SISTEMAS AGROALIMENTARES SUSTENTÁVEIS E SUA IMPORTÂNCIA PARA A SAÚDE COLETIVA
Felipe Ferrari da Costa¹; Luana Fernandes Melo²; José Marcos Froehlich3
1Agrônomo e Cientista Social, Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – IFCH – Unicamp. E-mail: [email protected]; 2Nutricionista, Agroecóloga e Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação em Extensão Rural (PPGExR) – CCR – UFSM. E-mail: [email protected]; ³Doutor em Ciências Sociais; Professor do Programa de Pós-Graduação em Extensão Rural e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFSM. E-mail: [email protected]
Resumo: O sistema agroalimentar abrange desde o acesso à terra, à água e aos meios de produção, as formas de processamento, abastecimento, comercialização e distribuição, a escolha, preparo e consumo dos alimentos, até a geração e a destinação de resíduos. Todos estes fatores podem influenciar na promoção da preservação ambiental, de uma alimentação saudável e na diminuição da ocorrência de determinadas doenças. Desta forma, o objetivo deste trabalho é apresentar a relevância dos sistemas agroalimentares sustentáveis para a saúde coletiva. Consideramos que os sistemas agroalimentares sustentáveis, baseados na agricultura familiar e na produção ecológica, contribuem no propósito de promover uma alimentação saudável e o cuidado com o meio ambiente e a saúde coletiva, reduzindo a ocorrência de doenças na população. Os diversos profissionais envolvidos na organização dos sistemas agroalimentares sustentáveis são fundamentais nesta construção. Uma relação de diálogo entre conhecimentos multidisciplinares contribui para o fortalecimento deste modelo de gestão da produção agroalimentar e da saúde. Para a saúde coletiva, é de fundamental importância a aproximação entre produção e consumo, entre agricultura e nutrição, engajando-se, os profissionais e instituições destas áreas, em um mesmo desafio: o da promoção de sistemas agroalimentares sustentáveis e práticas que levem ao bem-estar da população.
Palavras–chave: alimentação saudável; preservação ambiental; saúde coletiva
INTRODUÇÃO
O sistema agroalimentar é entendido como o processo que abrange desde o acesso à terra, à água e aos meios de produção, as formas de processamento, abastecimento, comercialização e distribuição, a escolha, preparo e consumo dos alimentos, incluindo as práticas alimentares individuais e coletivas, até a geração e a destinação de resíduos, constituindo-se, assim, como algo complexo e que envolve várias etapas (BRASIL, 2012). Um sistema agroalimentar reúne diversos elementos (ambiente, pessoas, processos, infraestruturas e instituições) e atividades que se relacionam com a produção, processamento, distribuição, preparo e consumo de alimentos, considerando também os resultados destas atividades, sejam eles de dimensão socioeconômica ou ambiental. De modo geral, podemos dizer que um sistema agroalimentar sustentável está em estreita relação de cooperação com o fortalecimento e consolidação da saúde coletiva em determinado território (HLPE, 2014).
Para tratar dos sistemas agroalimentares em sua concepção mais ampla, necessitamos de um diálogo multidisciplinar entre diversos profissionais e áreas do conhecimento, como ciências agrárias, humanas e de saúde. No caso dos profissionais ligados à área de nutrição e que atuam com saúde coletiva, o entendimento sobre os sistemas agroalimentares é de extrema importância (RECINE, 2013). Envolvendo diversos agentes e instituições, os sistemas agroalimentares referem-se a temas amplos e que se relacionam, abarcando desde a produção agrícola, sistemas de abastecimento e comercialização, produção agroecológica, orgânica e da agricultura familiar, até os condicionantes comerciais, socioambientais e econômicos da produção de alimentos. Todos estes fatores podem influenciar na promoção da preservação ambiental, de uma alimentação saudável e na diminuição da ocorrência de determinadas doenças. Desta forma, o objetivo deste trabalho é apresentar a relevância dos sistemas agroalimentares sustentáveis para a saúde coletiva.
