COMPOSTOS BIOATIVOS E DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS: UMA REVISÃO DE LITERATURA
Capítulo de livro publicado no livro: Ciência e tecnologia de alimentos: Pesquisas e avanços. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062060-22
Este trabalho foi escrito por:
Jade Vitoria Duarte de Carvalho *; Luana Karoline Furtado ; Helen Cristina de Oliveira Palheta ; Luis Gustavo Alcantara ; Rosely Carvalho do Rosário ; Thiely Ribeiro Martins ; Orquídea Vasconcelos dos Santos
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
O contexto epidemiológico atual demonstra a ascensão das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), destacando-se que a alimentação impacta e pode ser considerado um dos fatores de risco modificável na gênese de diversas doenças. Nesse sentido, pesquisas científicas têm mostrado a influência de compostos bioativos sobre a prevenção de diversos agravos à saúde humana. Desse modo, este trabalho tem o objetivo de analisar, na literatura científica atual, como se apresenta a influência dos compostos bioativos na prevenção de DCNT. Os compostos bioativos como os compostos fenólicos, carotenoides, vitamina C e clorofilas apresentam papel positivo na diminuição do risco de surgimento de DCNT, visto que a ingestão de uma dieta rica em fontes alimentares desses compostos é uma excelente forma de obtenção desses compostos que atuam na manutenção e promoção da saúde dos indivíduos. Desse modo, uma alimentação saudável e balanceada constituída de compostos bioativos é essencial para o bom funcionamento do organismoe prevenção das DCNT.
Palavras–chave: Alimentos funcionais; Compostos fitoquímicos; Doenças crônicas não transmissíveis
INTRODUÇÃO
No cenário atual, o Brasil e o mundo passam por um contexto epidemiológico o qual se destaca a predominância de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) como hipertensão arterial, diabetes mellitus, obesidade, doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, neoplasias e outras. De acordo com o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das DCNT no Brasil 2021-2030, elas são graves problemas de saúde pública e privada no país, pois representam a causa de mais da metade do total de mortes no Brasil, sendo em 2019, a causa de 54,7% dos óbitos registrados (1).
Apresentam etiologia multifatorial, entretanto estudos demonstram que o consumo alimentar apresenta influência positivas ou negativas sobre o surgimento de DCNT (2,3,4). Segundo o Guia Alimentar para a população brasileira os alimentos in natura e minimamente processados devem ser a base da alimentação dos indivíduos em geral, visto que a ingestão adequada de macro e micronutrientes proporcionada pela alimentação é de extrema importância e influência para a manutenção da homeostase corporal e saúde dos indivíduos (5).
Entretanto, observa-se que o estilo de vida moderno (ingresso da mulher no mercado de trabalho, longas jornadas de trabalho e busca por alimentos mais palatáveis e entre outros) contribui para o aumento do consumo de alimentos com alta densidade calórica, ricos em gordura, sal e açúcar os quais são prejudiciais à saúde, contribuindo como fator de risco modificável para o surgimento de DCNT (6). Diante disso, há grande interesse no desenvolvimento de pesquisas científicas nutricionais acerca de alimentos com alegação de propriedades funcionais, por conta da presença de compostos bioativos que podem atuar reduzindo o risco de surgimento de DCNT (7).
Os compostos bioativos são substâncias advindas de metabólitos secundários das plantas, através de vias metabólicas e que apesar de não serem considerados nutrientes, atuam na redução de riscos a agravos de saúde e consequentemente auxiliam na saúde dos indivíduos (8).
Dessa forma, este trabalho tem o objetivo analisar, na literatura científica atual, como se apresenta a influência dos compostos bioativos na prevenção de DCNT.
METODOLOGIA
A presente pesquisa é bibliográfica, de abordagem qualitativa básica, com objetivo descritivo acerca de compostos bioativos carotenoides, compostos fenólicos, vitamina C e clorofilas. Realizou-se uma pesquisa bibliográfica, com busca nas bases de dados BVS, MEDLINE (PubMed) e Science Direct de artigos científicos em periódicos, em inglês e português, de 2018 a 2022, utilizando-se como descritores “compostos bioativos”, “doenças crônicas não transmissíveis”, “nutricional” e “funcional” de forma isolada ou combinados entre si pelo descritor boleano “AND”.
