QUALIDADE MICROBIOLÓGICA DE DOCES FINOS PRODUZIDOS E COMERCIALIZADOS NO RIO GRANDE DO SUL, BRASIL.
Capítulo de livro publicado no livro da III Semana Nacional da Microbiologia de Alimentos na Indústria. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/IIISEMICRO-06
Este trabalho foi escrito por:
Denise Oliveira Pacheco *; Jéssica Silveira Vitória ; Thalia Duarte Vasconcelos da Silva ; Camila Borges de Cantos ;
Márcia Aroucha Gularte ; Eliezer Avila Gandra
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: Dentre as doenças transmitidas por alimentos, aquelas causadas por Escherichia coli, Salmonella spp, Estafilococos coagulase positiva e Bacillus cereus vem provocando inúmeros transtornos à população, inclusive envolvendo doces e sobremesas. O presente trabalho teve por objetivo avaliar a qualidade microbiológica de doces finos produzidos e comercializados no Rio Grande do Sul, Brasil. Para a realização desta pesquisa, 5 doces finos foram coletados em 5 estabelecimentos diferentes localizados no Rio Grande do Sul, e analisados quanto a presença de Salmonella spp, e quantificação de Estafilococos coagulase positiva, Escherichia coli e Bacillus cereus presuntivo. Não foi observado incidência de contaminação por Salmonella spp e E. coli nas amostras analisadas. Para Bacillus cereus foram obtidas contagens em dois estabelecimentos, porém abaixo do limite máximo permitido. Já as contagens de Estafilococos coagulase positiva, em todos os estabelecimentos avaliados, foram superiores ao limite máximo preconizado pela legislação brasileira. Como conclusão, em virtude das contagens de Estafilococos coaguase positiva fica evidente a necessidade de capacitação em Boas Práticas de Fabricação para todos os estabelecimentos, buscando garantir a qualidade microbiológica dos doces produzidos e a segurança dos consumidores destes produtos.
Palavras–chave: Boas Práticas de Fabricação;Microrganismos; Sobremesa; Patogênicos
Abstract: Among foodborne diseases, those caused by Escherichia coli, Salmonella spp, Coagulase positive Staphylococcus and Bacillus cereus have been causing numerous inconveniences to the population, including sweets and desserts. This study aimed to evaluate the microbiological quality of fine sweets produced and marketed in the southern region of Rio Grande do Sul, Brazil. To carry out this research, 5 sweets were collected from 5 different establishments located in the southern region of Rio Grande do Sul, and analyzed for the presence of Salmonella spp, and quantification of Coagulase positive Staphylococcus, Escherichia coli and presumptive Bacillus cereus. There was no incidence of contamination by Salmonella spp and E. coli in the analyzed samples. For Bacillus cereus, counts were obtained in establishments B and C, but below the maximum limit allowed. The counts of Coagulase positive Staphylococcus, in all the evaluated establishments, were higher than the maximum limit recommended by Brazilian legislation. In conclusion, due to the Coagulase positive Staphylococcus counts, the need for training in Good Manufacturing Practices is evident for all establishments, seeking to guarantee the microbiological quality of the sweets produced and the safety of consumers of these products.
Keywords: Good Manufacturing Practices; Microorganisms; Dessert; Pathogenic
INTRODUÇÃO
Segundo a Associação Brasileira de Indústrias de Alimentos (ABIA), o mercado de doces global terá uma Taxa de Crescimento Anual Composto (CAGR) de 3,99% no período de 2022 a 2027, uma vez que, nos últimos anos, houve um significativo aumento das compras de alimentos por meio da Internet, seja por entrega no formato delivery ou pela de retirada no local (1). Além disso, conforme o levantamento intitulado de Consumo Equilibrado, publicado no site Minuto Ligado, o mercado de doces no Brasil, o qual inclui bombonieres, confeitarias e fábricas, chega a faturar 12 bilhões de reais a cada ano (1,2).
Este fato reflete diretamente no mercado, estatísticas apontam que 18% dos brasileiros consomem doces pelo menos cinco vezes por semana. E no período de pandemia, o consumo de sobremesas cresceu durante o confinamento. Uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), abordou que essa tendência foi ainda maior na faixa etária dos 18 aos 29 anos, onde 63% dos entrevistados indicaram ingerir doces mais de duas vezes por semana (3).
