QUALIDADE E SEGURANÇA DO PESCADO: REVISÃO
Capítulo de livro publicado no livro: Ciência e tecnologia de alimentos: Pesquisas e avanços. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062060-29
Este trabalho foi escrito por:
Leticia Tavares Martins1 *; Diana Carla Fernandes Oliveira2 ; Renan Rosa Paulino3 ; Matheus Ribeiro Galuppo4 ; Rafaella Ramos Soares4 ; Rafael Antônio Borges4 ; Rilke Tadeu Fonseca de Freitas5
1 Mestrando no Programa de Pós Graduação em Ciências Veterinárias – UFLA; 2 Pós doutoranda do programa de Pós Graduação em Zootecnia – UFLA; 3 Técnico Administrativo do Departamento de Zootecnia-UFLA; 4 Graduandos em Zootecnia – UFLA; 5 Docente/pesquisador do Departamento de Zootecnia – UFLA.
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email:
Resumo: O Brasil é uma das maiores potências mundiais em piscicultura. A produção aquícola nacional cresce cada dia mais, superando outras atividades de importância econômica. A carne do pescado possui altos níveis de proteína de alta digestibilidade, ácidos graxos insaturados, como ômega 6 e ômega 3 e vários minerais e vitaminas, que conferem uma riqueza nutricional ao homem, porém, possui alto potencial de deterioração. Com isso, os benefícios nutricionais do pescado podem ser aproveitados quando fatores de segurança e qualidade forem garantidos. O pescado é um alimento muito perecível e estratégias de armazenamento precisam ser empregadas para aumentar sua vida útil. A segurança alimentar é a garantia de que os alimentos não causarão danos à saúde de quem os consome, e é uma propriedade fundamental da qualidade dos alimentos que pode ser perdida em qualquer estágio da cadeia alimentar se o mesmo for contaminado por microorganismos patogênicos. Muitas bactérias e parasitas presentes no ambiente podem ser transmitidas aos seres humanos durante a manipulação e consumo de alimentos e provocar doenças de caráter zoonótico. Com isso, o objetivo dessa revisão foi realizar uma pesquisa em bancos de dados do Scopus, Web of Science, Google Scholar e Science Direct, sobre a qualidade e segurança do pescado, as doenças transmitidas pelo seu consumo e os riscos oferecidos à saúde humana, além de explanar os benefícios do consumo de peixes e derivados. Por fim, a inspeção sanitária adequada, a educação da população e pesquisas que atuam no desenvolvimento de métodos de análises e tratamentos, são importantes para que o pescado ofereça segurança à população consumidora.
Palavras–chave: doenças; peixes; segurança dos alimentos; vigilância sanitária;
INTRODUÇÃO
A alimentação é um ato essencial na vida do ser humano, no entanto é essencial que o alimento seja seguro e forneça nutrientes necessários para realizar funções básicas (energéticas, estruturais, funcionais e reguladoras) e manter a saúde (1,2).
Os alimentos podem ser transmissores de doenças quando contaminados por diferentes microrganismos e toxinas, tornando-se potencialmente perigosos. Com isso, a segurança alimentar tornou-se uma propriedade que envolve saúde pública, bem-estar da população e economia mundial (1).
Nos últimos anos, a carne de peixe tem sido considerada uma alternativa ao consumo de carne bovina, suína e de aves devido à procura de um estilo de vida mais saudável (1). Para satisfazer a demanda por peixes, a segurança alimentar considera que esses animais podem ser veículos de transmissão de diversos patógenos, como Salmonella spp., Vibrio spp., Aeromonas spp., Shigella spp., Clostridium spp., Bacillus cereus, Escherichia coli, Staphylococcus aureus, entre outros, e também de diversos parasitas, como, Diphyllobothrium latum, Ascocotyle (Phagicola) longa e Dioctophyme renale (3, 4, 5).
Os peixes apresentam uma rápida deterioração e crescimento rápido de microrganismos, provocada pela quantidade de água presente em seu tecido, ácidos graxos insaturados com rápida oxidação e pH próximo da neutralidade. Esses fatores impulsionam a deterioração e tornam o pescado um alimento perigoso, com risco de zoonoses graves na população (6,7). A ausência de higiene na produção, processamento e conservação do alimento, juntamente com a ausência de inspeção de produtos de origem animal favorecem a transferência de microrganismos ambientais patogênicos para o produto e demonstra importância na segurança alimentar (3,6,8).
