ANÁLISE DAS CONDIÇÕES DE MANIPULAÇÃO E COMÉRCIO DE ALIMENTOS EM FEIRA LIVRE
Capítulo de livro publicado no livro do VIII ENAG E CITAG. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062046-40
Este trabalho foi escrito por:
Rebeca Paz de Medeiros ; Luís Guilherme Sucra dos Santos ; Pierre Corrêa Martins
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: As feiras livres se caracterizam pelo comércio de produtos ofertados predominante in natura. O objetivo desse trabalho foi a avaliação das condições de comercialização de alimentos da Feira de Jaguaribe, localizada em João Pessoa/PB. Determinaram-se os perfis do seu comércio e dos seus comerciantes e a análise das condições higiênico-sanitárias de suas instalações e seus manipuladores. Foram realizadas diversas visitas ao local com aplicação de questionários baseados nas informações das RDCs 275/2002 e 216/2004 e de outras fontes técnicas. O perfil de comércio da feira demostrou que as suas atividades são realizadas com bancas itinerantes em área descoberta, cujos materiais de origem vegetal e animal representam 77% e 17%, respectivamente, de toda sua comercialização. Seus estabelecimentos apresentaram um elevado número de não conformidades em relação as diretrizes da legislação técnica adotada, cujas proporções inconformes foram de 77% e 90% para seus boxes e suas bancas. O perfil dos comerciantes revelou que são, predominantemente, do sexo feminino com faixa etária de 31 a 40 anos, têm de 12 a 20 anos aplicados ao serviço local e ensino fundamental completo, cuja principal insatisfação é a falta de higiene do local. A proposta de melhoria comercial dessa feira contempla o uso de bancas adequadas e a sua setorização para cada tipo de alimento, disponibilidade de pontos individualizados de água tratada e energia aos estabelecimentos e cobertura da área livre descoberta. O funcionamento adequado da Feira de Jaguaribe proporciona a oferta de alimentos saudáveis e um ambiente atrativo de visitação para a população.
Palavras–chave: alimentação; contaminação; saúde pública
Abstract: The free fairs are characterized by the trade of products offered predominantly in natura. The objective of this work was to evaluate the conditions of commercialization of food at Feira de Jaguaribe in João Pessoa/PB. The profiles of its trade and its traders were determined, as well as the analysis of the hygienic-sanitary conditions of its facilities and its handlers. Several site visits were carried out with the application of questionnaires based on information from RDCs 275/2002 and 216/2004 and other technical sources. The trade profile of the fair showed that its activities are carried out with itinerant stalls in an open area, whose materials of plant and animal origin represent 77% and 17%, respectively, of all its commercialization. Its establishments presented a high number of non-conformities in relation to the guidelines of the adopted technical legislation, whose non-conforming proportions were 77% and 90% for their boxes and their stalls. The merchants’ profile revealed that they are predominantly female, aged between 31 and 40 years old, range at 12 – 20 years applied to the local service and complete elementary education, whose main dissatisfaction is the lack of local hygiene. The commercial improvement proposal of this fair includes the use of adequate stalls and their sectorization for each type of food, availability of individual points of treated water and energy to establishments and coverage of the open area uncovered. The proper functioning of the Jaguaribe Fair provides the supply of healthy foods and an attractive visiting environment for the population.
Keywords: food; contamination; public health
INTRODUÇÃO
Nos dias atuais o número de pessoas que frequentam comércios populares tem elevado seu fluxo de maneira gradativa, na intenção de obter produtos com valor reduzido e de boa qualidade. Dentre os vários setores, as feiras livres e mercados públicos são os que mais se destacam na venda de produtos alimentícios aos consumidores, tendo em vista o critério estabelecido individualmente de consumir produtos in natura (1).
