EMBALAGENS ATIVAS APLICADAS NA CONSERVAÇÃO DE ALIMENTOS DE ORIGEM ANIMAL
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-46
Este trabalho foi escrito por:
Laura Martins Fonseca*1; Eduarda Caetano Peixoto1; Francine Tavares da Silva1; Estefani Tavares Jansen1; Alvaro Renato Guerra Dias1; Elessandra da Rosa Zavareze1
1 Laboratório de Biopolímeros e Nanotecnologia em Alimentos, Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Universidade Federal de Pelotas – DCTA/FAEM – UFPel
*Laura Martins Fonseca – Email: laura [email protected]
Resumo: Os alimentos de origem animal são largamente consumidos devido a suas características sensoriais excepcionais e ao seu valor nutritivo, sendo valorizados pelo consumidor no momento da escolha dos itens que serão consumidos. Por serem alimentos muito perecíveis, a carne, leite e seus derivados, são suscetíveis a reações de oxidação e ao ataque de diversos microrganismos e, como consequência, sofrem rápida deterioração, sendo a conservação destes produtos um dos grandes desafios para a indústria de alimentos. Com isso, novas técnicas vêm sendo aplicadas, como o uso de embalagens ativas, as quais interagem de modo intencional com o alimento promovendo sua conservação, estendendo a vida útil do produto e garantindo maior segurança ao consumidor. Diante do exposto, cientistas e pesquisadores estão desenvolvendo estudos relacionados à conservação de alimentos de origem animal aplicando, por exemplo, embalagens ativas com atividades antimicrobiana e antioxidante a esses produtos. Assim, o objetivo desta revisão bibliográfica é fazer um levantamento de estudos atuais que abordam embalagens ativas aplicadas na conservação de alimentos de origem animal.
Palavras–chave: Produtos cárneos; Compostos bioativos; Encapsulação; Ação antimicrobiana.
Abstract: Foods of animal origin are widely consumed due to their exceptional sensory characteristics and nutritional value, being highly valued by the consumer at the time of choosing the products to be consumed. Meat, milk and its products are perishable foods, being susceptible to oxidation reactions and the attack of various microorganisms. As a consequence, these food products suffer rapid deterioration, and their conservation is one of the major problems of the food industry. Thus, new techniques have been applied, such as the use of active packaging, which intentionally interact with the food promoting its conservation, extending the product shelf life and guarantying higher safety for the consumer. Therefore, scientists and researchers have been developing studies related to the conservation of foods of animal origin, applying active packaging with antimicrobial and antioxidant activities, for example. Thus, the objective of this literature review is to survey current studies that address active packaging applied in the conservation of food of animal origin.
Key Word: Meat products; Bioactive compounds; Encapsulation; Antimicrobial action.
INTRODUÇÃO
Uma das principais preocupações da indústria alimentícia e da ciência e tecnologia de alimentos é a presença de microrganismos patógenos, que representa uma ameaça à saúde do consumidor. Com isso, busca-se o desenvolvimento de novas tecnologias para conservação de alimentos que promovam a segurança e mantenham a qualidade dos mesmos [1]. Os microrganismos presentes nas carnes, leite e demais produtos de origem animal são classificados em dois grupos, os deteriorantes e os patogênicos, sendo o grupo dos microrganismos patogênicos responsável pelas Doenças Transmitidas por Alimentos (DTAs). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), as DTAs são aquelas de natureza infecciosa ou tóxica, causadas pela ingestão de alimentos ou água, contaminados por agentes biológicos, químicos e físicos, representando um grave risco à saúde [2]. A Legislação Brasileira através da Instrução Normativa n° 60, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), preconiza para cortes cárneos a análise de microrganismos mesófilos aeróbios, Escherichia coli e Salmonella spp [3].
