AMIDO DE ARROZ VERMELHO MODIFICADO POR CAMPO ELÉTRICO PULSADO: DIFRAÇÃO DE RAIOS-X, MORFOLOGIA E PROPRIEDADES DE COLAGEM
Capítulo de livro publicado no livro Ciência e tecnologia de alimentos: Pesquisas e avançosPara acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062060-08
Este trabalho foi escrito por:
Virgínia Mirtes de Alcântara Silva *; Raphael Lucas Jacinto Almeida ; Newton Carlos Santos ; Victor Herbert de Alcântara Ribeiro ;
Raniza de Oliveira Carvalho ; Soraya Alves de Morais
* Email:[email protected]
Resumo: O tratamento com campos elétrico pulsado (PEF) pode ser usado para modificar e melhorar as características de amidos. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto do PEF nas propriedades estruturais, morfológica e reológicas do amido de arroz vermelho. As pastas de amido com 5 mm de espessura foram submetidas ao PEF a 10 e 30 kV cm-1 com frequência de pulso de 600 Hz por 90 s. O PEF foi responsável por diminuir a cristalinidade, devido aos danos causados durante o processamento. A análise morfológica da superfície das pastas apresentou cavidade e rachaduras e com o aumento da intensidade do PEF foi notado grânulos mais volumosos. Os valores para os parâmetros reológicos foram diminuídos, mostrando o efeito dos tratamentos nas cadeias de amilopectina. Portanto com base nos resultados, a modificação não-térmica do amido de arroz vermelho por PEF a 30 kV cm-1 é a formulação mais adequada para obtenção de um novo material com características otimizadas.
Palavras–chave: modificação não-térmica; viscosidade; cristalinidade; eletroporação
INTRODUÇÃO
O arroz (Oryza sativa L.) é um dos cereais mais cultivados e consumidos no mundo, por ser uma excelente fonte de carboidratos e proteínas, bem como de lipídios, minerais e vitaminas (1). Os grãos pigmentados são encontrados com diversas colorações de pericarpo, dentre elas a vermelha que é rica em compostos fenólicos (2). A pigmentação do arroz vermelho é conferida pelas proantocianidinas, constituintes bioativos que exibem propriedades biológicas benéficas, incluindo forte atividade antioxidante (3). Na forma de farinha e de amido, o arroz vermelho pode ser empregado para enriquecimento e desenvolvimento de alimentos sem glúten, saudáveis e funcionais (4).
O amido de arroz vermelho corresponde a aproximadamente 60% do grão integral, sendo de diâmetro pequenos, em torno de 5 μm, de formato poliédrico, padrão de difração tipo A, cristalinidade relativa de aproximadamente 20%, com teores de amilose e amilopectina de aproximadamente 18 e 64% (5). No entanto, amidos nativos apresentam limitações tecnológicas (6). Assim, há um crescente interesse em modificar suas estruturas para melhorar as propriedades e aumentar sua aplicação, essa mudança pode ser realizada por meio de processos químicos, físicos e/ou biológicos (7).
O campo elétrico pulsado (PEF) é um dos métodos físicos emergentes mais promissores para melhorar a eficiência de vários processos da indústria de alimentos (8). Tem como diferencial a modificação do amido através da química verde e inúmeras vantagens de fabricação, como ecologicamente correto, custo-benefício e economia de energia (9). O tratamento envolve a aplicação de pulsos de campo elétrico em tecidos vegetais colocados entre dois eletrodos, causando a permeabilização não apenas da membrana celular (10), mas também de vacúolos celulares (11), onde alguns metabólitos estão contidos.
Foi verificado por Pereira et al. (12) que o aumento da intensidade dos parâmetros de tratamento do PEF poderia induzir maior eletroporação ou mais danos nos tecidos vegetais. Aplicação do PEF em alimentos sólidos é favorável à industrialização em larga escala por oferecer benefícios durante o transporte e pré-tratamento (13). O campo elétrico pulsado (PEF) tem aplicação na esterilização de produtos, inativação de enzimas e amaciamento da carne devido ao ligeiro aumento da temperatura nos alimentos (14). Além dessas aplicações, pode modificar as propriedades tecnológicas de biomacromoléculas, como polissacarídeos (amido) e proteínas (15).
