SUJIDADES E MATÉRIAS ESTRANHAS EM AMEIXA E UVA PASSA
Capítulo de livro publicado no livro do I Congresso Latino-Americano de Segurança de Alimentos. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/08082023-37
Este trabalho foi escrito por:
Márcia Regina Ferreira Geraldo Perdoncini *; Luana Sabrina Rodrigues Nobre de Alencar
Resumo: O Brasil tem um papel de destaque na produção de frutas, sendo a fruticultura, um importante segmento. A uva e a ameixa são duas frutas com alta perecibilidade, pois contém grande quantidade de água livre, diminuindo sua vida útil, gerando grandes perdas pós colheita. Uma forma para diminuição de perdas pós colheita é o seu processamento, transformando em fruta seca/passa. O presente trabalho teve como objetivo analisar e quantificar as sujidades encontradas em 10 amostras de passas, sendo 5 de ameixas e 5 de uvas comercializadas a granel, afim de verificar se estão dentro dos limites de tolerância da legislação vigente. Todas as 10 amostras analisadas mostraram presença de matérias estranhas, porém, dentro dos limites de tolerância. Como houve presença de fragmentos de insetos, fica um alerta para que as indústrias de alimentos intensifiquem a qualidade das Boas Práticas de Fabricação para produzir alimentos mais seguros e com menor quantidade de sujidades possíveis.
Palavras–chave: microscopia, sujidades, uva passa, ameixa passa
Abstract: Brazil has a prominent role in fruit production, with fruit growing as an important segment. Grapes and plums are two highly perishable fruits, as they contain a large amount of free water, reducing their shelf life, a generating large post-harvest loss. One way to reduce post-harvest losses is its processing, transforming it into dried/raisin fruit. The present work aimed to analyze and quantify the dirt found in ten raisins, five plum, and five grape samples sold in bulk, to verify if they are within the tolerance limits of current legislation. All 10 samples analyzed showed the presence of foreign matter but within the tolerance limits. As there was the presence of insect fragments, it is an alert for the food industries to intensify the quality of Good Manufacturing Practices to produce safer food with less amount of dirt possible.
Keywords: microscopy; dirt; pass grape; plum passes
INTRODUÇÃO
O Brasil se destaca na produção de frutas, correspondendo a 25% do agronegócio brasileiro fazendo da fruticultura um importante segmento no país. A produção de uva e ameixa fazem parte da fruticultura brasileira, principalmente devido a fatores como clima, solo, baixa umidade e utilização de sistema irrigado, possibilitando então até mais de uma safra anual (1; 2). A uva (Vitis vinifera) é uma fruta não climatérica, portanto é colhida somente quando estiver em condições próprias para consumo. Entretanto, é uma fruta com alta perecibilidade, onde as perdas na pós colheita são de 20 a 95% (2). A ameixa é uma fruta composta por 84,8% de água, 13,9% de carboidratos, 0,8% de proteínas, 2,4% de fibras, vários minerais e vitaminas, e a cada 100g do fruto tem 14kcal (3). Por se tratar de uma fruta com alto percentual de água, ela se torna altamente perecível, reduzindo sua vida útil e aumentando as chances de contaminação por microrganismos (3). Os fruticultores enfrentam um grande problema para a conservação dos frutos maduros, a deterioração química e microbiana, visto que as frutas contêm grande quantidade de água livre, sendo esta, a razão de cerca de 40% de perdas entre a colheita e a entrega, consequentemente, aumento do preço para o consumidor final (4). Para obtenção de alimentos com alto valor agregado é feito um processamento de frutas in natura por exemplo, frutas secas, cuja demanda é crescente. As frutas secas são de fácil conservação pois diminuem as reações de degradação endógenas e exógenas, dificultando o desenvolvimento de microrganismos, além de manter as características sensoriais do produto por longos períodos (5). As frutas desidratadas, também chamadas como “seca” ou “passa” podem ser definidas como o produto obtido após a perda parcial de água, obtendo no final a umidade máxima de 25% (6). A utilização de frutas desidratadas é uma alternativa para diminuição das perdas na pós colheita bem como a importação das mesmas, visto que atualmente as frutas passas são quase sempre advindas de outros países (7; 8). As