Os alimentos de origem animal são em grande parte perecíveis, e quando se trata de qualidade e vida útil, além da presença de patógenos, também se deve considerar a deterioração ocorrida por elementos externos (temperatura, umidade e gases atmosféricos), microrganismos deteriorantes ou atividade enzimática, gerando desperdício de alimentos [4]. Esses alimentos apresentam diferentes quantidades de gordura e alto teor de ácidos graxos insaturados. Com isso além da preocupação com microrganismos patogênicos ou deteriorantes, a indústria tem a preocupação com oxidação lipídica por ser uma das principais causas de deterioração da qualidade em carnes e produtos cárneos [5].
Uma técnica inovadora aplicada na conservação de alimentos é o uso de embalagens ativas as quais promovem o aumento da vida útil e a manutenção da qualidade. A conservação é dada por diferentes sistemas de embalagens ativas, como as com ação antimicrobiana e antioxidante. Assim, o crescimento e multiplicação de microrganismos patogênicos e deteriorantes, bem como a oxidação de alimentos é efetivamente inibida ou retardada [4], [6]. Neste contexto, essa revisão bibliográfica aborda embalagens ativas aplicadas na conservação de alimentos de origem animal, trazendo pesquisas relacionadas ao tema.
EMBALAGENS ATIVAS
As embalagens ativas são aquelas as quais, além das funções convencionais das embalagens (proteção, acondicionamento, comunicação e conservação), interagem com o alimento embalado ou o meio da embalagem, promovendo uma conservação prolongada [7]. Neste contexto, os compostos bioativos de origem natural, como os presentes em óleos essenciais [6], [8], [9] e extratos naturais [10], [11], contribuem beneficamente quando aplicados na elaboração de embalagens ativas. Esses materiais de origem natural vêm sendo cada vez mais estudados na substituição de aditivos sintéticos, os quais podem ter efeitos nocivos à saúde do consumidor, como potencial mutagênico ou carcinogênico [11].
As embalagens ativas com atividade antimicrobiana e antioxidante são largamente aplicadas para conservação de alimentos tanto de origem animal, quanto de origem vegetal. O efeito dos agentes ativos nessas embalagens pode ser alcançado pelo contato direto com o alimento por sistemas de difusão controlada ou por contato indireto usando substâncias voláteis criando uma atmosfera ativa no espaço livre da embalagem (headspace) [12].
As embalagens ativas podem ser elaboradas pela incorporação dos compostos bioativos diretamente na matriz da embalagem ou por sua encapsulação em materiais de parede apropriados [6], [10], visando a proteção de compostos bioativos que apresentam alta degradação e instabilidade [13]. Além disso, quando encapsulados antes de ser incorporados em uma embalagem, promove-se uma liberação gradual e efetiva do composto bioativo ao longo do tempo, prolongando a vida útil e a qualidade dos alimentos nela contidos [14]. Ainda, a encapsulação previne alterações sensoriais no alimento (devido a sabor e/ou odor característicos dos compostos bioativos, os quais não são desejáveis de serem transferidos aos alimentos embalados) e reduz o risco de toxicidade do material bioativo [6].
Esses materiais encapsulados podem ser incorporados em filmes biodegradáveis formando um material compósito. Embalagens desenvolvidas a partir de compósitos apresentam alta funcionalidade, pois faz-se o uso das propriedades de diferentes materiais, as quais, em conjunto, formam um material ideal para conservação de alimentos [15]. Assim, o uso de compósitos na formação embalagens ativas visa aumentar a vida útil de alimentos devido as propriedades físico-químicas aprimoradas, como propriedades mecânicas e de barreira, transparência e estabilidade térmica, química e dimensional, além das ações diretamente no alimento que as embalagens ativas promovem (liberação de compostos bioativos com diferentes ações) [16].
Novas técnicas para a elaboração de materiais naturais destinados a produção de embalagens ativas vêm sendo estudadas. As técnicas de encapsulação de compostos bioativos fornecem materiais ou nanomateriais com alta efetividade, sendo incorporados nas embalagens formando uma embalagem ativa. Podemos citar diversas técnicas de encapsulação, como electrospinning [6], [10]–[12] e spray drying [8].