As feiras livres foram criadas para permitir que o produtor rural possa oferecer diretamente ao consumidor produtos de sua atividade, sem intermediários, e sem tornar-se comercialmente profissional (2). Esse comércio promove o desenvolvimento econômico e social, fomentando a economia das pequenas cidades interioranas (3). Existe uma preferência do consumidor por feiras livres devido à crença de que os seus alimentos comercializados são sempre frescos e de qualidade superior. Porém, por serem instaladas de forma itinerante em praças e vias públicas para promover comodidade aos seus consumidores, podem também, acarretar problemas de difícil solução, tais como, a contaminação dos alimentos, a dificuldade ao tráfego público e outros (2). Os estudos de Almeida et al. (4) relatam que essa exposição dos produtos é uma prática frequente nas feiras livres, onde os alimentos ficam expostos a condições higiênico-sanitárias bastante precárias, tornando-os altamente susceptíveis a contaminações, inclusive pela microbiota patogênica. Essa problemática atinge a cidade de João Pessoa, capital do estado da Paraíba e composta por 825.796 habitantes de acordo com o IBGE (5). A cidade tem atualmente nove mercados públicos, um centro de comercialização de agricultura familiar, nove feiras livres e um centro de distribuição e abastecimento de alimentos (EMPASA). Esses estabelecimentos públicos estão distribuídos em diferentes bairros da capital e existem diversas feiras livres que necessitam de revitalização para se enquadrarem no perfil de espaços urbanos que propiciem o bem-estar, a comodidade, a socialização e outros diversos aspectos das relações sociais de uma comunidade.
Assim, foi escolhida a Feira de Jaguaribe, localizada no bairro de Jaguaribe, como objeto desse estudo por se tratar de uma feira livre tradicional. A proposta desse trabalho foi avaliar as condições de manipulação e comércio dessa feira propondo adequar suas técnicas de funcionamento e infraestrutura as normas brasileiras de boas práticas de manipulação e comercialização de alimentos, principalmente as RDCs 216/2004 (6) e 275/2002 (7) da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a fim de tornar seu ambiente em um local agradável, dispondo de alimentos seguros, livres de contaminação microbiana, aos seus usuários e frequentadores.
MATERIAL E MÉTODOS
O material de estudo foi à Feira Livre de Jaguaribe e todo seu universo comercial (alimentos comercializados, instalações físicas e manipuladores, comerciantes), localizado no bairro de Jaguaribe em João Pessoa, Paraíba.
Análise das condições de manipulação e comércio dos alimentos
Para esse estudo foram coletadas as informações sobre o perfil do comércio, o diagnóstico das condições higiênico-sanitárias das instalações e dos manipuladores de alimentos e o perfil dos comerciantes da Feira de Jaguaribe.
A determinação do perfil de comércio presente e atuante da feira foi realizada por meio de um mapeamento de todas as suas bancas e instalações comercializadoras de alimentos, o qual foi elaborado da seguinte forma:
10) Foi observado in loco, em visitas a Feira de Jaguaribe, a disposição espacial dos seus estabelecimentos comerciais (bancas e boxes) e coletadas informações da atual planta baixa da estrutura física disponível do seu local disponibilizada pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano (SEDURB) de João Pessoa/PB.
20) Foi elaborado um mapa com a disposição atual desses estabelecimentos comerciais através da associação das informações coletadas in loco e obtidas da planta baixa da feira.
30) Realizou-se a identificação dos tipos de produtos comercializados em cada estabelecimento comercial existente na feira.
O diagnóstico das condições higiênico-sanitárias das instalações e dos manipuladores de alimentos da Feira de Jaguaribe foi realizado através da aplicação de questionários técnicos (checklists) adaptado da RDC nº 275/2002 (7) e de Decretos e Normativas federais, estaduais e municipais de saúde pública para o conhecimento das condições higiênicas das bancas e dos boxes existentes nesse local. O uso dessa resolução normativa (RDC nº 275/2002) da ANVISA se deve ao fato da inexistência de legislações em vigor que tenha como abrangência específica para as feiras livres e os mercados públicos. Portanto, foi utilizado o procedimento adotado pelos fiscais sanitários municipais da Gerência de Vigilância Sanitária de João Pessoa (GVS/JP) em suas inspeções sanitárias aplicadas aos estabelecimentos comerciais de alimentos situados em João Pessoa/PB. Eles fazem uso das informações contidas nas resoluções e portarias gerais para industrializadores, produtores, comercializadores e manipuladores de alimentos, empregadas pelo Ministério da Saúde (MS) e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) para averiguação das condições comerciais desses locais. Assim, foi possível analisar pontos de total relevância para esse estudo, tais como: as condições das edificações e instalações (piso, paredes e teto); instalações sanitárias; higiene das instalações; controle integrado de vetores e pragas urbanas; abastecimento de água; manejo de resíduos; esgotamento sanitário; layout (desenho) do ambiente; condições dos equipamentos, móveis e utensílios; o estado geral dos manipuladores de alimentos (vestimenta, asseio pessoal, estado de saúde aparente e uso de equipamentos de proteção individual-EPI’s); e a existência e execução de programas de capacitação técnica para esses manipuladores.
