ELABORAÇÃO DE FARINHA A PARTIR DA CASCA DE LARANJA PERA (Citrus sinensis L Osbeck) E SEU POTENCIAL PARA DESENVOLVIMENTO DE NOVOS PRODUTOS: TEOR DE FIBRAS E ATIVIDADE ANTIOXIDANTE
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-61
Este trabalho foi escrito por:
Gabriela Avello Crepaldi*; Pamela Haissa de Oliveira Sampaio; Isac Gonçalves de Oliveira; Maria Lauren Deferrari Arrojo Freitas; Rayssa Ferreira Rosso; Catarina Motta de Moura; Andressa Carolina Jacques
*Gabriela Avello Crepaldi – Email: [email protected]
Resumo: O aproveitamento de resíduos agroindustriais tem ganhado relevância nas pesquisas nos últimos anos, pois devido à alta quantidade produzida, a sua destinação adequada faz-se necessária para reduzir impactos ambientais negativos. Esses resíduos podem ser utilizados na elaboração de novos produtos, como farinhas não convencionais para produção de pães, massas, biscoitos e barras de cereais, agregando valor nutricional aos produtos e reduzindo a quantidade de matéria orgânica descartada no solo. No processamento de suco de laranja, mais da metade do fruto (em peso) é destinada como resíduo. Diante do exposto, o presente trabalho objetivou elaborar uma farinha a partir de cascas de laranja Pera (Citrus sinensis L. Osbeck) provenientes do processamento de suco, com diferentes temperaturas de secagem (60, 70 e 80°C), realizando sua caracterização granulométrica e avaliando sua umidade, teor de fibras, e atividade antioxidante. As cascas foram obtidas em um supermercado localizado na cidade de Bagé/Brasil A caracterização granulométrica foi realizada com peneiras Tyler, calculando o diâmetro de Sauter. As análises de umidade e fibras seguiram metodologia oficial e a atividade antioxidante foi determinada através de análise espectrofotométrica com o radical livre DPPH. Os resultados mostraram que as farinhas elaboradas obtiveram umidade dentro do padrão estabelecido pela RDC – Resolução da Diretoria Colegiada n° 54 de 2012 (máximo 15%), apresentaram alto teor de fibras e alta capacidade antioxidante, não havendo diferenças estatísticas entre as temperaturas utilizadas, se enquadrando em farinha do tipo fina. Pode-se concluir que a elaboração de farinha a partir de casca de laranja Pera é uma ótima alternativa para aumentar o valor nutricional de produtos, pois possui alto teor de fibras e é rica em compostos antioxidantes, apresentando-se como uma alternativa de destino adequado para estes resíduos agroindustriais.
Palavras–chave: Aproveitamento; Co-produto; Resíduo
Abstract: The use of agroindustrial residue gained relevance in research in recent years, because due to the high amount produced, its proper disposal is necessary to reduce negative environmental impacts. These residues can be used in the elaboration of new products, such as non-organic flours for the production of bread, pasta, cookies and cereal bars, adding nutritional values to the products used and adding the amount of matter discarded in the soil. In the processing of orange juice, more than half of the fruit (weight by weight) is treated as waste, so the present work aimed to prepare a flour from Pera (Citrus sinensis L. Osbeck) orange peels from the juice processing, with different temperatures drying (60, 70 and 80°C), doing the granulometric characterization, moisture, fiber content and antioxidant activity. The orange peels were obtained from a local supermarket in Bagé/Brazil and the granulometric characterization was performed with Tyler sieves, calculating the Sauter diameter. Moisture and fiber analyzes followed official methodology and antioxidant activity was determined through spectrophotometric analysis with the free radical DPPH.The results showed that the elaborated flours obtained moisture within the standard RDC – Maximum Resolution of the Board of Directors n°54/2012 (maximun of 15%), having a high fiber content and high antioxidant capacity, with no statistical differences between the temperatures used, fitting in fine type flour. It can be concluded that the elaboration of flour from Pera orange peel is a great alternative to increase the nutritional value of products, as it has a high fiber content and is rich in antioxidant compounds, presenting itself as an alternative of suitable destination. for these agro-industrial residues.
Key Word: Use; Co-product; Residue
INTRODUÇÃO
Anualmente, mais de 1,3 bilhões de toneladas de alimentos são desperdiçados no mundo todo, sendo que em torno de 20% da quantidade total de alimentos desperdiçados são oriundos da América Latina e Caribe. Algumas causas podem ser atribuídas a esse desperdício, como falta de planejamento do consumidor, compras excessivas de alimentos e também perdas na colheita e processamento dos alimentos (1).