A técnica de electrospinning faz uso da nanotecnologia visando a produção de nanofibras ou fibras em escala micrométrica, através do processamento eletrohidrodinâmico de soluções poliméricas. As nanofibras produzidas por essa técnica apresentam diversas funcionalidades, como alta área superficial e capacidade de atuação como material de parede para a encapsulação de compostos bioativos, como óleos essenciais e extratos naturais, não utilizando altas temperaturas durante o processo [13]. Já a técnica de spray drying nada mais é do que a secagem do material por pulverização, sendo um processo econômico e flexível que promove alta eficiência de encapsulação. No entanto, essa última técnica, ao contrário da anterior, necessita do emprego de calor para atingir valores de temperaturas compatíveis com as temperaturas de secagem do material de parede escolhido [8].
Os polímeros utilizados na elaboração de embalagens ativas ou como material de parede para encapsulação podem ser provenientes de diversas fontes, inclusive de matérias-primas naturais, biodegradáveis e biocompatíveis, as quais auxiliam na produção de materiais que agridam pouco o meio ambiente. Com isso estudos que elaboram embalagens ativas, geralmente utilizam polímeros de origem natural como matriz ou material de parede para encapsulação [10].
Nos últimos anos, diversas pesquisas relatam materiais de embalagem usados para aumentar a vida útil de produtos alimentícios perecíveis, inibindo o crescimento de uma ampla gama de patógenos alimentares [6],[17],[21]-[24]. Assim, podemos observar o crescimento do uso de embalagens ativas na conservação de produtos de origem animal.
EMBALAGENS ATIVAS NA CONSERVAÇÃO DE PRODUTOS DE ORIGEM ANIMAL
As indústrias de alimentos de origem animal visam o aumento da vida útil, manutenção do valor nutricional e sensorial e a comercialização de alimentos seguros. Isso pode ser obtido a partir do uso de embalagens ativas, pela incorporação ou encapsulação de compostos bioativos conferindo ação antimicrobiana e antioxidante [17]. Na Tabela 1 estão apresentadas algumas das pesquisas atuais desenvolvidas na aplicação de embalagens ativas para conservação de alimentos de origem animal.
Silva et al. [9] avaliaram a ação do óleo essencial de gengibre (Zingiber officinale) encapsulado em fibras ultrafinas de proteínas no controle antimicrobiano in situ de queijo Minas frescal. As fibras ultrafinas foram produzidas usando uma mistura polimérica de isolado de proteína de soja (SPI), óxido de polietileno (PEO) e zeína pela técnica de electrospinning, encapsulando o óleo essencial em diferentes concentrações (0, 3 6, 9 e 12%, v/p). As fibras ultrafinas produzidas, independente da concentração do óleo essencial, apresentaram morfologia homogênea e cilíndrica com diâmetros variando de 241 a 386 nm.
Quanto à avaliação antimicrobiana in vitro, os autores reportaram ação efetiva do óleo essencial de gengibre frente as bactérias Listeria monocytogenes, Staphylococcus aureus, Escherichia coli 0157:H7, Salmonella typhimurium e Pseudomonas aeruginosa. A maior concentração de óleo essencial encapsulado apresentou resultados promissores como agente antimicrobiano in vitro frente a Listeria monocytogenes e, assim, foi utilizada para aplicação in situ (em queijo Minas frescal) frente a esta bactéria gram positiva, sendo analisada pela técnica de micro-atmosfera. A aplicação das fibras ultrafinas ativas contendo 12% de óleo essencial de gengibre mostrou alto potencial para ser aplicado em embalagens de alimentos visando reduzir a contaminação microbiana [9].
Echeverría et al. [16] produziram filmes nanocompósitos ativos à base de proteínas de soja-montmorilonita-óleo essencial de cravo para a conservação de filés refrigerados de atum rabilho (Thunnus thynnus). Os filmes foram preparados e aplicados como cobertura de filés de atum durante 17 dias de armazenamento a temperatura de 2 °C. Nessas condições, os filmes reduziram o crescimento microbiano e a auto oxidação lipídica. A presença de argila (montmorilonita) favoreceu a liberação dos compostos bioativos do óleo essencial de cravo, prologando sua ação antimicrobiana, principalmente na inibição de Pseudomonas spp. Ademais, os autores relatam que esses nanocompósitos são efetivos na aplicação como embalagem ativa para acondicionamento de atum.