Portanto, foi elaborada uma planilha de coleta de dados para se obter as informações do: (i) tipo de produto comercializado; (ii) turno de vendas do comércio; (iii) fluxo de fornecedores e de armazenamento das mercadorias no decorrer da feira (antes, durante e após período de realização da feira). O registro fotográfico do ambiente e das condições de armazenamento e venda dos produtos também foi realizado para identificação dos dados coletados e tratamento dos resultados obtidos. A análise do perfil dos comerciantes da feira foi definida por um breve formulário aplicado ao entrevistado que informou dados pessoais (idade, tempo de serviço, escolaridade) e opiniões sobre determinadas perguntas técnicas propostas. Foi realizado o teste de Associação de Palavras, no qual foi solicitado ao feirante entrevistado que citasse três (3) palavras que refletisse a sua relação com o ambiente da feira.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Perfil do comércio da Feira Livre de Jaguaribe
Nas visitas in loco a Feira Livre de Jaguaribe foram coletadas informações do número de bancas e de seus respectivos tipos de alimento comercializado. A classificação comercial das bancas foi baseada no tipo de alimento ou produto comercializado em cada estabelecimento, agrupando-as segundo a procedência similar desses alimentos para se estratificar de forma mais compacta o perfil do seu comércio. O Quadro 1 apresenta as informações do perfil do comércio atual da Feira de Jaguaribe, apresentando os grupos de alimentos comercializados e seus produtos, a quantidade e a proporção de suas bancas comerciais.
Os resultados do Quadro 1 demonstram que a Feira de Jaguaribe é composta por 450 bancas, ofertando a venda de diferentes tipos de produtos, cujos preços podem variar conforme a data e a disponibilidade de demanda dos materiais. As bancas foram agrupadas, de acordo com seus produtos comercializados, na seguinte ordem comercial de oferta de produtos: vegetais, proteínas e derivados de origem animal, alimentos processados e refeições alimentares. Os alimentos comercializados na forma in natura feira correspondem por 94,22% do comércio dessas bancas, representados pelos alimentos de origem vegetal e animal. Atualmente os alimentos com maior oferta são as frutas com 176 bancas comerciais, seguido de 94 bancas para hortaliças, 72 bancas para as raízes/tubérculos/feijão, 30 bancas para venda de carnes, 15 bancas para produtos lácteos (queijos e manteigas), 12 bancas de temperos e especiarias (cominho, pimenta, canela, alho, semente de coentro, colorífico e outras especiarias destinadas a chás), 11 bancas para venda de ovos (tanto em unidade, quanto a bandeja fechada), 9 bancas para a venda de vísceras bovinas (miúdos), 8 bancas para o comércio de frangos (inteiro ou os cortes) e outras que ofertam produtos vegetais e animais e, também, refeições com esses produtos frescos. Observou-se nessas visitas ao local, que as bancas estavam situadas em local descoberto, expostas ao ambiente local, dispostas de forma aleatória, não se constatando qualquer distribuição adequada para o seu comércio. Verificou-se que uma significativa proporção do ambiente físico da feira estava sob reforma (35% da área total destinada a ocupação pelas bancas itinerantes), cujas obras constavam de atraso operacional, acréscimo de 18 meses em seu período proposto pela unidade administrativa executora (Prefeitura de João Pessoa/PB), causando assim, diversos transtornos aos seus comerciantes e consumidores.