SISTEMAS AGROALIMENTARES SUSTENTÁVEIS E A SAÚDE COLETIVA
Apesar da ampliação do repertório de práticas sustentáveis de agricultura ao longo do tempo, do crescimento da agroecologia, da expansão da produção orgânica e das ciências agrárias e da nutrição cada vez mais próximas de abordagens sistêmicas do conhecimento, ainda são recorrentes dificuldades para a reprodução de sistemas agroalimentares saudáveis e sustentáveis, protagonizados pela agricultura familiar. O modelo que conjuga a produção agrícola tradicional, técnicas de processamento mínimo dos alimentos, em geral realizadas pelos próprios agricultores ou por agroindústrias locais, em processos de distribuição integrados e constituídos por cadeias curtas de comercialização, tem tido dificuldades para se manter. Com o avanço do chamado modelo de produção agrícola convencional ou sistemas agroalimentares convencionais, baseados na produção em larga escala e na incorporação de pacotes tecnológicos padronizados, perdem-se saberes e técnicas atreladas a uma produção alimentar que contribui para a saúde coletiva e a preservação ambiental (BRASIL, 2014).
Neste cenário, ao abordarmos alimentação e saúde numa perspectiva ampla e considerando um contexto de pandemia sanitária de Covid-19, percebemos ainda mais a importância dos sistemas agroalimentares sustentáveis, já que promovem dietas saudáveis e priorizam o cuidado com a saúde coletiva. Para a Organização Pan-Americana de Saúde (2020), as pessoas idosas e que apresentam comorbidades, como pressão alta, problemas cardíacos e de pulmão, obesidade, diabetes ou câncer, têm maior risco de ficarem gravemente doentes a partir da Covid-19. Nestes casos, a relevância de uma alimentação saudável, em conexão direta com o fortalecimento de sistemas agroalimentares sustentáveis, fica ainda mais evidente. Em conjunto com outros processos de cuidados pessoais, coletivos e sanitários, uma alimentação saudável contribui efetivamente para diminuir a suscetibilidade a doenças diversas (OPAS, 2020).
Neste contexto, apesar da existência de um campo científico que, principalmente a partir da última década, vem fazendo relevantes discussões sobre a pertinência de uma nutrição vinculada à dimensão da sustentabilidade (MELO e FROEHLICH, 2020), ressaltamos a importância de Nutricionistas e Técnicos em Nutrição e Dietética (TND’s) avançarem ainda mais nos conhecimentos dos sistemas agroalimentares sustentáveis. A título de exemplo, cabe destacar que, em 2017, 40,8% dos nutricionistas brasileiros desconheciam a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO) e apenas 3,4% conheciam com profundidade esta política, mesmo sendo ela considerada um instrumento de grande importância na pauta agroalimentar, podendo ser utilizada na prática profissional do nutricionista e na construção de sistemas agroalimentares sustentáveis (CFN, 2019).
Como pode ser visto, a reflexão sobre alimentação se caracteriza como tema amplo, envolve a inter-relação de diversos fatores e exige enfoque multidisciplinar. Segundo a The Lancet Commissions (2019), estamos vivendo uma sindemia global, processo que envolve questões como obesidade, desnutrição e mudanças climáticas, numa mesma problemática. A relação entre alimentação e meio ambiente é emblemática, já que a intensificação do uso de venenos (agrotóxicos) causa impacto nas mudanças climáticas e contribui para a produção de alimentos menos saudáveis e com desequilíbrios nutricionais.
Uma das principais razões para o aumento da prevalência de obesidade e sobrepeso é a incapacidade dos sistemas agroalimentares em fornecer dietas saudáveis, pois o consumo de alimentos industrializados e ultraprocessados, provindos dos sistemas de produção convencionais, apresenta alto teor de gorduras trans, açúcares, sais, aditivos químicos. Este modelo está crescendo na maioria dos países, o que não contribui com a promoção da saúde coletiva. Portanto, para lidar com esta sindemia global e melhorar a saúde coletiva no Brasil, é imprescindível o incentivo aos sistemas agroalimentares que forneçam alimentos saudáveis, nutritivos e economicamente acessíveis para todos. Este processo passa, diretamente, também pela valorização da agricultura familiar (GRAZIANO DA SILVA, 2019).