A partir do exposto, objetivou-se realizar uma pesquisa bibliográfica em bancos de dados Scopus, Web of Science, Google Scholar e ScienceDirect sobre a qualidade e segurança do pescado, bem como as doenças transmitidas pelo consumo de peixes, com ênfase nas doenças parasitárias e riscos para saúde humana, além de explanar os benefícios do consumo de peixes e derivados.
VALOR NUTRICIONAL DO PESCADO
O pescado é considerado um alimento de alto valor nutritivo e uma parte essencial da dieta humana, pois é fonte de proteínas de alto valor biológico, lipídios insaturados, vitaminas e minerais (9,10). O consumo do pescado é impulsionado principalmente pelos altos teores de proteína de alta digestibilidade e boa qualidade, vitamina A e D, cálcio, fósforo, lisina e ácidos graxos insaturados. Mas, apesar disso, é um alimento de origem animal que pode sofrer modificações em sua qualidade provocadas pelo tempo e temperatura. Quando armazenado em baixas temperaturas (menor que 3°C), a deterioração e proliferação bacteriana não acontecem e a qualidade é preservada por mais tempo (11).
O pescado é basicamente composto por água (70 a 85%), proteínas de alto valor biológico (20 a 25%), aminoácidos essenciais, com destaque a lisina, metionina e cisteína, e lipídios (1 a 10%). Também estão presentes ácidos graxos poli-insaturados, como o ômega 6 (n-6) e ômega 3 (n-3), minerais, como o cálcio, fósforo, ferro e selênio (1 a 1,5%) (12). A Tabela 1, apresenta o valor nutricional em 100g de diferentes peixes crus.
Considerando variações entre espécies de peixes, a composição proteica pode variar entre 15 a 25%. Seus aminoácidos possuem alta digestibilidade, acima de 95% e o valor biológico, próximo de 100%. As proteínas possuem papel importante na alimentação humana, atuando no desenvolvimento de organismos jovens e reestruturação de tecidos, além de oferecer sabor a carne, especialmente pelo aminoácido glicina (12).
Tabela 1 – Valor nutricional em 100g de peixe cru
Peixe | Energia (Kcal) | Proteína (g) | Gordura total (g) | Gordura saturada (g) |
Pescada | 83 | 17,6 | 1,4 | 0,2 |
Pargo mulato | 80 | 18,5 | 0,7 | 0,1 |
Dourada | 167 | 19,7 | 9,8 | 2,1 |
Carapau | 105 | 19,7 | 2,9 | 0,7 |
Sardinha meia gorda | 158 | 18,9 | 9,1 | 2,5 |
Sardinha gorda | 221 | 18,4 | 16,4 | 4,7 |
Bacalhau | 76 | 17,8 | 0,5 | 0,1 |
Robalo | 145 | 18,5 | 7,9 | 1,8 |
Salmão | 262 | 16,2 | 21,9 | 4,2 |
Atum | 140 | 24,1 | 4,9 | 1,7 |
Tilápia | 290 | 9,1 | 3,2 | 0,64 |
Fonte: Adaptado de Pescapt.com (13)
Com relação aos lipídios, os peixes são classificados em gordos, semi-gordos e magros, isso devido às variações de conteúdo. Entre os peixes gordos pode-se destacar a anchova, sardinha e atum; os semi-gordos, barracuda e cação; e os magros, bacalhau, merluza e linguado. O teor de gordura é influenciado pela idade, nutrição e tipo de alimentação (12).
Atualmente o pescado é comercializado para consumo em diferentes apresentações, como filés inteiros, eviscerados e/ou frescos, refrigerados, congelados, embalagens em atmosfera modificada, enlatados, produtos defumados, salgados, desidratados e derivados (surimi). O consumo pode ser influenciado por fatores sócio-econômicos, padrões de consumo alimentar, características pessoais e estado de saúde (14,15).
