EFEITO DE GORDURA VEGETAL HIDROGENADA E GORDURA DE ORIGEM RUMINANTE SOBRE OS NÍVEIS PLASMÁTICOS DE ALT E AST EM RATOS
Camila Neves Meireles Costa1; Thallyta Alanna Ferreira Viana das Neves2; Jade Morais Alves3; Larissa de Brito Medeiros4
1Graduada do Curso de Nutrição – CCS – UFPB; E-mail: [email protected], 2Graduada do Curso de Nutrição – CCS – UFPB; E-mail: [email protected], 3Graduada do Curso de Nutrição – CCS – UFPB; E-mail: [email protected], 4Doutora em Ciências da Nutrição – CCS – UFPB; E-mail: [email protected].
Resumo: As gorduras dietéticas têm grande importância na saúde humana e podem ter efeitos metabólicos de acordo com os tipos de ácidos graxos predominantes. O fígado é o responsável pela maior parte da doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA) mediada pelos ácidos graxos trans (AGT). Objetivou-se com esse estudo comparar os efeitos entre dietas adicionadas de gordura vegetal hidrogenada (GVH) e de gordura ruminante sobre os índices plasmáticos de ALT e AST em ratos. Foram utilizados 27 ratos da linhagem Wistar distribuídos em três grupos: CONT – dieta controle sem adição de gordura; GVH – dieta com adição de 20% de GVH; e RUM – dieta com adição de 20% de gordura ruminante. Essas dietas foram oferecidas aos animaisdurante 52 dias. As amostras sanguíneas, após a eutanásia, foram centrifugadas e as enzimas ALT e AST foram quantificadas. Embora a ALT não tenha apresentado diferença entre os grupos, houve maior concentração de AST no grupo GVH, quando comparada ao CONT, porém sem apresentar diferença significativa com o grupo RUM. O presente estudo fornece indicativos da possível correlação entre as gorduras estudadas e marcadores da integridade do fígado. Posto isto, para elucidar tais achados, mais investigações acerca da temática são necessárias.
Palavras–chave: ácidos graxos trans; aspartato aminotransferase; gordura ruminante; gordura vegetal hidrogenada
INTRODUÇÃO
As gorduras dietéticas têm grande importância na saúde humana, fornecendo ácidos graxos que podem ser oxidados para geração de energia, incorporados em fosfolipídios plasmáticos, em partículas de lipoproteínas e membranas celulares ou armazenados como triglicerídeos. Os ácidos graxos insaturados podem ser categorizados em relação à diferença de configuração das ligações dupla, os ácidos graxos cis ou ácidos graxos trans (AGT) (VANNICE; RASMUSSEN, 2014).
As gorduras de fontes industriais, como as gorduras vegetais hidrogenadas (GVH), e as de fonte natural, como as provenientes de leite e carne, contêm espécies semelhantes de AGT, mas em proporções diferentes, tendo em vista que, o ácido elaídico (C18:1t9) e o isômero C18:1t10 são mais prevalentes em fontes industriais, e o ácido vacênico (C18:1t11) é predominante no leite e na carne de animais ruminantes (BROUWER; WANDERS; KATAN, 2013). Diante disso, as gorduras dietéticas podem ter efeitos metabólicos de acordo com os tipos de ácidos graxos predominantes (DÉCARIE-SPAINet al., 2018).
Nesse aspecto, existe, no fígado, um equilíbrio intrincado entre a absorção, armazenamento, síntese, secreção e oxidação de lipídios a fim de manter a homeostase lipídica local e sistêmica. O metabolismo lipídico hepático desregulado pode causar dislipidemia e doença hepática gordurosa não alcoólica (DHGNA), ambos também são fatores de risco importantes para doenças cardiovasculares. Estudos mostram que o fígado é o responsável pela maior parte da patologia mediada pelos AGT (ABD et al., 2018; FAASSE; BRAUN; VOS, 2018).
A característica da DHGNA é a esteatose hepática, mas a doença também abrange a esteatohepatite não alcoólica (EHNA) caracterizada por inflamação hepática, lesão de hepatócitos e fibrose, destacando a natureza potencialmente progressiva da doença. Parâmetros sanguíneos comumente analisados, como alanina aminotransferase (ALT) ou aspartato aminotransferase (AST), são associados a alguns parâmetros histológicos, como inflamação e esteatose. No entanto, essas correlações parecem ser influenciadas pela gravidade da doença (FRACAZANI et al., 2008).