Resultados do estudo anterior Almeida et al. (16) relataram que a aplicação de PEF como tratamento de pré-secagem influenciou as propriedades térmicas do amido de arroz vermelho, reduzindo as temperaturas de gelatinização e entalpia. O PEF também foi responsável por modificar as propriedades da pasta (17), e as propriedades físico-químicas (18) do amido de batata, respectivamente. Para Maniglia et al. (19) o PEF foi fundamental para a modificação da estrutura e da funcionalidade do amido de trigo e mandioca para uso em impressoras 3D. Estudos recentes mostraram que quando aplicado no amido o PEF tem o poder de modificar a conformação, microestrutura, diâmetro do grânulo, propriedades texturais e reológicas, solubilidade, poder de inchamento, susceptibilidade enzimática e estabilidade térmica (20).
O PEF demonstrou ter a capacidade de: (i) potencializar a extração de bioativos do arroz integral e promover a citotoxicidade contra células cancerígenas do cólon (21); (ii) melhorar a aparência, textura e elasticidade de macarrão com amido tratato (22); (iii) afetar significativamente a textura do arroz cozido; (iv) alterar a composição dos compostos voláteis do arroz; (v) aumentar a hidrólise do amido (23); (vi) melhorar significativamente sua digestibilidade, gelatinização e textura (24). Esses resultados implicam que o tratamento com PEF induz mudanças estruturais no amido de arroz e merecem que mais cada vez mais pesquisas sejam realizadas para que essas mudanças sejam compreendidas . Portanto, objetivou-se com este estudo analisar o efeito do PEF 10 e 30 kV cm-1 nas propriedades estruturais, morfológica e reológicas do amido de arroz vermelho (Oryza sativa).
MATERIAL E MÉTODOS
Extração do amido e tratamento com campo elétrico pulsado (PEF)
O amido foi extraído dos grãos pelo método descrito por Almeida et al. (25) usando a solução de metabissulfito de sódio 0.5%. O amido de arroz vermelho 40 g com umidade de 85% foi colocado na câmara de tratamento PEF (Diversified Technology Inc., Bedford) e aplicados os pulsos elétricos de intensidade de 10 e 30 kV cm−1 (PEF10 e PEF30). A distância dos eletrodos foi de 1,0 cm, com frequência de pulso de 600 Hz, largura de 6 μs e tempo de residência de 90 s (26). A secagem das pastas de amido após o tratamento com PEF foi feito a 50 ºC na velocidade de 1.0 m s-1 em estufa de circulação (MARCONI, MA048, Brasil), onde a pasta foi previamente colocada em placas de alumínio com espessura 5 mm de amostra (16).
Difração de raios-X (XDR)
Os padrões cristalográficos de raios X do amido foram determinados por um difratômetro de raios X (Bruker, Karlsruhe, Germany) equipado com radiação Cu-Ka (λ = 0,1544 nm) a 40mA e 40kV. A varredura foi realizada no passo de 0.02º, com tempo de contagem de 2 segundos do 10º ao 35º em temperatura ambiente. A cristalinidade das amostras foi determinada segundo a Equação (1):
Microscopia eletrônica de varredura (MEV)
Os géis dos amidos antes da secagem foram analisados por micrografia eletrônica de varredura (MEV) (VEGA3 TESCAM, Massachusetts, EUA), no qual foram cobertas com uma fina camada de ouro e capturados com um aumento de 3000x com potencial de aceleração de 10kV.
