APLICAÇÃO DE ÓLEOS ESSENCIAIS COM AÇÃO ANTIMICROBIANA NA INDÚSTRIA ALIMENTÍCIA
Capítulo de livro publicado no livro da III Semana Nacional da Microbiologia de Alimentos na Indústria. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/IIISEMICRO-16
Este trabalho foi escrito por:
Isabela Soares Magalhães *; Maria José do Amaral e Paiva ; Jeferson Silva Cunha ;Irene Andressa ; Flaviana Coelho Pacheco ; Fábio Ribeiro dos Santos; ; Bruno Ricardo de Castro Leite Júnior
* Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: O rótulo clean label é uma tendência que surgiu nos últimos anos a partir de uma demanda da população, que tem dado preferência aos alimentos minimamente processados e isentos de aditivos artificiais. Ao mesmo tempo, esses consumidores buscam por alimentos seguros, que provoquem pouco ou nenhum impacto ao meio ambiente e sejam benéficos à saúde. Nesta perspectiva, o mercado de produtos naturais, como o de óleos essenciais, tem sido cada vez mais estudado. Sendo assim, o objetivo do trabalho foi sintetizar as informações disponíveis sobre a atividade antimicrobiana dos óleos essenciais e a aplicação desses compostos como conservantes alimentares, bem como destacar os desafios e tendências relacionados a essa aplicação. As propriedades dos óleos essenciais e a classificação como compostos naturais e seguros aumentam as possibilidades de utilização desses compostos em alimentos. São crescentes os estudos associando diversos óleos essenciais à produtos alimentícios e embalagens ativas, com destaque para as técnicas de microencapsulação e revestimento de frutas, produtos cárneos e de panificação. No entanto, para expansão do uso dos óleos essenciais, são necessárias mais investigações a respeito da toxicidade, dosagem e custo-benefício inerentes à aplicação desses compostos com ação antimicrobiana na indústria alimentícia.
Palavras–chave: óleos essenciais; efeito antimicrobiano; conservantes naturais.
Abstract: The clean label is a trend that has emerged in recent years from a demand from the population, which has given preference to minimally processed foods free of artificial additives. At the same time, these consumers are looking for safe foods that cause little or no impact on the environment and are beneficial to health. In this perspective, the market for natural products, such as essential oils, has been increasingly studied. Therefore, the objective of this work was to synthesize the available information on the antimicrobial activity of essential oils and the application of these compounds as food preservatives, as well as highlight the challenges and trends related to this application. The properties of essential oils and the classification as natural and safe compounds increase the possibilities of using these compounds in food. There is a growing number of studies associating different essential oils with food products and active packaging, with emphasis on microencapsulation techniques and coating of fruits, meat and bakery products. However, in order to expand the use of essential oils, further investigations are needed regarding the toxicity, dosage and cost-effectiveness inherent in the application of these compounds with antimicrobial action in the food industry.
Keywords: essential oils; antimicrobial effect; natural preservatives.
INTRODUÇÃO
Com o aumento da produção de alimentos em escala mundial e da preocupação com uma alimentação segura, é comum o uso de aditivos alimentares que conservem a qualidade e as características desejáveis dos produtos. No entanto, nos últimos anos, tem-se intensificado a demanda dos consumidores por alimentos com o chamado “rótulo limpo” e embalagens biodegradáveis (1).
Deste modo, a indústria alimentícia tem investido na busca por aditivos naturais que garantam o equilíbrio entre a qualidade e a necessidade de atender aos consumidores, cada vez mais exigentes, principalmente no que diz respeito aos aspectos negativos associados aos conservantes sintéticos, que ainda são amplamente aplicados para eliminar microrganismos indesejáveis em alimentos, incluindo bactérias e fungos (2, 3).
Nesse contexto, tem-se os óleos essenciais (OE), que são utilizados na conservação dos alimentos desde a antiguidade. No entanto, as pesquisas a respeito desta e de outras aplicações surgiram somente na década de 1960 e, desde então, tem sido crescente as pesquisas com relação aos óleos essenciais (4). Esses compostos são naturais e consistem em metabólitos secundários de plantas, que podem conferir proteção aos materiais vegetais, como folhas, flores, sementes e cascas, contra ameaças ambientais, microrganismos patogênicos, dentre outros (2). São compostos voláteis, odoríferos e imiscíveis ou muito pouco miscíveis em água, sendo designados pela Food and Drug Administration (FDA) como GRAS (Geralmente reconhecidos como seguros) (5, 6).