Estudos que comparam os efeitos da GVH e gordura ruminante na saúde são escassos. Diante das limitações de pesquisas que relacionem as possíveis implicações maléficas da gordura dietética de fonte industrial com os impactos à saúde dos diferentes AGT contidos na gordura de fonte natural, esse estudo tem como finalidade comparar os efeitos entre dietas adicionadas de GVH e de gordura ruminante sobre os índices plasmáticos de ALT e AST em ratos.
MATERIAL E MÉTODOS
OBTENÇÃO DE GORDURA RUMINANTE E CARACTERIZAÇÃO DAS DIETAS
A gordura ruminante foi obtida a partir da carne de 20 cordeiros da raça Santa Inês, com média de 20 kg de peso corporal.
As três dietas utilizadas para o experimento foram uma dieta padrão comercial (PRESENCE-Purina do Brasil Ltda) e duas dietas experimentais hiperlipídicas: I. Dieta padrão adicionada de 20% de gordura vegetal hidrogenada (GVH) vendida comercialmente; II. Dieta padrão adicionada de 20% de gordura ruminante.
ANIMAIS E DELINEAMENTO EXPERIMENTAL
Ratos da linhagem Wistar (Rattus norvegicus albinus), pesando entre 200 a 300 g, foram mantidos em temperatura ambiente de 22ºC ± 2 ºC, ciclo claro/escuro de 12/12 h, com livre acesso à água e ração Presence-Purina® (dieta padrão).
Os animais (n=27), ao completarem 60 dias de idade (P60), foram randomizados nos seguintes grupos (n=9):
- Grupo 1 (CONT): os ratos foram alimentados com a dieta padrão durante 45 dias (P60 – P105).
- Grupo 2 (GVH): os ratos foram alimentados com a dieta padrão adicionada de 20% de gordura vegetal hidrogenada durante 45 dias (P60 – P105).
- Grupo 3 (RUM): os ratos foram alimentados com a dieta padrão adicionada de 20% de gordura ruminante durante 45 dias (P60 – P105).
A eutanásia foi realizada após 52 dias de administração das dietas, sendo retirada a ração dos animais 8 horas antes, provocando o jejum. Os animais foram pesados em balança eletrônica e depois anestesiados (113 dias de idade). Com o animal sob anestesia geral, foi feita a punção cardíaca para obtenção de amostras do sangue, para a realização das análises.
PARÂMETROS AVALIADOS
As amostras sanguíneas, após a eutanásia, foram centrifugadas para obtenção de amostras de soro que foram mantidos a -80ºC até a realização das análises bioquímicas. Os níveis de alanina aminotransferase (ALT) e aspartato aminotransferase (AST) foram quantificados através de kits comerciais (Labtest, Belo Horizonte – MG, Brasil) de acordo com as instruções do fabricante. As análises foram realizadas no analisador bioquímico automático Labmax 240 (Belo Horizonte, Brasil).
ANÁLISE ESTATÍSTICA
As diferenças inter-grupos foram submetidas ao teste de normalidade Kolmogorov-Smirnov e analisadas utilizando ANOVA de uma via, seguida, quando necessário, pelo teste post hoc Tukey. Foram consideradas aceitas como significantes as diferenças em que p<0,05.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
No presente experimento, marcadores de integridade do fígado, como ALT e AST, foram avaliados no soro sanguíneo e dispostos na Tabela 1.
Tabela 1 – Parâmetros de ALT e AST do soro sanguíneo de ratos adultos alimentados com dietas CONT, GVH e RUM.
1 – CONT: Controle; GVH: gordura vegetal hidrogenada; RUM: gordura ruminante.
2 – ALT: alanina aminotransferase; AST: aspartato aminotransferase.
Médias na mesma linha com diferenças significativas (p<0.05) são indicados por letras diferentes.
É sabido que níveis elevados de ALT e AST plasmáticos são indicativos de lesão hepática (MCGILL, 2016). Embora a ALT permaneça inalterada, a AST apresentou a maior concentração com o tratamento GVH quando comparada ao CONT, mas não em relação ao grupo RUM. Os resultados são compatíveis com outro estudo, onde houve alta correlação entre a ingestão de AGT e AST no sangue em ratos (DHIBI et al., 2011).