frutas desidratadas possuem algumas vantagens em comparação com a versão in natura, como melhor e maior tempo de conservação do produto, diminuição do peso, como consequência redução de custo de transporte e armazenamento e utilização na indústria de alimentos, sendo adicionado em produtos de confeitaria (9). Tendo em vista a produção de frutas desidratadas, pode ocorrer incidência de sujidades nesses alimentos, seja por conta do plantio, falhas na higienização ou até mesmo durante o armazenamento (10). A RDC n. 623, de 9 de março de 2022, da agencia nacional de vigilância sanitária (ANVISA), dispõe sobre os limites de tolerância para matérias estranhas em alimentos, bem como os tipos de alimentos a serem analisados e os métodos analíticos referentes (11). Para análise e identificação de fragmentos de insetos, podem ser empregados métodos macroanalíticos e microanalíticos de acordo com o tipo de sujidade. As sujidades são divididas em leves e pesadas, de acordo com a densidade em relação ao meio de flutuação. Ácaros, fragmentos de insetos e pelos de roedores compreendem as sujidades leves, enquanto areia, vidro e metais as sujidades pesadas (12). Com a crescente produção de frutas passas no Brasil, o presente trabalho pode revelar a necessidade de maiores cuidados no processamento desse alimento, desde a produção até a venda ao consumidor, fomentando dados para futuras pesquisas com objetivo de produzir alimentos com menor quantidade de sujidades, atendendo a legislação vigente obtendo-se produtos mais seguros. O objetivo desse trabalho foi verificar a qualidade de amostras de ameixa e uva passa comercializadas a granel na cidade de Campo Mourão, PR, em relação à análise de sujidades, de acordo com os limites estabelecidos pela ANVISA.
MATERIAL E MÉTODOS
O estudo foi realizado com 5 amostras de ameixa e 5 de uva passa comercializadas a granel no município de Campo Mourão, PR, adquiridas em 5 comércios no período que compreende os meses de agosto e setembro de 2022. Foi estabelecida uma relação do tipo de amostra (uva ou ameixa) e comércio, apresentada na Tabela 1, utilizando letras do alfabeto (A, B, C, D, E).
Para determinação de matérias estranhas e sujidades, o método utilizado para a análise das amostras foi baseado na técnica 945.75 da AOAC (Métodos Analíticos Oficiais AOAC), com modificações. As análises foram realizadas nos laboratórios de microscopia da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) Campus Campo Mourão. Cada amostra, composta por 100g de frutos, foi submetida à lavagem superficial, em água destilada para recolhimento das sujidades na superfície dos frutos. Esse processo se deu inserindo em cada amostra em 250 mL de água destilada contida em sacos plásticos específicos para preparo de amostras. Em seguida, as superfícies dos frutos foram suavemente friccionadas durante 20 segundos, de tal forma que as sujidades porventura presentes fossem liberadas no líquido de recolhimento. Em seguida, o líquido foi transferido para um béquer de 600 mL. O processo de lavagem foi repetido mais uma vez com 250 mL de água destilada, totalizando 500 mL. O líquido recolhido passou para a metodologia de extração de sujidades e posterior filtração. O líquido recolhido no béquer, da lavagem superficial das amostras foi submetido à técnica de flutuação em frasco armadilha de Wildman para extração das sujidades leves e pesadas. Para isso, foi adicionado ao frasco, 25 mL de heptano e após homogeneização, o frasco foi completado com água destilada. Após repouso de 20 minutos as fases polar e apolar foram filtradas com a bomba à vácuo, separadamente em papel de filtro demarcado previamente. Em seguida o papel filtro foi transferido para o vidro relógio. O material filtrado presente no papel filtro foi examinado no microscópio luminoso em aumentos de 10 a 400 vezes para pesquisa de sujidades leves (fase apolar) e pesadas (fase polar). As sujidades foram identificadas de acordo com as características microscópicas e contadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Após identificação microscópica, não foi detectado presença de sujidades pesadas, pelos de roedor, larvas, ovos, excrementos de insetos/roedor e ácaros em nenhuma das amostras analisadas. Das sujidades leves, foram encontrados fragmentos de inseto em todas as amostras, em quantidades apresentadas na Tabela 2.