QUALIDADE DO PESCADO E RISCOS PARA SAÚDE PÚBLICA
O pescado é um produto de origem animal propenso à deterioração. Isso acontece pela elevada atividade de água nos tecidos, altos teores de nutrientes que são utilizadas por microrganismos, rápida ação destrutiva de enzimas, pH próximo da neutralidade e presença de ácidos graxos insaturados facilmente oxidáveis. Com o início da degradação, o peixe se torna um meio de crescimento para microrganismos, alterando suas características físico-químicas e organolépticas (16, 17). A deterioração é determinada pelo desgaste físico antes da morte, temperatura elevada e falta de oxigênio. Os microrganismos iniciam o crescimento logo após o rigor mortis (enrijecimento do corpo pela falta de ATP na musculatura). A autólise torna o peixe permeável à ação das bactérias, liberando substâncias que servem de fonte nutritiva aos microrganismos, logo, as características do pescado são alteradas: as escamas ficam opacas e se soltam com facilidade, os olhos ficam turvos com pupilas leitosas, guelras pálidas ou escuras, carne amolecida, sem brilho e sem elasticidade, e odor desagradável (Figura 1) (16).
Durante a industrialização, o pescado pode ser contaminado mediante práticas de preservação inadequadas, como o trauma mecânico. Na manipulação doméstica algumas práticas oferecem risco ao consumidor: contaminação cruzada; local e utensílios de preparo das refeições; higiene imprópria; e, controle de temperatura inadequado (18).
De acordo com o Artigo 210, do RIISPOA 2017 (19) – Regulação de Inspeção Industrial dos Produtos de Origem Animal, ao avaliar um pescado fresco, devem ser observadas as seguintes características sensoriais: o peixe deve possuir superfície da pele limpa, com brilho e reflexos multicores; os olhos devem estar claros, vivos, luzentes, convexos e transparentes; brânquias ou guelras róseas ou vermelhas, úmidas e brilhantes; abdômen firme e impressão duradoura à pressão dos dedos; escamas brilhantes e aderentes na pele; carne firme; vísceras íntegras e anus fechado; e, por fim, odor característico (Figura 2). O RIISPOA 2017 apresenta, as características desejáveis para cada pescado, como crustáceos, moluscos e cefalópodes.
A manipulação e o preparo podem ser a principal fonte de contaminação do pescado, além do armazenamento incorreto (20), com refrigeração em temperaturas inadequadas (17). Práticas de higiene são necessárias para evitar a contaminação cruzada. Nos barcos, é recomendável a lavagem regular do convés onde o peixe é armazenado e a água do gelo deve apresentar boas condições, além dos porões possuir isolamento térmico para não derreter o gelo (16).
Os contaminantes mais encontrados nos peixes são a Pseudomonas, Bacillus, Micrococcus, Salmonella, Staphylococcus, Shigella, Clostridium botulinum e coliformes.
DOENÇAS TRANSMITIDAS POR ALIMENTOS
A contaminação de alimentos geram infecções ou intoxicações no homem, conhecida como Enfermidades Transmitidas por Alimentos (ETAs) (21). Além dos riscos fisiopatológicos ao homem, também é importante ressaltar que essas doenças implicam em gastos ao sistema de saúde pública (22).
Diversas doenças transmitidas por alimentos são consideradas zoonoses, ou seja, podem se disseminar entre o homem e os animais por meio do consumo de carne crua ou mal passada, podendo ter origem viral, bacteriana ou parasitária (Tabela 2). Com o aumento do consumo do pescado no Brasil, se torna importante a prevenção das Enfermidades Transmitidas por Alimentos (17). As zoonoses podem ser transmitidas por contato direto com o agente, ou por contato indireto, a partir da ingestão de alimentos contaminados, ou ainda veiculadas por vetores. A ingestão de carne mal cozida ou crua, é um principal fator de risco para o surgimento de doenças parasitárias e o contato direto com o pescado contaminado é o principal fator de risco para as doenças bacterianas (5).