Radünz et al. [8] avaliaram o potencial antimicrobiano do óleo essencial de tomilho (Thymus vulgaris) encapsulado em cápsulas produzidas por spray-drying na conservação de produtos cárneos tipo hambúrguer. As cápsulas foram produzidas utilizando como material de parede caseína e maltodextrina e apresentaram morfologia esférica e irregular e alta eficiência de encapsulação e estabilidade térmica. O óleo essencial encapsulado apresentou atividade antioxidante (frente aos radicais DPPH, hidroxila e óxido nítrico) e antimicrobiana contra Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Listeria monocytogenes e Salmonella Typhimurium quando testado in vitro e frente a coliformes termotolerantes quando testado in situ, mostrando potencial para aplicação como conservante natural produtos cárneos [8].
Um compósito adesivo à base de celulose como material de embalagem ativo foi estudado para prolongar a vida útil de queijo por Al-Moghazy et al. [12]. O compósito adesivo foi desenvolvido com fibras de gelatina para encapsulação de isotiocianato de alila (variando concentrações de 2 a 10%, v/v) em fase vapor pela técnica de electrospinning e uma folha adesiva de suporte. Os compósitos apresentaram atividade antimicrobiana in vitro frente as bactérias patogênicas Staphylococcus aureus ATCC 25923 e Escherichia coli O157:H7. Quando avaliadas in situ em queijos, os compósitos com 10% de isotiocianato de alila prolongaram a vida útil do queijo de 4 para 8 semanas.
O efeito de um filme de amido de batata esterificado incorporado com extrato de bagaço de espinheiro marinho na qualidade de carne seca vendida em supermercado foi estudado por Guo et al. [17]. O extrato foi incorporado em diferentes concentrações (2%, 4% e 6%, p/p) sendo que na maior concentração, ocorreu alteração nas características sensoriais da carne, promovendo odor característico do extrato incorporado no material da embalagem. Os filmes demonstraram efetiva redução da deterioração por bactérias na carne seca durante o armazenamento por 13 meses. Além disso, a embalagem reduziu a perda de água, mudança de cor e oxidação lipídica e proteica.
Filmes nanocompósitos de amido de tapioca incorporando de nanocristais de celulose e dois extratos de bagaço de uva foram elaborados no estudo de Xu et al. [18]. Os nanocompósitos ativos foram avaliados pelo seu efeito antimicrobiano em carne de frango pronta para consumo. A incorporação dos nanocristais de celulose aumentou a resistência à tração dos filmes e diminuiu seu alongamento na ruptura e a permeabilidade ao vapor de água. Os filmes incorporados com extratos de bagaço de uva exibiram um efeito inibitório mais forte sobre Staphylococcus aureus em comparação com Listeria monocytogenes. A aplicação dos nanocompósitos em carnes de frango prontas para consumo promoveu eficaz atividade frente a bactéria Listeria monocitogenes inoculada nas amostras de carne de frango durante o período de armazenamento de 10 dias a 4 °C.
Nanocompósitos de pectina e nanoemulsão de óleo de pracaxi foram estudados como embalagem ativa para acondicionamento de manteiga por Candido et al. [19]. As nanoemulsões foram utilizadas para encapsular o óleo nas concentrações de 0, 0,1, 0,2, 0,3 e 0,4% e então aplicadas em filmes biodegradáveis de pectina. Conforme o aumento na quantidade de óleo nas nanoemulsões, uma redução na permeabilidade ao vapor d’água dos filmes foi observada. A encapsulação em nanoemulsões resultou em um aumento na atividade antioxidante frente ao radical DPPH, fosfomolibdênio e β-caroteno, bem como um aumento nos teores de compostos fenólicos totais. Os autores avaliaram a atividade dos nanocompósitos em relação à oxidação da manteiga durante 60 dias de armazenamento, demonstrando maior estabilidade da manteiga frente a processos de oxidação, sendo uma estratégia promissora para prolongar a vida útil desse alimento de origem animal.