Estudos sobre o aproveitamento de resíduos agroindustriais mostram-se de extrema relevância, visto que a maior parte da população não sabe destinar corretamente e nem aproveitar o resíduo gerado, o qual pode ser destinado à alimentação animal, extração de óleo essencial e também extração de compostos de interesse para indústria alimentícia, como pigmentos e compostos bioativos com atividades biológicas. Também esses resíduos podem ser utilizados na elaboração de novos produtos, como farinhas para produção de pães, massas, biscoitos e barras de cereais, agregando valor nutricional ao alimento e, simultaneamente, reduzindo a quantidade de matéria orgânica descartada no solo (2).
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que o maior produtor e exportador de laranja é o Brasil, sendo que em 2021, a produção de laranjas alcançou em torno de 15 milhões de toneladas, ocupando o ranking das dez melhores commodities do país. (3;4). Em relação ao processamento da laranja na forma de sucos, o Brasil também detém mais da metade da produção, sendo um fator economicamente satisfatório, porém, ambientalmente, nem tanto, devido à alta geração de resíduos durante o processamento do suco. Esses resíduos, como a casca, bagaço e sementes, por exemplo, representam aproximadamente metade do fruto (em peso) e podem ser utilizados como fontes de fibras e compostos bioativos, por exemplo, com ação antioxidante (5;6).
A partir dos resíduos do processamento da laranja, diversos produtos podem ser gerados, como doces, óleos essenciais, celulose, farinhas, essências aromáticas, pães, biscoitos, bolos, geleias, entre outros (6). Com relação ao desenvolvimento de farinhas a partir de casca de laranja, destaca-se o alto conteúdo de polifenóis, além do teor de fibra bruta, que é cerca de cinco vezes maior quando comparada à farinha de trigo, portanto, sendo essa farinha classificada como um potente antioxidante e alimento funcional. (7)
Segundo a Resolução da Diretoria Colegiada – RDC n° 263 de 2005 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária, farinhas são produtos obtidos de partes comestíveis de uma ou mais espécies de cereais, leguminosas, frutos, sementes, tubérculos e rizomas por moagem e ou outros processos tecnológicos considerados seguros para produção de alimentos (8). Por terem baixo custo de aquisição e elevado valor nutricional, a utilização de cascas de vegetais para elaboração de farinhas não convencionais se torna uma alternativa atrativa, podendo ser utilizada na substituição parcial da farinha de trigo em produtos de panificação (9).
Dentre os compostos bioativos, os que possuem ação antioxidantes são os que se destacam por retardarem a oxidação de lipídios e outras células. A capacidade antioxidante está ligada majoritariamente a propriedade redox, que permite atuar como agentes redutores, resultando na eliminação dos radicais livres. Dentre os benefícios de consumir alimentos ricos em antioxidantes, pode-se citar a capacidade antimicrobiana, antifúngica, redução de riscos de câncer ou doenças cardiovasculares (10).
As fibras são um grupo de substâncias quimicamente parecidas com os carboidratos, porém apenas animais ruminantes conseguem digerir esses compostos. As fibras estão presentes em alimentos derivados de plantas, com a função de fornecer volume à dieta, com baixo potencial calórico, fornecendo saciedade e aumentando o trânsito intestinal. O consumo regular de fibras apresenta diversos benefícios à saúde, dentre eles a redução do risco de câncer, melhora da digestão e redução nos índices de colesterol e glicose (11;12).
A preocupação em relação a qualidade de vida vem aumentando cada vez mais na população e, com isso, a demanda por alimentos que trazem benefícios à saúde tem aumentado também. Por outro lado, os custos dos produtos com certas quantidades nutricionais são elevados. Ainda, o tratamento dos resíduos sólidos e líquidos também representa um alto gasto para as indústrias de alimentos. Desta forma, surgem alternativas, como a produção de alimentos, com a utilização de resíduos, a exemplo de casca, talos e folhas, que são ricos em fibras e pode trazer benefícios ao consumidor (13;14).
Diante do exposto, o presente trabalho objetivou elaborar uma farinha a partir de cascas de laranja Pera provenientes do processamento de suco, com diferentes temperaturas de secagem (60, 70 e 80°C), realizando sua caracterização granulométrica, avaliando a umidade, seu teor de fibras e atividade antioxidante.