Em contrapartida, além de alimentos de qualidade sensorial, os consumidores prezam cada vez mais por alimentos seguros do ponto de visto higiênico-sanitário. De acordo com Ribas e Ribeiro (4), a qualidade a ser perseguida pela indústria de alimentos vai muito além das características organolépticas do produto, pois visa como requisito básico preservar a saúde dos consumidores através do oferecimento de alimentos inócuos. Para garantir a qualidade, é fundamental que nas indústrias, o ambiente de produção seja o mais adequado possível para que não ocorram contaminações por meio físico, químico ou biológico. Então, devem ser planejadas e implantadas medidas preventivas e corretivas, a fim de evitar prejuízos aos consumidores, à imagem do produto ou do estabelecimento onde foi produzido o alimento.
Neste sentido, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) dispõe de legislações que norteiam a produção de alimentos seguros, sendo elas a Portaria n° 326, de 30 de julho de 1997 (5) que aprova o Regulamento Técnico sobre Condições Higiênico-Sanitárias e de Boas Práticas de Fabricação para Estabelecimentos Produtores/ Industrializadores de Alimentos, e a RDC nº 275 de 21 de outubro de 2002 (6) onde se encontram os Procedimentos Operacionais Padronizados (POPs) e uma lista de verificação de Boas Práticas de Fabricação (BPF) na qual são avaliadas as condições higiênico-sanitárias de empresas produtoras de alimentos.
Existem oito POPs que os estabelecimentos produtores de alimentos devem seguir, no mínimo, quanto à higienização das instalações, equipamentos, móveis e utensílios; controle da potabilidade da água; higiene e saúde dos manipuladores; manejo de resíduos; manutenção preventiva e calibração de equipamentos; controle integrado de vetores e pragas urbanas; seleção das matérias-primas, ingredientes e embalagens; e programa de recolhimento de alimentos (6).
Além da manutenção das BPFs, a Resolução ANVISA RDC n° 724 de 1° de julho de 2022 (7), complementada pela Instrução Normativa n° 161 de 1° de julho de 2022 (8), estabelecem os padrões microbiológicos sanitários para alimentos e determina os critérios para conclusão e interpretação dos resultados das análises microbiológicas de alimentos destinados ao consumo humano. No caso dos doces finos, avaliados neste estudo, a legislação exige a ausência de Salmonella spp em 25 g, índice máximos de 10² UFC.g-1 para Escherichia coli e de 5 x 10² UFC.g-1 para Estafilococos coagulase positiva e Bacillus cereus presuntivo.
As doenças de origem alimentar causadas por Escherichia coli, Salmonella spp, Estafilococos coagulase positiva e Bacillus cereus têm provocado, com elevada frequência, transtornos à população (9). Estes microrganismos podem ser encontrados em doces em virtude da contaminação cruzada causada pela manipulação intensa, e também, em função das características das matérias primas utilizadas que podem se constituir em meios para o desenvolvimento microbiano (4).
Salmonella spp. é um microrganismo causador de infecção alimentar que tem origem entérica e, em função de sua capacidade de disseminação no meio ambiente, pode ser isolado de diferentes fontes (como carnes, pescados, verduras e ovos). Pode, ainda, ser veiculado pelo próprio homem, neste caso na condição de portador assintomático e é, em todo o mundo, um dos microrganismos mais frequentemente envolvido em surtos de doenças de origem alimentar (9,10).
A intoxicação alimentar provocada por Estafilococos coagulase positiva se dá em virtude da ingestão de alimentos contendo enterotoxinas produzidas e liberadas pela bactéria durante a sua multiplicação. Níveis de enterotoxina que variam entre 0,01 e 0,4 g por grama de alimento já são suficientes para provocar intoxicações (9,10).
Opatógeno Bacillus cereus é capaz de formar vários tipos de toxinas, incluindo as enterotoxinas e, dentre as enterotoxinas envolvidas em intoxicações alimentares, as de maior risco são aquelas associadas a graves problemas hepáticos. Produtos farináceos, alguns grãos e produtos lácteos são os alimentos normalmente relacionados a este microrganismo (9,10).
As cepas patogênicas de E. coli são divididas de acordo com os sintomas clínicos e com os mecanismos da patogenicidade em vários grupos que podem variar em seus períodos de incubação e duração da enfermidade. Esses grupos foram divididos no seguinte formato: E. coli enteropatogênica (EPEC), E. coli enterotoxigênica (ETEC), E. coli enterohemorrágica (EHEC) ou E. coli produtora da toxina de Shiga (STEC), E. coli enteroinvasora (EIEC), E. coli enteroagregativa (EAEC) e E. coli aderente difusa (DAEC)(9,10).