As informações do Quadro 1 e da localização dessas bancas, coletadas nessas visitas presenciais a feira, foram inseridas na sua planta baixa disponibilizada pela SEDURB, obtendo-se uma real visualização da disposição das bancas e de seus produtos mais comercializados. Esse o mapa atual da feira descreve seu layout comercial no formato de um semicírculo de sua área física, contendo dois pavilhões de alvenaria em sua base, representando o local de entrada para a feira. Nesse espaço descoberto e amplo do semicírculo estão distribuídas aleatoriamente as bancas itinerantes e nos pavilhões de alvenaria estão localizados os boxes fixos com diversos tipos de comércio. Essas edificações são denominadas de Pavilhão A (PA), contendo 21 boxes, e Pavilhão B (PB), com 19 boxes, Nesses boxes são ofertados diversos serviços, tais como: lanchonetes, restaurantes do tipo self-services, oficina de moto, venda de produtos veterinários, venda de material escolar, minimercado, gráfica e outros. Todos os boxes comércio de alimentos desses pavilhões da feira somam 17 estabelecimentos, representando apenas 3,6% de todo esse tipo de atividade comercial.
Em geral, a Feira de Jaguaribe tem uma relevante importância econômica e social local para a comercialização de alimentos devido ao elevado número de estabelecimentos alocados. Esse mercado representa a oferta de trabalho e renda para a sua comunidade e o acesso ao consumo de uma diversificada quantidade de alimentos para a população. É um comércio forte, com potencial e histórico, mas atualmente carece de recursos e de atenção dos órgãos públicos e da sociedade civil organizada para seu funcionamento.
Condições higiênico-sanitárias das instalações e dos manipuladores de alimentos
A avaliação das condições higiênico-sanitárias das instalações e dos manipuladores de alimentos da Feira de Jaguaribe foi realizada através da quantificação, em valores percentuais, de itens em conformidade com as normas vigente através da aplicação de questionários (checklist baseados nas RDCs nº 275/2002 e nº 216/2004 e demais normas técnicas regionais e locais). Os questionários foram aplicados de forma única, um checklist representativo da averiguação de todas as bancas dos feirantes da área livre e o outro checklist representativo de todos os boxes dos Pavilhões da Feira Pública de Jaguaribe. Essa metodologia de aplicação segue o procedimento adotado pela Gerência de Vigilância Sanitária (GVS/JP) nas operações de fiscalização das feiras públicas realizadas na cidade de João Pessoa/PB.
A Tabela 1 apresenta os itens do checklist adaptado da RDC nº 275/2002 para avaliar as condições higiênico-sanitária das instalações comerciais e de seus materiais e manipuladores das bancas, localizadas na área descoberta em semicírculo, e dos boxes, instalados nos Pavilhões de alvenaria A e B, da Feira de Jaguaribe.
Os valores dos números de itens de cada categoria avaliada nos checklists aplicados as bancas e aos boxes da feira, incluindo seus materiais e manipuladores, apresentados na Tabela 1 demonstram que se avaliou um maior número de itens dessas categorias nos boxes em relação as bancas devido a maior infraestrutura existente nesses estabelecimentos (paredes, equipamentos, outros). Os resultados da aplicação desses checklists, contendo as exigências requeridas nos itens de cada categoria higiênico-sanitária avaliada, demonstraram as proporções de inconformidades observadas nesses estabelecimentos, cujos valores estão apresentados na Figura 1.
As expressivas proporções de inconformidades dos itens avaliados das categorias das condições higiênico-sanitárias aplicadas para descrever as boas práticas de manipulação, acondicionamento e armazenamento dos alimentos nos estabelecimentos comerciais da Feira de Jaguaribe apresentadas na Figura 1 demonstram as precárias condições de higiene do local.
