ELABORAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO FÍSICO-QUÍMICA DE FARINHAS DE CASCAS DE MELÃO (Cucumis melo L.) DESIDRATADAS OSMOTICAMENTE E POR SECAGEM CONVECTIVA
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-80
Este trabalho foi escrito por:
Maria Tereza Lucena Pereira*; Amélia Ruth Nascimento Lima; Vera Solange de Oliveira Farias; Aluízio Freire da Silva Júnior; Vanessa Bordin Vieira; Raíra da Silva Campos; Camila Araújo Costa Lira
*Maria Tereza Lucena Pereira (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: A casca do melão é uma matéria-prima altamente nutritiva e de elevado potencial biotecnológico, no entanto, devido à sua alta perecibilidade, devem ser consideradas a utilização de métodos para sua conservação. Dentre tais métodos, a secagem convectiva e o pré-tratamento de desidratação osmótica podem ser benéficos por reduzirem o teor de umidade e, consequentemente, aumentarem o tempo de vida útil das matérias-primas. Assim, objetivou-se realizar a secagem da casca do melão sob as temperaturas de 60 e 70ºC, com e sem o pré-tratamento de desidratação osmótica para ambas condições de secagem, bem como, realizar a caracterização físico-química das farinhas obtidas. O procedimento de desidratação osmótica foi realizado em temperatura ambiente, durante um período pré-determinado de 35 horas, utilizando uma solução contendo sacarose em uma concentração de 20ºBrix. Já a secagem convectiva foi realizada nas temperaturas aludidas, para as amostras com e sem o pré-tratamento. Após o procedimento de secagem, foram elaboradas quatro formulações de farinhas, nestas, foram realizadas as análises físico-químicas de umidade, cinzas, atividade de água e lipídeos. Mediante à caracterização físico-química das farinhas, apenas os teores de umidade das amostras não submetidas ao pré-tratamento foram adequados (<15%, segundo a norma vigente). Quanto à análise de cinzas, as amostras que não foram pré-desidratadas apresentaram os maiores teores. Já para atividade de água, todas as amostras apresentaram resultados adequados, já que foram menores que 0,6%. Na análise de lipídeos, como esperado, foram obtidos resultados discretos. No geral, a farinha da casca do melão demonstrou potencial de inserção no mercado.
Palavras–chave: aproveitamento integral dos alimentos; conservação dos alimentos; Cucumis melo L
Abstract: Melon peel is a highly nutritious raw material with high biotechnological potential, however, due to its high perishability, the use of methods for its conservation should be considered. Among these methods, convective drying and pretreatment of osmotic dehydration can be beneficial because they reduce moisture content and, consequently, increase the shelf life of raw materials. Thus, the objective was to dry the melon peel at temperatures of 60 and 70ºC, with and without the pre-treatment of osmotic dehydration for both drying conditions, as well as to perform the physicochemical characterization of the obtained flours. The osmotic dehydration procedure was performed at room temperature during a predetermined period of 35 hours, using a solution containing sucrose at a concentration of 20ºBrix. Convective drying was performed at the alluded temperatures for the samples with and without pretreatment. After the drying procedure, four formulations of flours were elaborated, in these, the physicochemical analyses of moisture, ash, water activity and lipids were performed. By the physicochemical characterization of the flours, only the moisture contents of the samples not submitted to pretreatment were adequate (<15%, according to the current norm). As for ash analysis, samples that were not pre-dehydrated showed the highest levels. For water activity, all samples showed adequate results, since they were lower than 0.6%. In the analysis of lipids, as expected, discrete results were obtained. Overall, melon peel flour showed potential for market insertion.
Key Word: full use of food; food conservation; Cucumis melo L
INTRODUÇÃO
O melão (Cucumis melo L.) é uma fruta altamente cultivada, sobretudo em países tropicais, mas que apresenta elevado consumo em todo o mundo, devido às suas propriedades nutricionais e à presença de compostos bioativos (1).