Diante do exposto e com base na relevância das Boas Práticas de Fabricação para a fabricação de alimentos seguros, o presente trabalho teve por objetivo avaliar a qualidade microbiológica de doces finos produzidos e comercializados no Rio Grande do Sul, Brasil.
MATERIAL E MÉTODOS
Para o desenvolvimento do trabalho foram coletadas amostras de 5 tipos de doces classificados como “finos” em 5 estabelecimentos diferentes localizados no Rio Grande do Sul, Brasl. As amostras foram acondicionadas em embalagens fornecidas pelos estabelecimentos, nas condições usualmente empregadas para este tipo de doce, e foram mantidas em refrigeração (4 a 5°C) até o momento das análises. As determinações microbiológicas foram realizadas no Laboratório de Ciência dos Alimentos e Biologia Molecular (LACABIM), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).
As análises foram realizadas seguindo os procedimentos propostos pela American Public Health Association (APHA) (11). As amostras foram submetidas a diluições seriadas, em solução salina 0,85%, até a diluição 10-3, exceto para a análise de Salmonella spp.
A enumeração de Escherichia coli foi realizada pela técnica do Número Mais Provável (NMP). A análise presuntiva foi realizada em Caldo Lauril Sulfato Triptose (LST), com incubação a 35ºC por 48 horas. A confirmação de coliformes termotolerantes foi realizada em Caldo Escherichia coli – EC, com incubação a 45,5ºC por 48 horas. A confirmação de Escherichia coli foi realizada a partir da semeadura dos tubos positivos de EC em placas com meio de cultura Eosin Methylene Blue Agar (EMB), incubadas a 37ºC por 24 horas. As colônias com morfologia característica foram identificadas como E. coli através dos testes de produção de indol, reações de vermelho de metila e Voges-Proskauer, e utilização de citrato. O resultado foi expresso em NMP.g-1
Para a enumeração de Estafilococoscoagulase positiva foram inoculados 0,1 mL de cada diluição seriada, pela técnica de semeadura em superfície, em Ágar Baird-Parker. Em seguida, as placas foram incubadas a 36 ± 1 °C por 48 horas. Posteriormente, as colônias foram enumeradas e, no mínimo, cinco colônias que apresentaram morfologia típica e cinco atípicas foram selecionas para realização do teste de produção de coagulase livre. O resultado foi expresso em UFC.g1.
Para análise de quantificação de Bacillus cereus presuntivo foi inoculado 0,1ml de cada diluição em placas de Ágar Manitol Gema de Ovo Polimixina (MYP). As mesmas foram incubas invertidas por 24 horas a 30 °C. Em seguida, a contagem de colônias presuntivas características foi realizada. O resultado foi expresso em UFC.g1.
Para o isolamento de Salmonella spp. foi realizado pré-enriquecimento em água peptonada tamponada a 37°C por 24 horas, e enriquecimento seletivo em Caldo Rappaport-Vassiliadis a 42°C por 24 horas e Caldo Tetrationato, a 37°C por 24 horas. Em seguida foi feito semeadura em placas com ágares Desoxicolato-lisina-xilose (XLD) e Bismuto Sulfito (BS) sendo ambos incubados por 24 horas a 37 °C. Colônias com morfologia típica de Salmonella spp. foram submetidas à identificação bioquímica em Ágar Tríplice Ferro, Ágar Lisina Ferro e Ágar Urease, a 37°C por 24 horas. As amostras que apresentaram reações bioquímicas características foram submetidas à identificação sorológica, utilizando-se os soros polivalentes anti-salmonella somático e flagelar. O resultado foi expresso em ausência ou presença de Salmonella spp em 25 g.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos para as avaliações microbiológicas dos doces finos produzidos e comercializados no Rio Grande do Sul/ RS, estão dispostos na Tabela 1.
Não foi observado incidência de E. coli e Salmonella spp nas amostras avaliadas, de acordo com o exigido pela legislação brasileira (8). Outros trabalhos também avaliaram estes patógenos e obtiveram resultados semelhantes.
Eberhardt, Comiran, Gonzales e Fontoura (12) avaliaram sobremesas servidas em um hospital da cidade de Porto Alegre e não obtiveram contagens de E. coli. Bem como César et. al. (13), que avaliaram doces comercializados na cidade de Pelotas e obtiveram contagens abaixo do limite de detecção para todas as amostras avaliadas.
Em seu estudo, Granada et. al. (14) também avaliaram a incidência de Salmonella spp em doces quindim comercializados na cidade de Pelotas e obtiveram ausência do referido patógeno nas amostras avaliadas. Resultado semelhante ao obtido por Eberhardt, Comiran, Gonzales e Fontoura (12) ao avaliarem as sobremesas servidas em um hospital.