Foram avaliados os 60 itens no checklist aplicado as bancas, sendo que apenas 10% desses se encontravam em conformidade. Todos os itens conformes estão relacionados a pontos gerais do ambiente, tais como: existência de abastecimento de água ligada a rede pública; existência de responsável para a coleta de resíduos; esgoto conectado a rede pública e com as tampas em bom estado de conservação. Nas bancas de frutas, hortaliças, raízes e tubérculos a problemática encontrada foi a mesma. Os comerciantes borrifavam água sobre as hortaliças com o auxílio de baldes sem higienização e utilizavam a mesma água para a lavagem das raízes. Esses vegetais sofrem danos devido a sua exposição direta em bancas de madeira e o odor dos líquidos decorrentes da sua decomposição é constante. As frutas em diferentes estágios de maturação são apresentadas aos clientes em um único recipiente de exposição. Esse procedimento de exposição de frutas em diferentes estágios de maturação comercializados nas feiras livres também foi constatada por Farias et al. (8) em seu estudo sobre as condições higiênico-sanitárias dos alimentos comercializados nas feiras livres e mercados públicos da cidade de Hidrolância/CE. Isso indica que tal problemática nas bancas da Feira de Jaguaribe é similar a observada nas demais feiras livres do Brasil. Outro problema verificado nessas bancas da Feira de Jaguaribe está realacionado a manipulação, acondicionamento e armazenamento dos seus produtos. Foi observado que os alimentos e seus produtos são manipulados, muitas vezes, conjuntamente com notas de papel e moedas de dinheiro pelos feirantes. Os alimentos são armazenados, muitas vezes, sobre caixotes sem higienização, lonas plásticas, papelão, jornais e sacos plásticos destinados a ração animal. As bancas de comercialização de produtos de origem animal apresentaram situações ainda mais agravantes de contaminação e deterioração dos seus alimentos, pois esses estão mais susceptíveis a contaminação microbiana devido a sua composíção e condição física, química e fisico-química estrutural (atividade de água, pH e teor proteíoco favoráveis ao crescimento bacteriano, por exemplo). Esses materiais são altamentente perecíveis e na feira são comercializados, predominantemente, de forma in natura ou semi-conservados (produtos de conteúdo de umidade intermediária, na faixa de 40 a 50% de umidade em base úmida). Nesse tipo de atividade comercial se produz uma grande quantidade de resíduos (gordura, pele do animal, sangue) dos cortes das carcaças dos animais. Na feira, esses descartes são acondicionados em ambiente local (recipientes expostos a temperatura e ar ambiente), os quais após determinado período se transformam em dejetos putrefados e começam a exalar um odor forte que torna o seu ambiente comercial muito desagradável. As carnes são descarregadas em suas respectivas bancas, ainda durante a madrugada, onde são deixadas no local sem o uso de refrigeração ou qualquer outro método de conservação. Elas são apresentadas aos clientes penduradas em ganchos de ferro ou alumínio e expostas a temperatura ambiente. A comercialização de pescado nas bancas da feira apresenta inconformidades similares as aplicadas em carnes vermelhas. Esses produtos são transportados e descarregados dentro de caixas térmicas de poliestireno rígido (isopor), com baixo ou alto efeito de isolamento térmico, contendo gelo em escama, o qual não é permitido para contato direto com produtos alimentícios isentos de uma embalagem primária de acordo com a Resolução CGSIM nº 51 de 11 de Junho de 2019. Após a descarga e acondicionamento, muitos desses pescados são expostos na banca, dispostos em contato direto com a lona plástica que reveste a banca de madeira e sem resfriamento. Por estarem expostos a temperatura ambiente e sem nenhuma proteção, os pescados tem sua atividade enzimática acelerada e liberam o odor carcaterístico de sua decomposição biológica, atraindo diversos insetos para o ambiente local. Os feirantes que comercializam frangos também dispõe de práticas similares em suas bancas, pois seus produtos são acondicionados em sacos plásticos e dispostos sobre suas bancadas a temperatura ambiente. Nas proximidades das bancas, pode-se observar consideráveis aglomerações de pessoas que fumavam, conversavam entre si, salivavam no chão e manipulavam dinheiro, frangos e seus cortes de forma simultânea. Tais irregularidades também foram observadas por Martins, Ferreira (9) em feiras livres de Macapá. Eles citam que 90% dos manipuladores de produtos de origem animal (carnes, frangos, pescados) fumavam e manipulavam dinheiro durante a comercialização dos seus alimentos. O método de exposição das carnes, pescados e frangos nas bancas da Feira de Jaguaribe está em desacordo com a RDC nº 216/2004, a qual informa que as matérias-primas caracterizadas como produtos perecíveis, devem ser expostas a temperatura ambiente apenas pelo tempo mínimo para a preparação do alimento, a fim de não comprometer a qualidade higiênico-sanitária do alimento preparado.