Tabela 2 – Principais zoonoses ou patógenos com potencial zoonótico associados ao consumo e a manipulação de pescado
Doença | Agente etiológico | Países de ocorrência da zoonose relatada |
Zoonoses causadas por cestódeos | ||
Difilobotríase | Diphyllobothrium latum D. nihohkaiense | Brasil, Peru, Chile, Argentina, Suíça França, Itália, EUA, Japão, Rússia e Coreia do Sul |
Zoonoses causadas por trematódeos | ||
Fagicolose | Ascocotyle (Phagicola) longa | Brasil |
Clonorquíase | Clonorchis sinensis | China, Rússia, Japão, Coreia do Sul, Vietnã e Taiwan |
Opistorquíase | Opisthorchis felineus O. viverrini | França, Alemanha, Grécia, Itália, Rússia, Ucrânia, Espanha, Polônia, Laos, Malásia e Tailândia. |
Paragonimíase | Paragonimus sp. | Brasil, China, Japão, Filipinas, Coreia do Sul, Equador e EUA |
Zoonoses causadas por nematódeos | ||
Anisaquíase | Anisakis simplex Anisakis sp. | Brasil, Holanda, América do Norte, Espanha, China e Japão |
Pseudoterranovíase | Pseudoterranova decipiens Pseudoterranova sp. | Japão, Coreia do Sul, Chile, Itália e França |
Contracequíse | Contracaecum sp. Contracaecum osculatum | Austrália, Alemanha, Coreia do Sul e Japão |
Histerotilacíase | Hysterothylacium sp. | Japão |
Gnatostomíase | Gnathostoma gracile G. spinigerum | Brasil, Sudeste Asiático, Coreia do Sul, Japão, Índia, Sri Lanka, Zâmbia, Botsuana, Austrália, Peru, Guatemala, Equador, Colômbia e México |
Capilaríase | Capillaria philippinensis | Filipinas, Tailândia, Coreia do Sul, Japão, Taiwan, Índia, Irã, Emirados Árabes, Egito, Itália e Reino Unido |
Estrongiloidíase | Eustrongylides ignotus E. tubifex | EUA |
Dioctofimose | Dioctophyme renale | Brasil, Índia, Grécia, Rússia, Austrália, Coreia do Sul, Irã, China e EUA |
Doenças parasitárias com potencial zoonótico | ||
Botricefelíase (cestódeo) | Bothriocephalus acheilognathi | Guiana Francesa |
Clinostomíase (trematódeo) | Clinostomum complanatum C. marginatum | Japão |
Centrocestose (trematódeo) | Centrocestus formosanus | Taiwan, Filipinas e Laos |
Zoonoses causadas por bactérias | ||
Infecção por Streptococcus agalactiae, sorotipo III, ST-283 | Singapura | |
Infecção por Streptococcus iniae | EUA, Canadá, Singapura, Taiwan e Hong Kong | |
Micobacteriose | Mycobacterium marinum | Brasil, EUA, Espanha, França e Israel |
Doenças bacterianas com potencial zoonótico | ||
Infecção por Lactococcus garvieae | Brasil, China, Taiwan, França, Coreia do Sul e Israel | |
Erisipelóide | Erysipelothrix spp. | Japão e Canadá |
Vibriose | Vibrio vulnificus | Brasil, EUA, Europa, Israel e Taiwan |
Fotobacteriose | Photobacterium damselae | Coreia do Sul |
Brucelose | Brucella sp. | Nova Zelândia e Peru |
Fonte: Adaptado de TAVARES et al., 2018.
A doença transmitida por alimentos é definida como uma síndrome causada pela ingestão de alimentos e/ou água com agentes que afetam a saúde do consumidor. O alimento geralmente está contaminado com bactérias e suas toxinas, vírus, parasitas, envenenamento por toxinas naturais (biotoxinas marinhas de moluscos bivalves) ou produtos químicos. Apresentam uma variedade de sintomas gastrointestinais, como náuseas, vômitos, diarreia, dor abdominal, e febre e, em alguns casos, podem ter complicações como sepse, meningite, abortos, síndrome de Reiter, Síndrome de Guillain-Barre, câncer ou morte. Afetam principalmente crianças, mulheres grávidas, pacientes imunodeprimidos e idosos (8, 23, 5).
As zoonoses parasitárias são as principais doenças transmitidas pelo pescado. No Brasil, o consumo de carne de tainha crua é um fator predisponente para o surgimento de fagicolose, causada por metacercárias do trematódeo Ascocotyle (Phagicola) longa no homem, causando dores estomacais, enterite, diarreia, má absorção de alimentos e emagrecimento progressivo (24). Muito provavelmente é uma zoonose subnotificada no Brasil, pois a maioria dos humanos é assintomático por se tratar de hospedeiro acidental (17). Outra afecção causada por metacercárias de um parasito com importância no Brasil, é a paragonimíase, causada pelo trematódeo Paragonimus. Ocorre pela ingestão de crustáceos de água doce crus ou mal passados. O parasito migra para os pulmões provocando pneumonia hemorrágica (5). A dioctofimose é uma zoonose provocada pelo nematódeo Dioctophyme renale, um parasita com tropismo para o tecido renal, causando obstrução, nefrite, hipertrofia renal, hidronefrose, cólica e destruição do parênquima renal. A infecção por esse parasita tem associação com a ingestão de larvas encistadas pelo consumo de rãs ou peixes crus (5).