MATERIAL E MÉTODOS
As cascas de laranja Pera (Citrus sinensis L. Osbeck) foram obtidas de um supermercado local da cidade de Bagé-RS/Brasil e foram cultivadas na região de Santa Margarida do Sul – RS, colhidas em julho de 2022. Foram encaminhadas ao laboratório de Desenvolvimento Tecnológico de Inovação Aplicados aos Olivais da Região da Campanha, localizado na Universidade Federal do Pampa – Campus Bagé, onde após a higienização (150 ppm de cloro por 10 minutos), foram secas em três temperaturas diferentes (60, 70 e 80°C), em estufa com circulação forçada de ar (modelo 400 – 4ND marca Ethik Technology), com velocidade de ar igual a 2 m.s-1. Após, as cascas foram moídas em um moinho analítico (marca IKA A11) com velocidade de 28000rpm, dando origem a farinha de casca de laranja.
Caracterização granulométrica
A caracterização granulométrica das farinhas obtidas a partir de casca de laranja foi realizada a partir da metodologia de Neto (16) através de peneiramento, com o auxílio de peneiras de mesh n° 48, 60, 80, 100, 150 e 200, as quais foram acopladas em um agitador eletromagnético (Marca MBL modelo AGMAGB) e submetidas a 10 minutos de agitação. Após, foi determinado o diâmetro médio de Sauter, a partir da Equação 1.
Umidade
A determinação de umidade das amostras seguiu metodologia oficial descrita pelo Instituto Adolfo Lutz (15), onde as amostras foram secas em estufa (Tecnal modeloTE393/2) à 105°C até o peso constante e o resultado expresso em % de umidade, através da Equação 2:
Fibra Bruta
A determinação de fibra bruta (FB) seguiu metodologia descrita pela Association of Official Analytical Chemists (AOAC) (18), onde foi realizada uma digestão ácida das amostras com ácido tricloroacético, ácido nítrico e ácido acético, seguida de uma filtração a quente com vácuo. O filtrado foi seco em estufa (Tecnal modeloTE393/2) por 3 horas a 105°C e após, foi feita a incineração das amostras em mufla a 600°C. O cálculo da fibra bruta está descrito através da Equação 3.
Atividade Antioxidante
A atividade antioxidante das farinhas foi determinada através do método proposto por Brand-Williams, Cuvelier e Berset (17), o qual baseia-se na capacidade dos compostos presentes nas amostras em sequestrar o radical livre DPPH (2,2-difenil-1-picrilhidrazila). A leitura das amostras após a reação foi realizada em um espectrofotômetro a 517 nm e o resultado foi expresso em % de inibição, conforme a Equação 4.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A partir da metodologia utilizada, obteve-se os resultados do diâmetro de Sauter através da análise granulométrica, umidade, teor de fibras e atividade antioxidante das farinhas elaboradas a partir de casca de laranja Pera (Citrus sinensis L. Osbeck). A Tabela 1 demonstra o resultado da caracterização granulométrica, teor de umidade, fibras e atividade antioxidante das farinhas secas em diferentes temperaturas.
Após a caracterização granulométrica realizada com a série de peneiras Tyler, os diâmetros de Sauter encontrados foram 207,3; 227,7 e 190,5 µm para as farinhas secas a 60, 70, e 80°C, respectivamente. Essa pequena diferença de diâmetro entre as farinhas possivelmente pode ser resultado do processo de moagem com moedor analítico, onde não há um controle exato do tamanho final da partícula.
Um estudo que realizou a caracterização granulométrica da farinha de trigo, relatou diâmetro de Sauter igual a 405,92 µm (19). O diâmetro de Sauter encontrado para as farinhas elaboradas a partir da casca de laranja Pera está de acordo com o resultado encontrado na literatura para farinha de trigo, mostrando ainda que as farinhas de casca de laranja possuem granulometria menor, podendo ser classificadas como farinha fina (19). Sabe-se que o tamanho de partícula é de extrema relevância para o processamento de alimentos, em especial para produtos de panificação, sendo desejado partículas mais finas (> 0,6 mm), pois tal fator influencia diretamente na capacidade de absorção de água, textura da massa, dispersão da farinha na massa, sabor e outras características sensoriais (20).