Propriedades de colagem
As propriedades de colagem foram determinadas usando um Rapid Visco Analyzer 4 RVA (Newport Scientific Pty Ltd., Warriewood, Austrália). O perfil padrão STD1 fornecido com o instrumento foi utilizado com 3,5g de amido (corrigido para 14% de umidade) com 25mL de água deionizada. O perfil de temperatura foi de 1 min a 50°C, 50–95°C a uma taxa de 6 °C min−1, mantendo por 2,5 min, resfriando a 50°C a uma taxa de 6°C min−1 e mantendo por 1 min. O pico de viscosidade (PV), viscosidade mínima (MV), quebra de viscosidade (BD), viscosidade de recuo (SB), viscosidade final (FV) foram calculados (27).
Tratamento estatístico
Os resultados foram descritos como média ± desvio padrão. As diferenças foram avaliadas por análise de variância (ANOVA) e teste de Tukey a um nível de significância de 5% usando o software Statistic 7.0.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na Figura 1 são apresentados os padrões cristalográficos de raios X do amido obtido nas diferentes condições.
É perceptível a diferença de intensidade dos difratogramas quando comparadas as formulações, no qual controle apresentou picos mais elevados em 2θ, o que resulta em maior cristalinidade (24.81%), e o PEF foi responsável por diminuir a área cristalina dos grânulos de amido. O PEF consegue danificar a estrutura cristalina do amido de arroz, independentemente se a intensidade é alta ou baixa (28). No estudo de Bai et al. (23) com amido de arroz a cristalinidade variou de 14,70 a 15,46%, apresentando um decréscimo quando o amido foi submetido ao PEF. Segundo Cholet et al. (29) o uso do PEF foi descrito como sendo capaz de alterar a estrutura do amido. No estudo de Chen et al. (17) com o amido de batata, a cristalinidade relativa foi diminuída após o aumento na intensidade do PEF, variando de 14,6 a 23,8 %. A diminuição da cristalinidade pode ser correlacionada com o decréscimo do valor de ΔH reportado por Almeida et al. (16). Isso ocorre, pois, a energia necessária para derreter a estrutura cristalina da amilopectina e as duplas hélices da amilose foi menor após o PEF (30).
Segundo Hong et al. (22) os íons moveram-se para a superfície dos grânulos de amido pelo tratamento com PEF e ali se agregaram, após o processo a camada externa dos grânulos foi danificada e ocorreu a destruição as cadeias laterais da amilopectina, resultando em maior lixiviação da amilopectina e destruição da estrutura cristalina originalmente ordenada.
Os amidos apresentaram a cristalinidade do tipo A com picos característicos em 14,95º, 17,03º, 17,67º, 19,78º e 22,86º (20). Para Wang et al. (31) a cristalinidade do tipo A apresenta os picos mais elevados entre 17° e 18° com um dupleto não resolvido. A posição dos picos de difração está relacionada à estrutura de dupla hélice bem arranjada na estrutura do amido cristalino do tipo A (32). Segundo Bai et al. (23) não foi visto o surgimento de novos picos, nem deslocamento dos já existentes após a aplicação do PEF no amido de arroz. O PEF rompeu as redes de ligação das interações intermoleculares e as estruturas internas da superfície original do amido, o que ocasionou o enfraquecimento do empacotamento da estrutura de dupla hélice dos grânulos de amido (17). Como mostrado na Figura 2, às superfícies dos géis de amido mostram irregularidades que são acentuadas após a aplicação do tratamento com PEF, em especial o PEF30.
O amido nativo (controle) apresenta superfície plana (Figura 2A), já o tratamento com PEF10 apresenta algumas deformações como pequenas cavidades e marcas de rachadura proveniente dos pulsos aplicados os géis com elevada umidade (Figura 2B). Na Figura 2C é perceptível que a superfície possui elevações decorrentes da presença de cavidades maiores e grânulos mais volumosos. Após o intenso tratamento com PEF, os grânulos de amido foram danificados, o que resultou na diminuição da região cristalina como mostrado na Figura 1. Podendo ser justificado, pois os pulsos elétricos geram eletroporação, resultando em danos à superfície (18).