Há evidência de que cerca de 35% dos óleos essenciais de plantas possuem atividade antibacteriana, sendo que 65% possuem atividades antifúngicas, podendo atuar na preservação de diferentes produtos (7, 8). De fato, o estudo das propriedades antimicrobianas dos OE tem sido explorado em diferentes fontes, como extratos de especiarias, metabólitos vegetais e subprodutos alimentares, considerando seu potencial para as diversas aplicações, como por exemplo, associados às embalagens de alimentos (9).
Portanto, o presente trabalho tem como objetivo sintetizar as informações disponíveis sobre a atividade antimicrobiana dos OE e aplicação desses compostos como conservantes alimentares, bem como destacar os desafios e tendências relacionados a essa aplicação.
Óleos essenciais com ação antimicrobiana
Os óleos essenciais são compostos líquidos e voláteis, formados a partir de metabólitos secundários das plantas, presentes em seus diferentes órgãos, como brotos, flores, folhas, caules, galhos, sementes, frutas e cascas. Eles são formados principalmente por classes de ésteres de ácidos graxos, mono e sesquiterpenos, terpenos, fenilpropanonas e álcoois aldeidados e podem ser extraídos por diferentes métodos, como a hidrodestilação, destilação a vapor, extração por solventes orgânicos e extração com fluido supercrítico. Na natureza, esses compostos têm a importante função de proteger a planta contra os ataques de predadores, como insetos e microrganismos, a partir de diferentes mecanismos de ação (10) (Figura 1).
O mecanismo de ação antimicrobiana pode variar de acordo com o tipo de OE ou com a cepa do microrganismo utilizado. As bactérias Gram-negativas têm uma espessa camada de lipopolissacarídeos que reduz a suscetibilidade dos microrganismos aos OEs, mas as bactérias Gram-positivas carecem desse lipopolissacarídeo. Além disso, devido à presença do ácido lipoteicóico, a entrada de OE nas células microbianas gram-positivas é facilitada. Pesquisas demonstraram que os componentes bioativos contidos nos OEs se ligam à superfície celular e penetram na bicamada fosfolipídica da membrana, o que causa impactos negativos nas atividades metabólicas celulares. A própria alteração da integridade da membrana celular resulta na perda de componentes intracelulares importantes, como proteínas, açúcares redutores, ATP e DNA, além de bloqueio à síntese de ATP e enzimas associadas, resultando em vazamento de eletrólitos e morte celular (11, 12, 13). Estudos com diversas matérias-primas têm sido realizados a fim de identificar o potencial de uso dos óleos essenciais contra diferentes microrganismos (Tabela 1).
Devido às suas propriedades antifúngicas, antiparasitárias, antibacterianas e antivirais, nos últimos anos, os OE têm sido explorados como agentes antimicrobianos na conservação de alimentos (11). Uma vez extraídos adequadamente, esses compostos se enquadram como aromatizantes naturais e são permitidos para aplicação em alimentos e embalagens, aumentando a extensão da vida útil de diversos produtos (10).
Aplicação dos óleos essenciais na conservação de alimentos
Os conservantes alimentícios são de suma importância para garantir a qualidade de diversos produtos e a segurança do consumidor. Existe uma ampla variedade de compostos de origem sintética que são utilizados como conservantes em alimentos, como benzoato e propionato de sódio, sorbato de potássio, ácido sórbico, sulfitos, dentre outros. Por outro lado, quando consumidos em excesso, esses compostos podem causar alguns malefícios à saúde, como prejudicar a absorção de nutrientes pelo organismo. Por isso, têm-se buscado produtos que apresentem uma lista de ingredientes minimalista, o chamado “rótulo limpo”, que sejam livres da adição de ingredientes sintéticos (27, 28).