Do lado dos profissionais da saúde, é fundamental que os Nutricionistas e os TND’s visualizem os desafios em torno dos sistemas agroalimentares sustentáveis, cooperando com seu desenvolvimento. São fundamentais ações de conhecimento sobre estes modelos de produção sustentável, pesquisa sobre sua relação com a alimentação, saúde coletiva e cuidado com meio ambiente, bem como o apoio a atividades que fortaleçam este modelo e a divulgação e o incentivo ao consumo de produtos orgânicos e agroecológicos (MELO e FROEHLICH, 2019).
CONCLUSÕES
Os sistemas agroalimentares sustentáveis, baseados na agricultura familiar e na produção ecológica, desempenham um eficiente papel no propósito de promoção de uma alimentação saudável, nutritiva, adequada e saborosa. Assim, contribuem efetivamente para os cuidados referentes à saúde coletiva, à preservação do meio ambiente e à redução de doenças. Os diversos profissionais envolvidos na organização dos sistemas agroalimentares sustentáveis são fundamentais nesta construção. Uma relação de diálogo entre conhecimentos multidisciplinares contribui para o fortalecimento deste modelo de gestão da produção alimentar e da saúde. Para a saúde coletiva, é de fundamental importância a aproximação entre produção e consumo, entre agricultura e nutrição, engajando-se, os profissionais e instituições destas áreas, em um mesmo desafio: o da promoção de sistemas agroalimentares sustentáveis e práticas que levem ao bem-estar da população.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Marco de referência de educação alimentar e nutricional para as políticas públicas. – Brasília, DF: MDS; Secretaria Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, 2012.
BRASIL. Ministério da saúde; Secretaria de atenção à saúde. Guia Alimentar para a população brasileira. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 156 p.
CONSELHO FEDERAL DE NUTRIÇÃO. Inserção profissional dos nutricionistas no Brasil. Brasília: 2019. 75p. Disponível em: https://www.cfn.org.br/wp-content/uploads/2019/05/CARTILHA%20CFN_VERSAO_DIGITAL.pdf?fbclid=IwAR0uypYRdbnoFbs_aR4PIAKygN3PC4-BUFJfPCD2tszfAXtxG1y0KE1HvLs. Acesso em: 24 mai. 2021.
GRAZIANO DA SILVA, J. Transforming food systems for better health. 2019. Disponível em: https://www.thelancet.com/pdfs/journals/lancet/PIIS0140-6736(18)33249-5.pdf. Acesso em: 24 mai. 2021.
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MELO, L. F.; FROEHLICH, J. M. Agroecologia, nutrição e sistemas alimentares sustentáveis. In: 1° Colóquio Extensão Rural E Desenvolvimento, 2018, Santa Maria/RS. Perspectivas sobre o Rural Brasileiro. Santa Maria/RS, 2019. v. 1, p. 1-5.
MELO, L. F; FROEHLICH, J. M. A nutrição além do nutricionismo: conexões emergentes entre alimentação saudável e sistemas agroalimentares sustentáveis. In:
LÓPEZ, L. C; DOWBOR, M. W; RUSCHEINSKY, A. VII simpósio internacional desigualdades, direitos e políticas públicas: saúde, corpos e poder na américa latina. São Leopoldo/RS: Casa Leiria, 2020, p. 1-4112.
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RECINE, E.; MORTOZA, A. S. Consenso sobre Habilidades e Competências do Nutricionista no Âmbito da Saúde Coletiva. Observatório de Políticas de Segurança e Nutrição, Brasília: 2013. Disponível em: http://ecos-redenutri.bvs.br/tiki-download_file.php?fileId=433. Acesso em: 24 mai. 2021.
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