A área livre está exposta e apresenta vários tipos de vetores de contaminação identificados pela presença de animais, insetos e outros agentes transmissores de contaminantes de alimentos. Seu ambiente está em contato direto com as vias urbana e sua população, não dispõem de barreiras físicas ou de agentes reguladores desses vetores de contaminação dos seus alimentos comercializados. Permitindo assim: a entrada de animais, poeiras, insetos e outros; o despejo de objetos em desuso e inadequados em seu ambiente; o acúmulo de lixo junto as bancas comerciais. Destacam-se outras problemáticas estruturais na área livre de comercialização destinada as bancas, tais como, o layout inadequado da área descoberta e a aleatoridade de distribuição desses estabelecimentos itinerantes que não configuram um fluxo adequado, lógico para o escoamento e trânsito de mercadorias e pessoas. Os produtos de origem animal se misturam aos produtos de origem vegetal e, por vezes, são comercializados na mesma banca, podendo acarretar uma contaminação cruzada entre tais alimentos. O piso da área descoberta é irregular, sem sistema de drenagem, o qual permite o acúmulo de água e sujeiras. Essa falta de organização generalizada das feiras livres é um problema em diversas regiões do Brasil, pois os estudos de Lima, Santos (10) em feira livres de pescado das cidades de Macapá e Santana apresentam situações similares aos observados na Feira de Jaguaribe, os quais são associados a falta de higiene local desses ambientes. A ausência de pontos adequados de distribuição de água potável e de energia para os feirantes e suas bancas é outro fator que justifica as péssimas condições higiênico-sanitárias do local. Outro agravante é a ausência de lixeiras para o descarte dos resíduos das atividades dos feirantes, cujo material é depositado no piso do ambiente ao redor das bancas comerciais.
Em relação a análise das condições higiênico-sanitárias dos boxes comerciais localizados nos pavilhões da feira, observa-se na Figura 1B que a proporção de inconformidades dos itens avaliados foi superior a 77%. Esse resultado não satisfatório e se deve a vários problemas, sendo esses: as instalações se apresentavam em más condições de higiene; suas paredes estavam revestidas por material permeável e apresentam falhas no reboco e rachaduras; suas lixeiras não apresentavam dispositivo de abertura não manual; suas lâmpadas estavam sem proteção contra queda ou explosão; sua fiação elétrica estava exposta; seus produtos de higiene estavam armazenados em local inadequado e muitos desses sem registro do Ministério da Saúde (MS); seus utensílios de manipulação e transformação de alimentos apresentavam péssimo estado de conservação (panelas encrostadas e amassadas, colheres de madeira, utensílios de plástico danificados) e de higiene, sendo armazenados em local sem proteção contra pragas urbanas, poeira e sujidades; seu ambiente interno estava necessitando de higienização geral do local; presença de acúmulo de lixo; presença de animais no ambiente; seus manipuladores não tinham sem vestimenta adequada (roupas exclusivas a atividade, em bom estado de conservação e de higiene, de cor clara) e alguns apresentavam afecções cutâneas (pequenos cortes) nas mãos. Todos esses pontos observados estão divergindo dos itens que são discutidos e exigidos na RDC nº 216/2004.
O Quadro 2 apresenta as principais inconformidades registradas pela aplicação dos checklists nos estabelecimentos comerciais da Feira de Jaguaribe (bancas e boxes). Essas estão apresentadas em um número máximo de duas situações por categoria avaliada, classificadas e ordenadas como os fatores mais agravantes (críticos) quanto à contaminação dos alimentos e os riscos de proporcionar problemas de saúde pública.
As informações do Quadro 2 informam as principais deficiências que devem ser corrigidas imediatamente. A reestruturação do desenho (layouts) estrutural para a disposição das bancas itinerantes, a adequada disponibilidade de pontos de acesso a água e a energia a todos estabelecimentos, a presença de recipientes e área adequada para acondicionamento e coleta de lixo e a disponibilidade adequada de infraestrutura física, mobiliário e equipamentos nas bancas e boxes para a oferta, manipulação, acondicionamento e estocagem dos seus produtos comercializados são pontos críticos destacados nesse estudo para a proposta de revitalização da Feira de Jaguaribe.
Foi aplicado outro questionário para avaliar o perfil dos comerciantes da Feira de Jaguaribe e foram entrevistados 51 comerciantes das bancas itinerantes localizadas na sua ampla área descoberta, na qual é realizada 96,4% de toda a sua atividade comercial de alimentos. A análise dos resultados do checklist de avaliação perfil dos comerciantes foi estratificada em diversas partes (perfil social, perfil pessoal, tipo de produto comercializado e seu fornecedor, insatisfação e satisfação do ambiente de trabalho) para facilitar o tratamento de dados e correlacioná-los de forma coerente.