Para Bai et al. (23) os poros decorrentes do PEF facilitam a ação das enzimas aos grânulos de amido aumentando o rendimento de hidrólise, no entanto exibe resistência a tensão físicas externas. Enquanto para Chen et al. (17) a rugosidade e aparência de detritos foram mais pronunciadas após o PEF, pois principalmente na área da superfície e depois penetra no interior. Alguns fragmentos agruparam e mostraram estruturas semelhantes a gel, em decorrência do cluster de amilopectina com uma ampla faixa de alto peso molecular, o que facilita o inchamento dos grânulos (33).
A Figura 3 apresenta as propriedades da pasta de amido de arroz vermelho nas diferentes condições, que mostraram características reológicas distintas para cada formulação analisada.
Os valores detalhados são descritos na Tabela 1 para: pico de viscosidade (PV), viscosidade mínima (MV), quebra de viscosidade (BD), viscosidade de recuo (SB), viscosidade final (FV).
Para Vandeputte et al. (34) o PV refere-se à capacidade de absorção de água e inchamento dos grânulos, sendo conferido a modificação na estrutura interna do amido. O PV apresentou uma redução dos valores à medida que a intensidade de PEF aumentou de 10 kV cm-1 para 30 kV cm-1 quando aplicado o PEF ao amido, onde os valores variaram de 3759,91 – 3059,81 cP. Segundo Chen et al. (17) essa redução é justificada pois o PEF modificou a capacidade de inchamento dos grânulos, levando a uma redução da viscosidade. Han et al. (33) afirmaram que quanto maior a intensidade do PEF, maior será a diferença nos valores de PV. Os maiores valores de viscosidade de pico (PV) foram associados a uma alta proporção de amido não gelatinizado (35).
O valor MV variou de 1725,60 a 2063,22 cP, com diferença significativa entre as formulações, mostrando que o PEF foi efetivo na modificação da viscosidade mínima encontrada após a gelatinização do amido. O BD serve para examinar a resposta dos amidos ao processo de cisalhamento e reflete a capacidade de expansão granular antes da quebra física (17). Os valores de BD dos amidos modificados (PEF10 e PEF30) foram significativamente inferiores ao amido controle, variando de 1725,60 – 2063,22cP. A redução desses valores indica melhor estabilidade térmica e menor desintegração dos grânulos (36).
A SB mede as mudanças na viscosidade associadas à gelificação e retrogradação durante o resfriamento (33). A viscosidade de recuo (SB) variou de 3475,41 a 3666,85, o maior valor foi para a formulação controle, e esse parâmetro indica o grau de retrogradação e propriedade de gelificação da pasta (14). A redução no SB pode ter sido devido ao impedimento estérico causado pela introdução de grupos hidrofóbicos, que impediam que as cadeias de amido fossem compactadas ao esfriar (17).
Quando os valores de PV, BD e SB diminuem com o PEF, indicam maior sensibilidade a gelatinização, devido ao rearranjo e destruição da estrutura molecular do amido. A FV apresentou o mesmo perfil da firmeza, no qual a aplicação do PEF as pastas de amido diminuíram os valores desses parâmetros significativamente. O maior valor foi encontrado para a formulação controle.
CONCLUSÕES
Os resultados mostraram o impacto do PEF na estrutura do amido, principalmente no PEF30. Quando observado os difratogramas e os espectros foi perceptível diferenças de intensidade nos picos e bandas características do amido, resultando em diferentes valores de cristalinidade. A análise morfológica da superfície das pastas apresentou danos como: cavidades, rachaduras e com o aumento da intensidade do PEF foi notado grânulos mais volumosos. As propriedades de pasta foram significativamente alterados, onde o PEF auxiliou na diminuição da viscosidade das pastas e na taxa de retrogradação. Portanto com base nos resultados, a modificação não-térmica do amido de arroz vermelho por PEF a 30 kV cm-1 é a formulação mais adequada para obtenção de um novo material com características otimizadas. No entanto, como sugestões de trabalhos futuros, novas intensidades podem ser testadas no material para verificar as alterações estruturais.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) pelo apoio a este estudo e pela bolsa de pesquisa.
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