Nesse contexto, tem-se aumentado o uso de OE na conservação de alimentos, que possuem ação antimicrobiana devido à presença de compostos como eugenol, alicina, timol e carvacrol e a substâncias como o linalol, sabineno, mentol, mirceno, camphene, dentre outros, e dificilmente microrganismos indesejáveis desenvolvem resistência a eles (29). A aplicação dos OE em alimentos depende de fatores como pH, atividade de água, permeabilidade ao oxigênio e composição química do meio. Em geral, os OE apresentam baixa solubilidade em meio aquoso e propriedades sensoriais acentuadas, como sabor e aroma, o que limita sua aplicação direta em matrizes alimentícias. Assim, tecnologias como microencapsução, nanoemulsões e a incorporação desses óleos em revestimentos comestíveis, são alternativas factíveis para o uso dos OE pela indústria alimentícia (30).
A microencapsulação consiste no aprisionamento do composto de interesse através da utilização de materiais de parede que podem ser de origem natural ou sintética. No caso dos OE, essa técnica é capaz de contornar as principais limitações da aplicação direta desses compostos em alimentos: baixa solubilidade, sensibilidade à luz, ao oxigênio e ao calor, além da alta volatilidade. De modo geral, as microcápsulas apresentam entre 1 a 1000 µm, o que aumenta a superfície de contanto do material com o meio e potencializa sua ação. Adicionalmente, a técnica proporciona a liberação controlada desses óleos no meio e promove maior dispersibilidade em água (31).
A microencapsulação de OE pode ser realizada por diferentes técnicas, como a coacervação complexa, pulverização por spray dryer e geleificação iônica. Devido a demanda pelo uso de componentes naturais e as preocupações ambientais, materiais de parede alternativos para a microencapsulação de óleos essenciais tem despertado a atenção dos pesquisadores, como as proteínas do soro do leite (32), leitelho (33), mucilagem de plantas (34), proteínas vegetais (35), dentre outros. Tanto o material de parede, quanto a tecnologia utilizada, dependem das condições de processamento e armazenamento do produto. A Tabela 2 apresenta a técnica de microencapsulação utilizada para promover a estabilização de óleos essenciais de diferentes fontes vegetais.
Outra forma de aplicação dos OE na conservação de alimentos está relacionada ao uso desses compostos em filmes e revestimentos. A embalagem de um produto tem como funções básicas armazenar e proteger o produto contido nela. No entanto, as novas tecnologias desenvolvidas possibilitam funções adicionais, como o aumento da conservação do alimento, o que pode ocorrer a partir da interação da embalagem com o produto, sendo então denominada de embalagem ativa (10).
A maior parte das embalagens para alimentos é produzida a partir de plástico que não é biodegradável e agride o meio ambiente. Já os revestimentos à base de OE são ecológicos e interagem com o produto em prol da manutenção da qualidade e aumento da vida de prateleira (38, 39). Diversos estudos têm sido realizados visando a aplicação de revestimentos comestíveis à base de OE em frutas e vegetais, produtos de panificação, produtos cárneos, dentre outros (Tabela 3).
Para a produção desses filmes, a incorporação dos OE pode ser realizada de forma direta ou microencapsulada. A microencapsulação é a técnica mais utilizada para carrear esses compostos em diferentes matrizes pois proporciona o aumento da superfície de contato e proteção contra os fatores intrínsecos e extrínsecos do alimento, o que acarreta maior durabilidade da ação do OE (45).
Desafios e tendências da aplicação de OE na indústria alimentícia
A mudança na preferência dos consumidores por alimentos clean label vêm reforçando a necessidade da indústria alimentícia em desenvolver produtos mais saudáveis e sustentáveis, ou seja, substituindo aditivos artificiais por alternativas naturais (46). Neste contexto, os óleos essenciais se tornam uma tendência no mercado, uma vez que são agentes antimicrobianos naturais com grande potencial para utilização na indústria alimentícia, pois possibilitam rótulos limpos e funcionam para mitigar um dos principais mecanismos de deterioração dos alimentos: a oxidação lipídica (47).