Com relação à avaliação de Bacillus cereus presuntivo, embora o presente estudo tenha obtido contagens para esta bactéria nos estabelecimentos B e C, os resultados encontrados foram enquadrados abaixo do limite máximo exigido pela legislação, de 5×10² UFC.g-1, gerando um resultado em acordo a legislação brasileira. Resultado semelhante foi encontrado por Granada et. al. (14) que, ao avaliarem doces do tipo quindim, obtiveram resultados <100 UFC.g-1 para Bacillus cereus em todas as amostras analisadas. Já no estudo conduzido por Fazzionni, Gelinski e Roza-Gomes (15), ao avaliarem produtos de confeitaria de um município do Oeste de Santa Catarina, os autores obtiveram altas contagens para Bacillus cereus em três, dos seis estabelecimentos avaliados. Dentre os produtos com maiores contagens estavam o sonho e a torta de requeijão, chegando a obter concentrações de 105 UFC.g-1.
Com relação às contagens de Estafilococos coagulase positiva, todas as amostras avaliadas no presente estudo apresentaram resultados acima do limite máximo estipulado pela legislação brasileira, que é de 5×10² UFC.g-1.
Resultados semelhantes foram obtidos por Anselmo, Werle e Hoffmann (16) ao avaliarem a qualidade microbiológica de 102 refeições escolares. Os autores obtiveram contaminações elevadas por Estafilococos coagulase positiva em 4 amostras, sendo que, todas as cepas foram testadas quanto a sensibilidade a antimicrobianos e apresentaram resistência a penicilina. Indicando que a merenda escolar pode oferecer risco à saúde das crianças, assim como os doces avaliados no presente trabalho.
Com resultados diferentes, no estudo realizado por César et. al.(13) os autores não obtiveram contagens superiores a 10² UFC.g-1 para esta bactéria ao avaliarem sobremesas de um restaurante da cidade de Pelotas, RS. Estando estas amostras de acordo com o exigido pela legislação brasileira.
Os resultados microbiológicos encontrados neste estudo contrariam o exposto por Nicolau et. al. (17), pois mesmo com a alta concentração de açúcar dos doces, o que exerce pressão osmótica e dificulta o crescimento das bactérias, foi obtido carga microbiana insatisfatória, no caso de Estafilococos coagulase positiva.
No mesmo trabalho realizado por Nicolau et. al.(17) foram avaliadas tortas doces comercializadas em 105 bancas nas 23 feiras especiais da cidade de Goiânia, e também o impacto da capacitação dos feirantes em Boas Práticas de Fabricação (BPF) na qualidade destes produtos. Os autores concluíram que com o treinamento dos feirantes houve uma melhora na qualidade microbiológica dos produtos, reforçando a necessidade de capacitação dos manipuladores e o impacto desta ferramenta no produto final.
Considerando que as principais fontes de contaminação por Estafilococos coagulase positiva são a pele e as vias aéreas superiores de humanos, a contaminação dos doces pode ter ocorrido devido a falhas relacionadas a procedimentos não adequados de Boas Práticas de Fabricação, como por exemplo, manipular os doces sem lavar as mão ou tossir, espirrar e falar sobre os produtos ou matérias primas (10).
Os resultados obtidos demonstram a necessidade de maior capacitação em Boas Práticas de Fabricação para todos os estabelecimentos pesquisados. Falhas nestes requisitos podem gerar contaminações de origem física, química e/ou biológica, além de causar doenças de origem alimentar aos consumidores. Em contrapartida, com a aplicação de treinamentos aos manipuladores de alimentos é possível melhorar as condições higiênico-sanitárias durante a produção dos doces e garantir a segurança dos produtos fabricados (5, 6, 17).
CONCLUSÕES
Não foi verificada a presença de Salmonella spp e contagem de Eschericia coli nas amostras avaliadas e, embora tenha havido contagens de Bacillus cereus em duas amostras analisadas, estas estavam abaixo do limite máximo permitido pela ANVISA.
No entanto, com base nos resultados obtidos para as contagens de Estafilococos coagulase positiva em todas as amostras analisadas, é possível concluir que há necessidade de maiores investimentos na capacitação dos manipuladores de alimentos quanto à manutenção das Boas Práticas de Fabricação em todos os estabelecimentos pesquisados, uma vez que estes resultados ficaram acima do limite máximo permitido pela legislação brasileira.
REFERÊNCIAS
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