González-González et al. [20] estudaram o efeito de plasma frio gerado por descarga direta piezoelétrica de baixa tensão (CAP) e nanoemulsão carregada de linalol (LW) frente as bactérias patogênicas em carne de frango pronta para consumo. A atividade antimicrobiana dos tratamentos CAP (0-5 min) e LW (0-25 min) foi determinada individualmente e em combinação em diferentes sequências de aplicação em frango. Tratamentos individuais de CAP (5 min) e LW (25 min) demonstraram níveis de redução semelhantes para Escherichia coli O157:H7 e Salmonella. Já a combinação dos dois tratamentos mostrou uma atividade antimicrobiana mais alta. Os autores relatam que seu estudo foi o primeiro desenvolvido para avaliação de CAP aplicado visando o aumento da segurança de alimentos.
No estudo realizado por Bahmid et al. [21] a embalagem ativa desenvolvida com acetato de celulose contendo sementes de mostarda (500 mg) influenciou no crescimento microbiano e no tempo de absorção de umidade em carne moída com diferentes teores de gordura. Os autores mencionam que a umidade relativa e o teor de gordura influenciaram a concentração de isotiocianato de atilo, composto presente na mostarda. O estudo demonstrou que o maior teor de semente de mostarda reduziu o teor de umidade e aumentou a vida útil de 3,7 dias para as carnes que apresentavam menor quantidade de gordura e 0,6 dias para as carnes que continham quantidade média de gordura. Os autores justificam que a quantidade de gordura é o fator que mais interfere para a eficiência da embalagem, condições de armazenamento e características do alimento.
Wrona et al. [22] produziram filmes de polietileno de baixa densidade pela técnica de extrusão, com diferentes espessuras e agentes ativos, entre eles, óleo de abacate, linhaça, gengibre, semente de uva, romã, rosa e noz pecan. Os filmes desenvolvidos foram colocados em bandejas contendo carne bovina in natura e armazenados em uma temperatura de 4 °C. Os autores testaram o efeito antioxidante dos filmes aplicados no topo das bandejas. Os filmes contendo óleo de abacate, sementes de uva e linhaça foram os que apresentaram melhores resultados antioxidantes. Os filmes com óleo essencial de gengibre e óleo de rosa tiveram sua aplicação limitada devido as características sensoriais, sendo este um fator limitante. O filme com óleo de linhaça estendeu a vida útil das carnes frescas em 22%, sendo essa uma potencial aplicação para o aumento da vida útil nesses produtos.
Em outro estudo, Alizadeh-Sani, Mohammadian e McClements [23], desenvolveram filmes elaborados com isolados de proteínas do soro de leite e nanofibras de celulose para incorporação de nanopartículas de dióxido de enxofre (1%, p/p) e óleo essencial de alecrim (Rosmarinus officinalis L.) (2%, p/p). Na avaliação desses compostos quanto à atividade antioxidante in vitro frente ao DPPH, ambas as substâncias demonstraram capacidade de eliminar radicais livres do meio, no entanto, ao serem utilizadas em conjunto, os autores observaram um efeito sinérgico entre as substâncias e maior potencial de eliminar o radical DPPH. Na avaliação antimicrobiana in situ, carne ovina fresca foi armazenada a 4 ºC por 15 dias. Para as amostras de carne que foram envolvidas pelo filme, a contagem de bactérias psicrotróficas totais permaneceu abaixo do limite máximo aceitável durante todo o período de análise. A amostra controle não podia mais ser consumida após 9 dias, indicando que, quanto a esse parâmetro, o filme ativo foi capaz de estender a vida útil da carne por mais 6 dias.