Quanto às infecções bacterianas, pouco se conhece do perfil epidemiológico das bactérias com o hospedeiro, mas sua transmissão está associada principalmente pela ingestão, contato direto com feridas, cortes ou penetração bacteriana durante manipulação, sendo os manipuladores do pescado os mais suscetíveis (5). Entre os principais causadores de ETAs no Brasil, causados por bactéria, são, Salmonella spp., Staphylococcus aureus, Escherichia coli e Bacillus aureus. A Salmonella spp., é um agente comum no Brasil, uma bactéria gram negativa entérica, causando infecções alimentares graves. O Staphylococcus aureus, causa uma intoxicação com duração de 1 a 2 dias, sendo o vômito o principal sintoma. A E. coli e o B. aureus também causam sinais de diarreia e vômitos, com duração entre 1 a 7 dias e 1 a 2 dias, respectivamente (22).
Entre as doenças causadas por toxinas, a doença de haff, também conhecida como doença da urina preta, não possui etiologia bem definida, mas sabe-se que está relacionada ao acúmulo de toxinas biológicas termoestáveis presentes no pescado contaminado. A toxina causa um quadro de rabdomiólise, síndrome provocada pela lesão muscular e aumento sérico de creatina quinase (CPK). As principais manifestações clínicas são mialgia, urina com coloração escura (mioglobinúria), náusea, vômito, dor abdominal e diarreia. Uma complicação grave da doença é a insuficiência renal aguda (IRA), causada pelo excesso de mioglobina nos túbulos renais, impossibilitando a filtração da urina. Apesar do prognóstico da doença ser bom, não há tratamento específico e depende se houver associação com outras comorbidades, por isso o cozimento adequado do pescado, é uma medida profilática necessária (25). Em 2008, foram relatados 27 casos da doença na região amazônica. Os surtos foram associados com a ingestão de pacu manteiga (Mylossoma duriventre), tambaqui (Colossoma macropomum) e pirapitinga (Piaractus brachypomus) (26).
Os principais agentes causadores de ETAs derivados do pescado, podem ser evitados se não ocorrer o consumo de peixes crus ou mal passados em preparações como sushis, sashimis ou ceviche. Para que ocorra a morte do parasita, é necessário o congelamento do peixe a -20°C por pelo menos 7 dias ou a -35°C por 15 horas. Além disso, a inspeção sanitária de produtos de origem animal deve ser ativa e realizada por um órgão responsável (17) e toda cadeia produtiva deve ser monitorada.
Na propriedade produtora, os possíveis problemas devem ser identificados realizando-se análises biológicas e da água com frequência, o manejo e a taxa de mortalidade devem ser monitoradas e corrigidas quando inadequadas. Também deve ser realizado o controle de hospedeiros intermediários, como exemplo o caramujo. No estabelecimento de pescado (barco-fábrica, frigorífico abatedouro ou unidade de beneficiamento), é obrigatório a lavagem prévia do pescado, verificação visual de lesões e a evisceração logo após a captura (5).
Farias, Pala e Araújo (2021), relatam a importância da realização da educação higiênico sanitária para a população consumidora de pescado, orientando e explicando os riscos do pescado cru ou mal passado e orientando sobre os procedimentos necessários para o consumo seguro.
SEGURANÇA ALIMENTAR
A segurança alimentar garante que um alimento não causará danos ou doenças para a pessoa que o consome. É considerado, juntamente com as características nutricionais, sensoriais e comerciais, um componente da qualidade total de um alimento (27). A segurança alimentar é coletiva, nacional e individual. A segurança coletiva e nacional pode ser garantida pelo estado, mas nem todos os indivíduos dispõem dessa segurança (28).
Segundo Santos (2006), a segurança alimentar pode ser definida como: “Quando todas as pessoas, em todos os momentos, possuem acesso físico e econômico à alimentação suficiente, sadia e nutritiva a fim de atender suas necessidades diárias e preferências alimentares para uma vida saudável”.