TÓPICOS
COMPOSTOS BIOATIVOS E SAÚDE HUMANA
A natureza disponibiliza aos seres humanos uma vasta disponibilidade de plantas na flora mundial com potenciais medicinais, nutricionais, farmacêuticos e industriais com comprovação científica de sua eficácia e funcionalidades (DE SÁ-FILHO, 2021). As plantas possuem metabólitos secundários, os quais são considerados princípios ativos vegetais produzidos a partir de produtos da fotossíntese com funções importantes como proteção e resposta a estímulos do ambiente em que elas estão inseridas (9).
Alguns dos compostos bioativos conferem cores aos alimentos, a exemplo das antocianinas, carotenóides, clorofila e xantofilas e distinguem-se principalmente em fitoquímicos, polifenóis, flavonóides, carotenóides, fitoesteróis e vitamina C (10,11). Alimentos com componentes bioativos são conhecidos como alimentos com alegação de propriedades funcionais, devido a seus efeitos fisiológicos e metabólicos benéficos ao organismo humano, que incluem suas atividades antioxidantes, anti-inflamatórias e seus efeitos no metabolismo da glicose e lipídios, visto que o processo de gênese de DCNT como doenças cardiovasculares, câncer e diabetes tipo 2 podem ser diminuídos com ação desses compostos (12).
COMPOSTOS FENÓLICOS
Os compostos fenólicos são o maior grupo dentro dos compostos bioativos e podem ser divididos em classes conforme suas características estruturais, visto que os compostos fenólicos são formados a partir da ligação direta de um ou mais aneis aromáticos (benzeno) com um grupamento hidroxil, após a substituição de um ou mais hidrogênios na mólecula de benzeno, podendo diferir em moléculas fenólicas simples e compostos com elevada polimerização (13).
Os polifenóis são os compostos mais abundantes nas plantas, sendo divididos em flavonóides que são as flavonas (luteolina, apigenina, crisina), flavonóis (miricetina, quercitina, kaempferol, galangina e isorhamnetina), flavanonas (naringenina e hesperitina), flavanóis (epigalocatequina, EGCG, epicatequina e procianidina) isoflavonas (daidzeína e genisteína) e as antocianinas (delfinidina, malvidina, cianidina e pelargonidina) e em não flavonóides os quais são os ácidos fenólicos (ácidos hidroxicinâmico e hidroxibenzóico), lignanas (pterostilbeno, reverastrol e piceatanol), catequinas, taninos, estilbenos (14).
As principais fontes alimentares de polifenóis são as frutas (Figura 1) principalmente as de cor vermelha como o jambo e roxas como o açaí, cítricas e cacau, leguminosas como o feijão, oleaginosas como as nozes, cereais e chás preto e verde, os quais compõem um padrão de alimentação saudável capaz de prevenir deficiências nutricionais (15). Um número crescente de estudos demonstra que o desequilíbrio entre a taxa de radicais livres (EROS) e o processo antioxidante ocasiona um estresse oxidativo e consequentemente leva a ocorrência de alterações nos tecidos e o surgimento de doenças cardiovasculares como aterosclerose, doenças neurodegenerativas e câncer, logo os compostos fenólicos podem atuar na prevenção dessas doenças devido a seu elevado potencial antioxidante (16,17).
Segundo o estudo de revisão realizado por Gowda et al. (2019) (18) a dieta dos indivíduos tem uma relação complexa com a microbiota intestinal, haja vista que uma dieta rica em ultraprocessados e pobre em nutrientes gera um grau de inflamação e estresse oxidativo, sendo possível amenizar esse processo com uma dieta rica em polifenóis. Desse modo, os polifenóis como a procianidina, podem auxiliar na diminuição da inflamação, pois este apresenta efeitos na modulação de citocinas pró-inflamatórias, antioxidantes como sequestro de elétrons instáveis, aumento da atividade das enzimas antioxidantes e diminuição da peroxidação lipídica, os quais reduzem ou eliminam os EROS e diminuem os riscos de complicações associadas à síndrome metabólica e ao estado de obesidade proporcionando a diminuição do risco do surgimento de diabetes mellitus tipo 2.