Os teores de umidade encontrados nas farinhas elaboradas a 60, 70 e 80°C foram iguais a 10,97, 9,92 e 9,59%, respectivamente. Segundo a RDC n° 263, de 22 de setembro de 2005 (8), a qual regulamenta os produtos cereais, amidos, farinhas e farelos, estipula-se que o teor máximo permitido de umidade para farinhas seja igual a 15,00%. Assim sendo, os três valores encontrados estão de acordo com a legislação brasileira vigente. Observa-se também que a farinha seca a 60°C possui uma umidade mais elevada em relação às outras duas amostras, embora esteja dentro do padrão permitido.
O controle de umidade é um dos principais fatores para a conservação de alimentos (21), pois alguns microrganismos, como fungos, bactérias e leveduras, necessitam de umidade para seu crescimento, afetando diretamente a qualidade e segurança dos alimentos (22). Também, o teor de umidade influencia no tipo de embalagem na qual o produto vai ser acondicionado e no tipo de transporte e estocagem, afetando diretamente sua vida de prateleira (23).
Os teores de fibras encontrados para as farinhas secas a 60, 70 e 80°C foram iguais a 9,63, 10,26 e 10,93%, respectivamente, não diferindo entre si ao nível de 5% de significância. Outros estudos que realizaram análise de fibra bruta da farinha de casca e albedo da laranja obtiveram resultados similares, iguais a, aproximadamente, 11,67% de fibra bruta (24;25).
Considerando a RDC n° 54, de 12 de novembro de 2012 (26), que regulamenta sobre informação nutricional complementar, o conteúdo encontrado nas farinhas é de alto teor de fibras, pois as mesmas possuem acima de 6,00%, conforme determinado pela legislação, apontando que as farinhas de casca de laranja Pera podem ser incluídas na dieta como alimento fonte de fibras, pois quando comparada a farinha de trigo, por exemplo, a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO) relata que a mesma apresenta um teor de fibras de 2,30%.
Em relação à atividade antioxidante das farinhas de casca de laranja, foram encontrados valores de 92,02, 91,93 e 92,22% de inibição dos radicais livres DPPH para as farinhas elaboradas a 60, 70 e 80°C, respectivamente, não apresentando diferenças estatísticas entre si (ao nível de 5% de significância). Dados da literatura mostraram que a atividade antioxidante para extrato da casca do limão resultou em 76% de inibição, enquanto a casca de laranja obteve-se um resultado de 74,4% de inibição e, ainda, o trigo demonstrou 50% de inibição dos radicais livres DPPH. Esses dados são inferiores aos resultados encontrados para as farinhas de casca de laranja, visto que as três amostras analisadas obtiveram atividades antioxidantes mais elevadas, em torno a 92%. Alguns fatores podem explicar esta diferença, como o estágio de maturação do fruto, a cultivar estudada, a época de colheita, o tratamento da amostra e as condições de armazenamento (27).
Tais dados corroboram com a escolha de elaborar farinha a partir de casca de laranja para desenvolvimento de novos produtos, pois além de ter alto teor de fibras, ajudando na flora intestinal, possui uma elevada atividade antioxidante, contribuindo para o combate aos radicais livres. Ressalta-se que a utilização de diferentes temperaturas (60, 70 e 80°C) para a secagem das cascas de laranja Pera (Citrus sinensis L. Osbeck) não influenciou no resultado das análises realizadas no presente trabalho (caracterização granulométrica, umidade, teor de fibra bruta e atividade antioxidante).
CONCLUSÕES
Conclui-se que a elaboração de farinha a partir de casca de laranja Pera (Citrus sinensis L. Osbeck) é uma ótima alternativa para aumentar o valor nutricional de produtos, por exemplo, como pães e massas, pois possui alto teor de fibras e é rica em compostos antioxidantes. Ainda, a partir da caracterização granulométrica, pode-se concluir que as farinhas elaboradas são do tipo fina e apresentam teores de umidade dentro dos padrões estabelecidos em legislação vigente no Brasil, país onde foi desenvolvido esse estudo. Ainda, o reaproveitamento das cascas para elaboração de farinha contribui como alternativa para destinação adequada destes resíduos que são gerados em grande escala durante o processamento de sucos.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Universidade Federal do Pampa – Campus Bagé (UNIPAMPA), ao Laboratório Desenvolvimento Tecnológico de Inovação Aplicados aos Olivais da Região da Campanha, onde foram realizadas todas as análises deste estudo, e ao grupo de pesquisa sobre Aproveitamento de Resíduos Domésticos no Desenvolvimento de Novos Produtos.
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