A ingestão de alimentos que não atendem aos padrões sanitários, representando perigos físicos, químicos e biológicos, são um risco para a segurança alimentar. Muitos alimentos contaminados apresentam características sensoriais normais, sem alterações de textura, sabor e odor, mas nem sempre o consumidor tem percepção e consciência do risco de ETAs (22).
A inspeção sanitária no Brasil, se baseia em legislações específicas e o controle oficial no RIISPOA 2017, abordando análises sensoriais, indicadores de frescor e toxinas perigosas para a saúde humana (18). No Brasil, entre os anos de 2007 a 2016, foram notificados pelo Sistema de Vigilância em Saúde, 0,8% de surtos relacionados às ETAs. A grande maioria correspondia a intoxicação por pescado (5).
A falta de notificação das ETAs, dificultam o trabalho ativo no setor de vigilância. As subnotificações e falta de análises em locais de ocorrência dessas doenças, oferecem risco a população e não demonstram os verdadeiros surtos que acontecem no Brasil (22).
MÉTODOS DE AVALIAÇÃO DO PESCADO
Para a avaliação da qualidade do pescado, são utilizados métodos combinados: método sensorial e método não sensorial. Os métodos sensoriais se tratam da avaliação das características físicas do produto, como o pH, tensão das fibras musculares, dureza do músculo e viscosidade do suco da carne. Os métodos não sensoriais estão relacionados aos processos químicos, como o nitrogênio das bases voláteis totais, nitrogênio de trimetilamina, hipoxantina, histamina, valor de K, aminas, aminoácidos livres, H2S, entre outros (9). Os métodos físico-químicos devem respeitar as legislações vigentes no Brasil, como as Normativas, MAPA e RIISPOA.
A análise sensorial é o método mais antigo para avaliação do frescor de um peixe, levando em consideração a aparência, coloração e odor presentes. Suas vantagens são o baixo custo, rapidez do processo e por não causar deformidades destrutivas no tecido (29).
Outro método utilizado é o Método do Índice de Qualidade (MIC), uma avaliação que inicialmente foi desenvolvido para peixe inteiro armazenado em refrigeração, atualmente, é aplicado para filés e peixe congelado. Se baseia na avaliação de atributos sensoriais (aspecto e textura da pele, olhos, odor e aspecto das brânquias), por meio da classificação por pontos de mérito de 0 a 3 (9). A soma total indica se o produto possui qualidade ou não. Quanto melhor a avaliação, mais próximo de 0 é a pontuação. O grupo de avaliadores deve ser composto por no mínimo três pessoas treinadas. O MIC, vem se adaptando para diversas espécies, como o bacalhau (Gadus morhua), dourada (Sparas aurata), carapeba (Eucinostomus gula) (9), tilápia do Nilo (Oreochromis niloticus), robalo (Dicentrarchus labrax), merluza (Merluccius merluccius), linguado (Solea senegalensis) e outros (30).
Por fim, a análise microbiológica, que deve respeitar as normativas vigentes que definem os padrões microbiológicos para alimentos expostos à venda (9, 29).
CONCLUSÕES
Apesar do sistema de vigilância no Brasil e esforços para minimizar o risco de consumo de pescado contaminado no país, os desafios ainda são muitos e afetam principalmente a cadeia produtiva, beneficiamento e o consumidor final. As ETAs, ainda hoje, geram óbitos e impactos econômicos sobre o Sistema de Saúde Pública e por isso, é importante o controle e educação sanitária sobre o risco que o pescado pode oferecer à população quando práticas de higiene não são respeitadas.
As doenças de origem parasitárias são as mais encontradas e, em sua maioria, causadas pelo consumo de pescado cru ou mal passado, enfatizando que além da higiene durante o manuseio, o preparo dos alimentos determinam a qualidade do produto final.
Sabe-se que o pescado é uma ótima fonte proteica e fonte de ácidos graxos insaturados para o homem, com grandes benefícios na saúde humana, porém, o seu consumo deve ser cauteloso, pois parasitas, bactérias e vírus podem estar presentes quando sua origem for suspeita e quando não for realizado uma inspeção sanitária adequada, logo, a educação da população e pesquisas que atuam no desenvolvimento de métodos de análises e tratamentos são importantes e necessários, para que além do pescado ser um bom alimento ao homem, também seja seguro e confiável. Por fim, a maioria das ETAs, podem ser evitadas com medidas preventivas.
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