio hídrico normal, equilíbrio osmótico, equilíbrio ácido-base e regulação da atividade neuromuscular. As concentrações de sódio e potássio determinam o potencial de membrana de nervos e músculos (28).
A reposição de eletrólitos (principalmente o sódio) expelidos durante a transpiração no exercício físico acelera o processo de reidratação, aumentando a retenção de líquidos e melhorando a recuperação do volume plasmático após o trabalho realizado, logo, a ingestão de bebidas ou alimentos contendo sódio e potássio pode auxiliar na reposição de líquidos e na perda de eletrólitos (29).
Outro fator importante de se reportar é que as quantidades de substâncias em diferentes suplementos variam muito, dificultando a verificação de qualquer padronização de ingredientes por essas médias. Ao considerar os valores mínimos e máximos para cada ingrediente, nota-se que alguns suplementos utilizam menos ou mais que o valor recomendável de cada nutriente pela ANVISA na Instrução Normativa – IN Nº 28, de 26 de julho de 2018 para conseguir o efeito esperado daquele suplemento.
Usando como exemplo, o limite mínimo de cafeína que deve ser fornecido pelos suplementos alimentares dentro da recomendação diária é de 75 mg e o limite máximo é de 200 mg para indivíduos com idade maior ou igual a 19 anos, e é permitida a recomendação diária de 400 mg, exclusivamente para atletas, desde que a dose individual não ultrapasse 200 mg. O limite máximo de taurina que pode estar presente em suplementos alimentares na recomendação diária é de 2000 mg para indivíduos com idade igual ou superior a 19 anos, não havendo consenso acerca do limite mínimo. Logo, valores menores ou maiores que estes, como apresentados em alguns rótulos, podem não apresentar o efeito ergogênico desejado ou causar efeitos indesejados, sendo que dos produtos analisados a média da quantidade de cafeína (63,25 mg) apresentou valor inferior ao mínimo recomendado (75 mg) sendo que apenas 6 dos produtos que continham cafeína (n=14) atingiram o valor mínimo, além disso, todas as fórmulas que continham taurina em sua composição estavam dentro do valor máximo estabelecido.
A quantidade mínima para a vitamina Niacina (vitamina B3), vitamina C e vitamina E é de 2,4 mg, 13,5mg e 2,25mg, respectivamente, e a quantidade máxima é de 35mg, 1916,02mg, 1000mg, respectivamente.Nesse sentido, foi constatado nos rótulos analisados que a quantidade média tanto de niacina quanto de vitamina C e E apresentaram valores dentro dos limites mínimos e máximos estabelecidos. Entretando, foi verificado que do total de fórmulas que continham niacina (n=7) apenas uma estava abaixo do valor mínimo, ainda, das fórmulas que continham vitamina C (n =17), 4 delas não atingiram o valor mínimo recomendado, e das que continham vitamina E (n= 9), 2 delas não atingiram o mínimo recomendado.
Para a reposição de fluidos é recomendado conter ~ 20-30 meq · L −1 (460-690 mg/L) de sódio (cloreto como ânion), ~ 2-5 meq · L −1 (78-195mg/L) de potássio e ~ 5-10% de carboidrato. A necessidade desses diferentes componentes (carboidratos e eletrólitos) dependerá da tarefa de exercício específica (por exemplo, intensidade e duração) e das condições climáticas. O sódio e o potássio ajudam a substituir as perdas de eletrólitos no suor, enquanto o sódio também ajuda a estimular a sede e os carboidratos fornecem energia. Esses componentes também podem ser consumidos por fontes não fluidas, como géis, barras energéticas e outros alimentos (30).
Assim, foi constatado que a concentração da quantidade média de sódio presente nos produtos (3.305 mg/L) supera o recomendado para reposição de eletrólitos (460-690 mg/L), bem como ocorre com a concentração de potássio (1.837,7 mg/L) superior à concentração recomendada (78-195 mg/L). Entretanto, devido à mínima quantidade desses micronutriente apresentada no produto, é possível considerar que não cause prejuízos à saúde.
Outro ponto importante a se mencionar, é que apesar de algumas vitaminas aparecerem entre os nutrientes com maior prevalência nas tabelas nutricionais avaliadas deste estudo, estes não se relacionam diretamente com a performance e desempenho físico de quem consome carboidratos em gel, porém tem outros benefícios aparentes.
A vitamina B6 é importante de forma significativa para a saúde mental, pois participa da síntese de variados neurotransmissores responsáveis pela manutenção do sistema nervoso central (31). A baixa ingestão dessa vitamina no organismo se manifesta de algumas formas com alguns sintomas como alteração do estado mental, lesões de pele, fraqueza e em alguns casos, convulsões, dentre outros (32).
A Vitamina B12, também conhecida como cianocobalamina, é necessária para a síntese de DNA, RNA e metabolismo de macronutrientes. Auxilia também na manutenção do sistema nervoso e ósseo (31). Quando o organismo se encontra com deficiência desta vitamina, ocorre anemia perniciosa a qual se caracteriza pelas células vermelhas grandes, imaturas e falhas no sistema nervoso, ocorrendo por conta dos danos que são causados na construção do sangue (32).
CONCLUSÃO
Levando em consideração que o suplemento em gel de carboidratos é muitas vezes usado como um tipo de “pré-treino”, dependendo do horário que a pessoa vai treinar e usar este produto, seria necessário um adicional de suplementação para atingir o mínimo recomendável para se ter algum efeito desejado, porém isso poderia ocasionar mais riscos à saúde ao considerar que há outros ingredientes dentro da mistura.
Entre os macronutrientes e micronutrientes presentes nos suplementos, percebe-se que há uma grande disparidade entre os valores de cada suplemento, onde muitos deles não apresentam o recomendado pela ANVISA quanto aos valores recomendados para uso.
Com isso, observa-se que a utilização de suplementos nutricionais é indicada geralmente por professores de academia e/ou amigos que já utilizam determinado produto, sendo fundamental que não apenas praticantes de atividade física, mas qualquer pessoa que ingira de maneira incorreta os suplementos deve procurar acompanhamento nutricional. Apenas um profissional especializado, como o nutricionista, pode prescrever a necessidade de suplementos em relação a quantidade, tempo de uso e posologia, além de avaliar o contexto individual de cada pessoa para a realização de uma prescrição correta.
Logo, percebe-se também que a literatura ainda carece de mais artigos que falem do suplemento em gel de carboidratos e seus efeitos na performance física de esportistas, para poder gerar melhor conhecimento e segurança àqueles que prescreverão este produto a pessoas.
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