No entanto, devido à alta popularidade e, obviamente, ao processamento constante do melão pelas indústrias para o desenvolvimento de produtos, são geradas excessivas cargas compostas pelos subprodutos, ou seja, porções não consumidas convencionalmente (cascas e sementes) (2).
Diante disso, as indústrias processadoras do melão vêm buscando alternativas para agregar valor aos subprodutos deste fruto, com o objetivo de minimizar danos ambientais e de gerar o aproveitamento de matérias-primas consideravelmente nutritivas (3).
Neste sentido, a casca do melão, que representa cerca de 24 à 44% do peso total do fruto (4), caracteriza-se como uma importante fonte de compostos com atividades benéficas ao organismo, como pectina, carotenoides, flavonoides, limoneno e polimetoxiflavonas (5). Portanto, tais características fazem com que esta matéria-prima tenha potencial para ser amplamente utilizada pelas indústrias alimentícia, farmacêutica e cosmetológica (6).
Todavia, para a utilização da casca do melão para o desenvolvimento de produtos, é necessário considerar que aproximadamente 92% da sua composição é constituída por água, fato que a torna bastante perecível (7). Em decorrência disto, técnicas que promovem uma maior conservação, através da redução da umidade, apresentam relevância no tocante à obtenção de produtos com qualidade e maior tempo de vida útil (8).
Dentre as técnicas utilizadas para a conservação de alimentos, a secagem convectiva, ou seja, a remoção parcial ou total da água através de aplicação de ar quente é um método bastante utilizado e que geralmente antecede a elaboração de farinhas (9, 10).
Logo, visando a otimização do processo de secagem convectiva, outras técnicas promotoras da redução da umidade podem ser previamente empregadas. A exemplo da desidratação osmótica, que consiste na imersão do produto em uma solução osmótica, contendo alguma substância desidratante, capaz de transferir seus solutos para o interior do produto, induzindo, consequentemente, a remoção de água (11,12).
Diante do exposto, o objetivo do presente estudo foi realizar a secagem da casca do melão sob as temperaturas de 60 e 70ºC, com e sem o pré-tratamento de desidratação osmótica para ambas condições de secagem, e também, realizar a caracterização físico-química das farinhas obtidas.
MATERIAL E MÉTODOS
Obtenção e tratamento das amostras
Melões (Cucumis melo L.) foram obtidos na feira livre do município de Cuité, localizado no Curimataú da Paraíba. Na oportunidade, foram observados critérios de integridade física e fisiológica da casca.
Posteriormente, os frutos foram conduzidos ao Laboratório de Tecnologia de Alimentos (LTA) da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) Campus Cuité, para a realização do tratamento, que consistiu em higienização prévia, despolpamento com o auxílio de uma faca inox, sanitização em solução clorada de 200ppm durante 15 minutos, higienização, e escoamento da água em recipiente poroso por aproximadamente 20 minutos. Por fim, algumas amostras foram submetidas ao pré-tratamento de desidratação osmótica antes da secagem, e outras foram direcionadas imediatamente ao processo de secagem.
Desidratação osmótica
A solução utilizada para a desidratação foi composta por água destilada e açúcar cristal comercial, preparada na proporção de 1:3 (g/g casca: solução) na concentração de 20º Brix. As cascas permaneceram por 35 horas imersas na solução osmótica em temperatura ambiente. Por fim, as amostras foram lavadas com água destilada e levemente enxugadas com papel toalha para a retirada do excesso de água.
Algumas cascas foram secas em estufa a 60ºC, enquanto que outras foram secas a 70ºC.
Secagem convectiva
Os experimentos de secagem convectiva foram realizados em uma estufa de circulação e renovação forçada de ar, previamente estabilizada, utilizando a técnica de secagem contínua, para as temperaturas de 60º e 70ºC. Na oportunidade, foram realizados quatro experimentos de secagem, dois para as amostras que passaram pelo pré-tratamento de desidratação osmótica em cada temperatura supramencionada, e dois para as amostras sem tratamento prévio, submetidas às mesmas temperaturas.