De acordo com um estudo realizado Sun et al. (2018) (19) os polifenóis contidos no chá preto e verde apresentam efeito modulador da microbiota intestinal por propiciar a proliferação de bactérias benéficas no cólon como Bifidobacterias spp., Enterococus spp. e Lactobasilus spp. e diminuição a proliferação de bactérias patogênicas como Prevotella (relacionadas a inflamações e câncer intestinal), Bacteroides e Clostidium histolyticum (pode desempenhar um papel na patogênese da colite ulcerativa).
CAROTENOIDES
Os carotenoides são compostos lipofílicos e hidrofóbicos, visto que possuem afinidade com gorduras e baixa solubilidade em meio aquoso, com moléculas oxidáveis e estruturas tretaterpenóides com oito unidades de isoprenos agrupadas no centro da molécula gerando um esqueleto conjugado formado por cerca de 40 átomos de carbono (C40H56) (20). Apresentam configurações variadas em decorrência da existência de isômeros cis e trans, os quais diferem em características como propriedades fotossintéticas e fotoprotetoras, diferentes pontos de fusão, estabilidade e solubilidade (21).
Além disso, são pigmentos sintetizados por vegetais e algas que conferem coloração aos alimentos e produtos alimentícios que variam entre os tons amarelo, laranja e vermelho, e podem ser divididos em xantofilas (pigmentos maculares) como a luteína, zeaxantina, beta- criptoxantina, astaxantina e carotenos (hidrocarbonetos puros) como alfa-caroteno, beta-caroteno e licopeno, como demonstra a Figura 2 (22). Alimentos como buriti, tomate, milho, cenoura, melancia, manga, pimentão, pitanga, abóbora, frutos do mar, pupunha, mamão, goiaba, brócolis e vegetais verdes folhosos são algumas das fontes dietéticas dos carotenoides (23).
Os carotenoides estão presentes nas plantas em partes como folhas, flores, raízes e sementes, entretanto sua ingestão é cem vezes menor se comparado com os polifenóis (24). Nas folhas, os carotenoides são biossintetizados pelos cloroplastos (sua composição depende de variáveis que vão desde o momento de pré-colheita até o processamento) e armazenados em complexos pigmento-proteína, portanto para a absorção satisfatória desse composto faz-se necessário o cozimento e a mastigação adequada para o rompimento da parede celular durante o processo de digestão. Já as frutas, apresentam as estruturas da parede celular menos rígida e os carotenoides estão dispostos nas gotículas de lipídios nos cloroplastos, fato que possibilita que os carotenoides presentes nas frutas sejam mais facilmente absorvidos em detrimento aos presentes nas folhas (21).
Além de contribuir com a pigmentação das frutas e vegetais, os carotenoides oferecem benefícios à saúde humana devido a suas funções precursoras da vitamina A e outros produtos da conversão de retinóides, participação no ciclo da visão, regulação genética por favorecer a proliferação e divisão de células saudáveis, interação com o controle do metabolismo lipídico e energético diminuído risco de surgimento de doenças (como a obesidade, cardiovasculares e doença hepática gordurosa não alcoólica).
Ademais, possui atividade antioxidante por eliminar espécies reativas de oxigênio como o oxigênio singlete e evitar a ação exacerbada dos EROS inibindo processos inflamatórios e oxidativos como os que ocorrem em doenças inflamatórias como a aterosclerose (25, 26, 27).
VITAMINA C
Outro composto bioativo que apresenta funções biológicas bastante elucidadas na literatura é a vitamina C ou ácido L-ascórbico, o qual é uma substância exógeno essencial, solúvel em água e considerado um ácido dibásico com um grupamento enediol ligado ao segundo e terceiro carbono (C2 e C3) de um anel de lactona heterocíclico (PIRES et al., 2018). Suas funcionalidades no organismo humano correspondem a capacidade de alterar seu fator redox, atuar com cofator de enzimas na produção de colágeno e carnitina, biossíntese de catecolamina, no metabolismo da tirosina, além de auxiliar na absorção de ferro não heme, na redução do ferro férrico em ferroso, funcionamento adequado do sistema nervoso central e sistema imunológico (28, 29,30).
A vitamina C é sintetizada endogenamente por alguns animais e é essencial na regulação do metabolismo das plantas, nas quais está presente em elevadas concentrações, por favorecer processos como a absorção de ferro, auxiliar na fotossíntese e produção do hormônio vegetal etileno (31). Os principais alimentos fontes de vitamina C são frutas cítricas como laranja, goiaba, camu-camu, acerola, abacaxi, morango, manga, tomate e vegetais como acelga, couve-de-bruxelas, aspargo entre outros (32).