Inicialmente foi avaliado o perfil social dos comerciantes, cujos resultados demostraram que existe uma pequena predominância de mulheres comerciantes (54,9%) em relação aos homens (45,1%). O percentual de comerciantes para os intervalos de faixa etária de 18 a 30 anos, de 31 a 40 e de 41 a 60 anos é de 29,4%, 35, 3% e 31,4%, respectivamente. Os comerciantes idosos, com idade acima de 60 anos, apresentam um percentual menor, na ordem de 10%. A maior parcela dos comerciantes (35,3%) tem tempo de serviço em feira na faixa de 12 a 20 anos, a qual pode estar associada ao fato de que esse comércio apresenta a característica de atividade familiar, na qual os familiares dos comerciantes aderem ao trabalho precocemente e a banca da feira é passada de geração em geração de acordo com o relato dos comerciantes. Os resultados para o nível de escolaridades dos comerciantes demostraram que existe um nível de instrução básico consolidado entre eles, sendo que, 52,9% concluíram o ensino fundamental e 43,1% o nível médio. A parcela de graduados em ensino superior é de 10% dos comerciantes, relativamente baixa, porém de acordo com as informações relatadas por Sales, Rezende, Sette (11). Os resultados de capacitação técnica são mais preocupantes, os quais indicam que apenas 5,9% dos comerciantes possuem capacitação em relação às Boas Práticas de Manipulação (BPM) de alimentos.
A verificação da insatisfação profissional dos comerciantes em relação ao seu ambiente de trabalho demonstrou que a maior deficiência da feira é falta de higiene, declarada por 52,4% dos entrevistados como fator mais ausente na feira. A maior reclamação dos comerciantes está relacionada à falta de saneamento, a quantidade de lixo acumulado na feira e o empoçamento das águas pluviais no solo local.
O teste de Associação de palavras, que avaliou o sentimento dos comerciantes com seu ambiente de trabalho, revelou que as palavras “Sobrevivência” e “Trabalho” foram declaradas com maior frequência (26,1% cada uma), seguidas de “Relação com os clientes” (21,7%). Essas palavras estão interligadas, devido ao fato de que os comerciantes presentes em feiras livres são pessoas de classes sociais intermediária e baixa e têm o comércio da feira como sua única fonte de renda. O estabelecimento de laços de amizade com os clientes está associado com a satisfação de ter cumprido mais um dia de sobrevivência e de profissionalismo no seu ambiente de trabalho.
CONCLUSÕES
O comércio realizado na Feira de Jaguaribe é predominante de alimentos de origem vegetal (77% dos produtos comercializados), principalmente de frutas e verduras, comercializadas em bancas localizadas em uma ampla área livre descoberta do ambiente local. Os produtos de origem animal correspondem a 17% dos seus produtos comercializados, cuja oferta, manipulação, acondicionamento e estocagem se encontram em condições inadequadas, não conforme com as atribuições da RDC 275/2002 e RDC 216/2004 da Agência Nacional de Saúde Pública (ANVISA).
Os comerciantes da feira de Jaguaribe são caracterizados por mulheres, com faixa etária de 31 a 40 anos, com tempo de serviço na faixa de 12 a 20 anos, com ensino fundamental completo e sem cursos de capacitação na sua área de comércio. A insatisfação desses profissionais com o seu ambiente de trabalho está principalmente relacionada com as más condições higiênico-sanitárias do local e o maior incômodo para o seu comércio é a disposição das bancas, realizada de forma desorganizada e desestruturada.
A necessidade de alterações estruturais para o desenvolvimento adequado do comércio de alimentos na Feira Livre de Jaguaribe é indispensável para oferta de produtos seguros, isentos de contaminação microbiana. A proposta de melhoria das condições-higiênico-sanitárias dos seus estabelecimentos comerciais formulada nesse estudo para alteração imediata são: dispor de instalações sanitárias em número suficiente para seus usuários e frequentadores, implantação de reservatórios de água, ofertar pontos de água tratada e de energia para as unidades comerciais, reestruturar o desenho (layout) de disposição das bancas na sua área de comércio e promover ações de melhorias físicas (estrutura, mobiliário, equipamentos) dos seus estabelecimentos comerciais.
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