Uma das principais causas de deterioração dos alimentos, está associado com a atividade microbiana, que causa a perda de qualidade e segurança dos alimentos. No entanto, muitos microrganismos patógenos e deteriorantes estão se tornando resistentes aos antibióticos tradicionalmente usados. Desta forma, a utilização do efeito antimicrobiano dos óleos essenciais, pode ser uma estratégia viável de aplicação, sendo imprescindível investigar seu efeito no controle de uma gama de bactérias (48).
Em um estudo realizado por Brito et al. (49), foi avaliado a atividade antimicrobiana de óleo essencial de orégano frente a sorovares de Salmonella entérica com resistência a antibióticos. Os autores concluíram que, os patógenos se mostraram resistentes aos agentes antimicrobianos convencionais (como amoxicilina), mas em contrapartida, foram suscetíveis a ação do óleo essencial de orégano em todas as concentrações testadas. Nesse sentido, os óleos essenciais apresentam grande potencial de uso no controle microbiológico de alimentos, incluindo os que apresentam maiores riscos de contaminação por patógenos, como a Salmonella spp.(49).
Com isso, é crescente o número de estudos envolvendo o uso dos óleos essenciais, como agente antimicrobiano e antioxidante. Atualmente, o uso dos óleos essenciais tem sido amplamente avaliado em queijos, através de estudos in vitro e avaliações sensoriais obtendo-se eficiência da aplicação no produto. Outras matrizes lácteas como bebida láctea, iogurte, leite fluido e doce de leite, também vem sendo avaliados, enfatizando a ação antioxidante dos OE. Apesar de terem poucos estudos envolvendo produtos cárneos, a aplicação desses compostos também tem se tornado uma tendência para esse setor, principalmente em derivados cárneos como salames, hambúrgueres e linguiças (50).
É importante ressaltar que apesar de serem conhecidos pela atividade antimicrobiana, os óleos essenciais ainda apresentam certas limitações para serem utilizados como conservantes nos alimentos. Em alguns casos é necessária a utilização de altas concentrações para obtenção de efeito desejável sobre os microrganismos (51).
Além disso, de forma geral, existem algumas limitações relacionadas aos agentes antimicrobianos naturais, como o processo de registro. Alguns componentes dos óleos essenciais com atividade antimicrobiana são registrados pelos EUA apenas como agentes aromatizantes para alimentos. Outros compostos, como estragol e metil eugenol, não são permitidos, e para que sejam disponibilizados para aplicação em alimentos, precisam passar por avaliações toxicológicas detalhadas a fim de analisar os efeitos do consumo à saúde e entender os mecanismos de decomposição dessas substâncias no organismo (52).
Além dos resultados satisfatórios a nível laboratorial, torna-se imprescindível um estudo de viabilidade técnico-econômica, a fim de obter a relação custo-benefício do processo produtivo e aplicação dos OE a nível industrial, considerando infraestrutura, disponibilidade de matéria-prima, custo, entre outros fatores (53).
CONCLUSÕES
Tendo em vista as diferentes aplicações dos óleos essenciais como antimicrobianos em alimentos e os efeitos satisfatórios apresentados por diversos estudos acadêmicos aqui compilados, conclui-se que a utilização dos óleos essenciais pela indústria alimentícia é altamente promissora, não sendo descartada a possibilidade futura de substituição de diversos aditivos sintéticos atualmente adicionados nos alimentos. A partir do presente trabalho, é possível perceber que são crescentes os estudos sobre a aplicação dos OE microencapsulados diretamente ao alimento ou como revestimento de uma ampla variedade de produtos alimentícios. Nesse sentido, a utilização de OE como conservantes naturais em alimentos pode ser uma estratégia interessante que visa atender a expectativa do consumidor em relação ao rótulo limpo, de forma segura e eficaz. De forma adicional, são necessárias mais investigações para avaliação da toxicidade de diferentes compostos químicos que possam estar presentes nos OE, além de novos estudos para estabelecer a dose específica recomendada para cada aplicação e o custo-benefício inerente a todo o processo.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a CAPES – Código Financiamento 001; à Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais (FAPEMIG) pelo financiamento do projeto APQ-00388-21; ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo financiamento do projeto (429033/2018-4) e pela bolsa de produtividade à B.R.C. Leite Júnior (n°306514/2020-6).
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