Ainda, esse mesmo filme foi capaz de reduzir a variação do pH da carne e a oxidação lipídica da mesma. Além disso, os autores relatam também que a migração de íons Ti2+ para a carne após decorrido todo o período de armazenamento (15 dias) foi inferior ao preconizado como limite máximo pela FDA (Food and Drug Administration) [23].
Martiny et al [24] também estudaram a influência de uma embalagem composta por um filme ativo no armazenamento de carne ovina fresca, sendo o filme desenvolvido a partir de k-carragenina e extrato de folha de oliveira (62,5%, p/p). Na avaliação da atividade antimicrobiana in vitro frente a Escherichia coli (ATCC 11229), a concentração inibitória mínima encontrada para o extrato liofilizado foi igual a 50 mg.mL-1. Após armazenamento a frio (7 ºC) por período de dois dias, o filme ativo com extrato de folha de oliveira demonstrou ser capaz de reduzir em, aproximadamente, cinco vezes o crescimento de microrganismos psicrófilos na carne ovina em comparação ao filme controle. Assim, os autores relatam que esse material apresenta potencial para ser utilizado em embalagens ativas para carne ovina fresca, as quais seriam capazes de inibir o crescimento microbiano e, consequentemente, retardar alterações sensoriais na carne.
Por outro lado, Benito et al. [25] produziram aerogéis celulósicos multifuncionais antioxidantes a partir de extratos hidrofílicos e hidrofóbicos da biomassa residual de Posidonia oceânica. A hidrofobização dos aerogéis celulósicos foi conseguida através do revestimento de ácido polilático (PLA), enquanto a bioatividade foi conferida pela incorporação dos extratos.Os aerogéis apresentaram excelentes capacidades de sorção de água e óleo (1500 e 1900%, respectivamente) sendo capazes de liberar o líquido adsorvido quase completamente após 7 dias. A capacidade antioxidante dos aerogéis foi avaliada pelo ensaio de ácido β-caroteno-linoleico e todos os aerogéis mostraram efeito de inibição positiva, variando de 23 à 91% no ensaio. Além disso, os aerogéis carregados com extratos foram capazes de reduzir a oxidação lipídica e oximioglobina na carne vermelha após 10 dias de armazenamento, sendo a maior redução observada nos aerogéis produzidos a partir da combinação dos dois extratos (hidrofílico e hidrofóbico). Esses resultados demonstraram o potencial desses materiais para serem utilizados como almofadas adsorventes em embalagens bioativas na preservação da qualidade de alimentos frescos embalados.
CONCLUSÕES
Os alimentos de origem animal são perecíveis e, em maioria, apresentam curta vida útil. Com isso, alternativas inovadoras que possam auxiliar a indústria de alimentos a superar esse desafio vêm sendo estudadas e aplicadas, como o uso de embalagens ativas, as quais interagem com os alimentos aumentando sua vida útil e conservando sua qualidade e características sensoriais. As pesquisas com embalagens ativas vêm crescendo ao longo dos anos, devido à sua efetiva ação na conservação de alimentos de origem animal, sendo aplicadas visando principalmente uma ação antimicrobiana e/ou antioxidante.
Essas embalagens podem ser produzidas a partir de polímeros sintéticos ou de origem natural, os quais são empregados para incorporação de compostos bioativos diretamente na matriz do material da embalagem ou para encapsulação dessas substâncias, as mantendo protegidas e prolongando sua ação por maior período de tempo. Os estudos abordados nesse trabalho de revisão demonstram o grande potencial das embalagens ativas para conservação de diversos tipos de alimentos de origem animal, no entanto, é evidente que são necessárias mais pesquisas para inserção efetiva desse tipo de embalagem no mercado, garantindo que forneçam de modo correto para o consumidor os benefícios para os quais foram desenvolvidas.
AGRADECIMENTOS
Agradecimentos à Universidade Federal de Pelotas, UFPel, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES (001), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPQ (306378/2015-9) e Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (BR) – FAPERGS (17/255100009126).
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