Estudos demonstram que o ácido ascórbico desempenha um papel importante na prevenção de diversos tipos de doenças associadas ao estresse oxidativo como disfunções cardiovasculares, desenvolvimento de certos tipos de tumores e doenças neurodegenerativas (33, 34).
CLOROFILAS
As clorofilas são um grupo de compostos clorínicos amplamente distribuídos na natureza, presentes no cloroplasto das plantas sendo essenciais no processo de captação luminosa para conversão em energia. Apresentam estrutura molecular constituída por quatro anéis pirrol conectado por pontes metinas e apresenta anel central com um íon de Magnésio (Mg 2+) regulado por quatro átomos de azoto (35).
Em decorrência da diferença estrutural, as clorofilas podem ser encontradas sobre nas formas de clorofilas a (C55H72O5Mge) e b (C55H70O6N4Mg) às quais coexistem nas plantas e alimentos de origem vegetal, na proporção de 3:1, e são responsáveis por conferir a coloração verde, clorofilas c (C55H70O4N5Mg), d (C54H70O6N4Mg) e clorofila f (C54H70O6N4Mg) são encontradas em organismos como as microalgas e cianobactérias (23,36). As clorofilas apresentam sensibilidade a temperaturas e pH extremos, condições estas que permitem a formação de diversos derivados distintos como feofitinas, clorofilídeos, feoforbídeos e alterações na coloração (35).
. As clorofilas são pouco absorvidas pelo organismo humano, entretanto suas concentrações na dieta podem atingir cerca de 86 mg/dia, indicando a presença de seus derivados no organismo, os quais possuem efeitos fisiológicos positivos como a sua ação antioxidante (37). Consoante ao estudo de revisão realizado por Kurdziel e Solymosi (2017) a clorofila e seus derivados são captadores de EROS como o oxigênio singlete, peróxido de hidrogênio, radical hidroxila e inibem a oxidação lipídica segundo os estudos realizados in vivo e in vitro, demonstrando seu potencial terapêutico na prevenção de agravos à saúde como doenças inflamatórias, câncer, aterosclerose e outros.
A pesquisa de Li et al. (2019) (38) investigou as propriedades anti-obesidade de uma suplementação de extrato de espinafre rico em clorofila por treze semanas em um grupo de camundongos expostos a uma dieta com ração normal (RN) e o outro com dieta hiperlipídica (DH). Segundo os dados, os camundongos com DH apresentaram ganho de peso na quinta semana quando comparado aos RN, entretanto os camundongos com DH que receberam a suplementação do extrato rico em clorofila apresentaram diminuição de 18,87% no peso e gordura corporal entre a semana sete e treze durante a suplementação em comparação aos que receberam RN.
Logo, observou-se que ocorreu a diminuição nas concentrações de lipoproteína de baixa intensidade (LDL) de 0,65 mg/dL para 0,53 mg/dL, endotoxina sérica TNF- y (controla a produção de citocinas inflamatórias em tecidos e induz a inflamação), lipopolissacarídeo (LPS) e a melhora na tolerância à glicose o que implica na diminuição da inflamação sistêmica, supressão da obesidade induzida por dieta rica em gordura e consequentemente a síndrome metabólica nos camundongos testados.
CONCLUSÕES
De acordo com o que foi exposto, constata-se que os hábitos alimentares podem apresentar influência positiva ou negativa na saúde dos indivíduos, bem como no surgimento de doenças crônicas não transmissíveis.
O consumo de alimentos com alegações de propriedades funcionais, fontes de compostos bioativos, pode atuar como ferramenta na diminuição de riscos do surgimento de DCNT, visto que estes possuem potenciais ações antioxidantes e anti-inflamatórias, processos os quais podem impedir a gênese de doenças cardiovasculares, neoplasias e obesidade. Desse modo, uma alimentação saudável e balanceada constituída de compostos bioativos é essencial para o bom funcionamento do organismo dos indivíduos, evita o surgimento de agravos à saúde e consequentemente colabora para a diminuição do quadro de morbidade e mortalidade ocasionado pelas DCNT.
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