De fato, o efeito da alteração direta dos AGT na função hepática é tão elevado que dietas com alto teor de AGT têm sido usadas para induzir DHGNA experimentalmente em alguns modelos de animais (KOMATSU et al., 2019). Além disso, dietas com alto teor de AGT podem induzir esteatose hepática mais severa do que as dietas de alto teor de gordura comuns, possivelmente através da supressão da enzima lipase de triglicerídeos de tecido adiposo (ATGL) e consequentemente promovendo o acúmulo de lipídeos no fígado (ZHAO et al., 2016). Embora haja estudos que demonstram alteração nas transaminases em modelos de doença hepática induzida por dieta (KIM et al., 2013), outros trabalhos não observaram modificação na concentração dessas enzimas (BASANTANI et al., 2011). Sugere-se, então, que a intensidade e o grau do dano hepático possam estar relacionados à presença de tais transaminases no sangue.
CONCLUSÕES
De modo geral, a inclusão de gordura vegetal hidrogenada na dieta dos animais proporcionou uma maior concentração de AST no sangue quando comparado aos animais do grupo controle, diferentemente do grupo de tratamento com gordura ruminante, em que não houve diferença significativa. Os níveis de ALT não apresentaram alterações significativas. Contudo, o presente estudo fornece indicativos da possível correlação entre as gorduras estudadas e marcadores da integridade do fígado, visto que essas alterações podem estar interligadas ao grau de dano hepático. Posto isto, para elucidar tais achados, mais investigações acerca da temática são necessárias.
REFERÊNCIAS
ABD, A. M. et al.The correlation of dyslipidemia with the extent of coronary artery disease in the multiethnic study of atherosclerosis. J Lipids, v. 10, p. 1-9, 2018.
BASANTANI, M. K. et al. Pnpla3/Adiponutrin deficiency in mice does not contribute to fatty liver disease or metabolic syndrome. J Lipid Res, v. 52, n. 2, p. 318-29, 2011.
BROUWER, I. A.; WANDERS, A. J.; M. B. KATAN. Trans fatty acids and cardiovascular health: research completed?. Eur J Clin Nutr, v. 67, n. 5, p. 541-547, 2013.
DÉCARIE-SPAIN, L. et al. Nucleus accumbens inflammation mediates anxiodepressive behavior and compulsive sucrose seeking elicited by saturated dietary fat. Mol Metab, v. 10, p. 1-13, 2018.
DHIBI, M. et al. The intake of high fat diet with different trans fatty acid levels differentially induces oxidative stress and non alcoholic fatty liver disease (NAFLD) in rats. Nutr Metab, v. 8, 65, 2011.
FAASSE, S.; BRAUN, H.; VOS, M. The role of NAFLD in cardiometabolic disease: an update. F1000Research, v. 77, p. 7-170, 2018.
FRACANZANI, A. L. et al. Risk of severe liver disease in nonalcoholic fatty liver disease with normal aminotransferase levels: a role for insulin resistance and diabetes. Hepatology, v. 48, n. 3, p. 792-798, 2008.
KIM, T. H. et al. An active metabolite of oltipraz (M2) increases mitochondrial fuel oxidation and inhibits lipogenesis in the liver by dually activating AMPK. Br J Pharmacol, v. 168, n. 7, p. 1647-61, 2013.
KOMATSU, G., et al. AIM-deficient mouse fed a high-trans fat, high-cholesterol diet: a new animal model for nonalcoholic fatty liver disease,Exp Anim, v. 68, p. 147-158, 2019.
MCGILL, M. R. The past and present of serum aminotransferases and the future of liver injury biomarkers. Exp Clin Journal, v. 15, p. 817-828, 2016.
VANNICE, G.; RASMUSSEN, H. Position of the academy of nutrition and dietetics: dietary fatty acids for healthy adults. J Acad Nutr Diet, v. 114, n. 1, p. 136-153, 2014.
ZHAO, X., C. et al. Trans-Fatty Acids Aggravate Obesity, Insulin Resistance and Hepatic Steatosis in C57BL/6 Mice, Possibly by Suppressing the IRS1 Dependent Pathway, Molecules, p. 21, e705, 2016.