Durante os procedimentos de secagem, as amostras eram retiradas da estufa, em tempos pré-determinados, e pesadas em balança analítica para aferição da massa. Tal procedimento foi repetido até a obtenção do teor de umidade de equilíbrio. Após as secagens, as cascas foram conduzidas para a elaboração das farinhas.
Elaboração das farinhas
Foram elaboradas quatro formulações de farinhas: duas sem o pré-tratamento de desidratação osmótica e com secagem à 60ºC (FCMSDO 60ºC) e 70ºC (FCMSDO 70ºC), respectivamente, e duas com o pré-tratamento de desidratação osmótica e secagem à 60ºC (FCMCDO 60ºC) e 70ºC (FCMCDO 70ºC).
As cascas secas foram submetidas à trituração por dez minutos em um liquidificador industrial da marca Colombo Premium. Em seguida, as amostras foram embaladas em sacos plásticos, codificadas e encaminhadas imediatamente para as análises físico-químicas.
Análises físico-químicas
Foram realizadas as análises de umidade de acordo com a Association of Official Agricultural Chemists – AOAC (13); cinzas com base na metodologia do Adolfo Lutz (14); atividade de água através da leitura direta em um higrômetro AquaLab (Decagon Devices); e a determinação de lipídeos por meio da metodologia de Folch, Less e Stanley (15). Todas as análises foram realizadas em triplicata.
Análises estatísticas
Os dados foram compilados em planilha personalizada do programa Microsoft Office Excel 2016 e submetidos à análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey ao nível de 5% de significância, através do Software Assistat.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Elaboração das farinhas das cascas do melão
As quatro formulações das farinhas estão ilustradas na Figura 1.
Visualmente a granulometria das farinhas submetidas ao pré-tratamento de desidratação osmótica apresentou um aspecto mais refinado em comparação às farinhas que não receberam o pré-tratamento.
Além disso, é possível identificar que a coloração das amostras desidratadas é levemente mais escurecida. Tal fato pode ser em consequência da utilização da sacarose durante o procedimento de desidratação, bem como, pelo efeito da temperatura durante o processo de secagem, os quais, em associação, podem favorecer o escurecimento não enzimático (16). No entanto, como a análise de cor não foi realizada, não foi possível identificar de modo preciso a influência da desidratação osmótica na coloração das amostras.
Caracterização físico-química das farinhas obtidas
Os dados referentes às análises físico-químicas realizadas para as quatro formulações de farinhas da casca do melão podem ser visualizados através da Tabela 1.
É perceptível que apenas as amostras que foram submetidas ao pré-tratamento de desidratação osmótica não apresentaram diferença estatística entre si. Além disso, ambas demonstraram os maiores teores de umidade, sendo, inclusive, acima do limite máximo de 15%, preconizado pela RDC nº 263/2005 (17). Em contrapartida, os valores de umidade das formulações FCMSDO 60ºC e FCMSDO 70ºC são adequados, já que foram abaixo de 15%. De acordo com Kroehnke et al. (18), o fato de as farinhas pré-desidratadas osmoticamente terem apresentado um teor de umidade mais elevado pode ser justificado pela capacidade que a sacarose possui de se depositar na superfície do produto, causando um revestimento semelhante à uma crosta, a qual pode dificultar bastante o transporte de umidade.
Para avaliar a eficácia da secagem convectiva na redução da umidade dos produtos, certamente, faz-se necessário realizar uma comparação do teor de umidade do produto seco com o do produto in natura. Todavia, no presente estudo não foi realizada a caracterização físico-química da casca do melão in natura, portanto, foi utilizado como base o estudo de Morais et al. (19), no qual foi obtido como valor do teor de umidade da casca do melão o percentual de 92,1%, enquanto que neste foram obtidos valores que variaram de 10,13% a 21,33% para as farinhas. Tal comparação exprime a validez da secagem na redução do teor de umidade da casca do melão e na elaboração de produtos com qualidade.
Quanto à análise de cinzas, é possível verificar que nenhuma das amostras apresentou semelhança estatística, e que os maiores teores foram obtidos nas formulações que não foram desidratadas osmoticamente, ou seja, FCMSDO 70ºC e FCMSDO 60ºC (9,35±0,13e 8,96±0,12respectivamente). Resultado aproximado foi encontrado no estudo de Madeira (20), no qual foi atingido um valor de cinzas de 8,66±0,08 para a farinha da casca do melão amarelo. De acordo com a Instrução Normativa 8/2005 que dispõe sobre o regulamento técnico de identidade e qualidade da farinha de trigo, o teor máximo de cinzas para esta farinha deve ser de 2,5% para ser considerada integral (21). Porém, como ainda não há uma resolução que discorra sobre farinhas de resíduos de frutas, tal recomendação não deve ser totalmente considerada, uma vez que se trata de uma matéria-prima distinta.
No que concerne à análise da atividade de água (Aw), mais uma vez, todas as amostras diferiram estatisticamente entre si, entretanto, assim como na análise do teor de umidade, os maiores resultados foram obtidos para as amostras que foram desidratadas osmoticamente, ou seja, FCMCDO 60ºC e FCMCDO 70ºC (0,31±e 0,29±, respectivamente). Ademais, ao fazer uma comparação isolada entre os valores das farinhas das cascas que não foram pré-desidratadas (FCMSDO 60ºC e FCMSDO 70ºC), e entre as que foram pré-desidratadas (FCMCDO 60ºC e FCMCDO 70ºC), pode-se perceber que o acréscimo da temperatura favoreceu a obtenção de menores teores de Aw.
No entanto, no geral, todas as farinhas apresentaram teores de Aw <0,6, fato que, de acordo com Troller e Christian (22), atribui ao produto a característica de estabilidade microbiológica, uma vez que a atividade de água é um fator determinante para o desenvolvimento de micro-organismos, e a maioria deles não consegue se desenvolver em condições de Aw <0,6. Portanto, com base no resultado desta análise, as farinhas desenvolvidas no presente estudo provavelmente podem ter um tempo de vida útil satisfatório (a ser confirmado em análises de estabilidade microbiológica), tendo em vista que a atividade de água é um parâmetro crítico de qualidade dos produtos (23).
Ao que diz respeito à análise de lipídeos, como esperado, foram obtidos valores baixos, dentre os quais, apenas a formulação FCMSDO 60ºC apresentou diferença estatística em relação às demais. Ao realizar uma inspeção dos valores, é possível perceber que o aumento da temperatura implicou em percentuais mais baixos de lipídeos totais. Os valores obtidos foram ainda mais discretos que o valor obtido por Madeira (20), o qual foi de 3,63±1,23. Assim, tais resultados sugerem que as formulações de farinhas da casca do melão representam uma alternativa interessante para ser utilizada no enriquecimento de produtos alimentícios sem que haja a elevação considerável do teor lipídico.
CONCLUSÕES
Com relação à caracterização físico-química das farinhas obtidas, a análise da umidade demonstrou que as amostras que passaram pelo pré-tratamento de desidratação osmótica apresentaram teores acima dos recomendados para esse tipo de produto, em contrapartida, as amostras que não foram desidratadas osmoticamente apresentaram teores menores que 15%, sendo, portanto, adequadas.
Quanto à análise de cinzas, as amostras que não foram pré-desidratadas apresentaram os maiores teores, logo, estas formulações concentram maior resíduo mineral. Já na análise de atividade de água, as amostras que passaram pela desidratação osmótica exibiram os maiores teores, no entanto, as quatro formulações expuseram valores bastante adequados, já que foram menores que 0,6%. Quanto à análise de lipídeo, como esperado, foram obtidos valores reduzidos.
Embora algumas amostras não tenham apresentado conformidade para determinadas análises, no geral, acredita-se que a farinha da casca do melão representa uma matéria-prima com potencial de mercado por ser nutritiva e acessível, portanto, sua utilização no enriquecimento de produtos alimentícios parece ser uma boa estratégia. No entanto, faz-se necessária a caracterização físico-química e microbiológica completa destas farinhas, a fim de avaliar o máximo de parâmetros de qualidade.
AGRADECIMENTOS
À Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) pelo suporte e estrutura, e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo financiamento.
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