A resolução RDC nº 623, de 9 de março de 2022, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) define um limite de 25 fragmentos de insetos indicativo de falhas das boas práticas de fabricação a cada 225 g para frutas desidratadas (exceto uva passa), e para uva passa além dos 25 fragmentos de insetos, há também a tolerância de 1 fragmento de pelo de roedor em 225 g de amostra (11). De acordo com os resultados apresentados na Tabela 2, pode ser observado que nenhuma das amostras excedeu o limite de tolerância. Dentre as frutas desidratadas, a uva passa apresentou maior número de fragmentos de insetos, sendo a amostra A, mais significativa, em seguida amostras B e C. As amostras D e E apresentaram números menores, sendo 6 e 8 fragmentos, respectivamente. Em comparação com a uva, a ameixa apresentou uma menor quantidade de fragmentos de insetos de forma geral, sendo apenas a amostra D com resultado de 10 fragmentos, enquanto a amostra A obteve-se o menor número de fragmentos encontrados.
Nas figuras 1, 2 e 3 são demonstrados alguns fragmentos de insetos encontrados nas amostras analisadas.
Durante a observação no microscópio pode ocorrer dúvidas em relação a matéria estranha encontrada, porém pode-se perceber que o fragmento de inseto se diferencia dos tecidos vegetais por ter uma característica marcante, ser brilhoso, quebradiço e não dobrarem com facilidade (13).
A presença de matérias estranhas foi observada por vários autores, que encontraram pelos de roedor, ácaros, larvas, insetos inteiros e seus fragmentos em amostras de orégano, salsa e manjerona (12) e em condimentos como cominho e pimenta do reino (14). Algumas dessas amostras foram consideradas impróprias para o consumo, concluindo a presença de falhas no setor produtivo que comprometeram a qualidade da matéria prima e do produto final.
Em pesquisa com 10 amostras de produtos atomatados comerciais (catchup, polpa e extrato de tomate) encontraram fragmentos de insetos e pelos de roedor em 9 delas (15). Sujidades e matérias estranhas foram detectadas em 52 amostras de mel de abelha produzida no estado do Piauí onde foi encontrado ácaros, fragmentos de insetos e larvas, totalizando 52,94% das amostras em desacordo com a legislação vigente (16).
Em trabalho de pesquisa para sujidades leves em diferentes alimentos, por diferentes metodologias, foi concluído que dentre aqueles que sofreram tratamento químico para extração das mesmas, o macarrão foi o que apresentou maior quantidade de matérias estranhas, seguidos do mel e sal. No grupo dos alimentos que seguiu extração por peneiragem, o açúcar, seguido do café e orégano apresentaram maior quantidade de matérias estranhas. Apesar das amostras estarem dentro dos limites toleráveis, os resultados indicaram falhas nas BPF (17).
A presença de fragmentos de pelos de roedores em produtos atomatados processados no estado de Goiás, foi avaliada por meio do método de flutuação. Encontrou-se um total de 40 fragmentos de pelos de roedores e 5 fragmentos de pelos humanos em amostra de molho de tomate, 25 fragmentos de pelos de roedores e 3 fragmentos de insetos em extrato de tomate enquanto nas polpas de tomate 5 fragmentos de pelos de roedores, 1 fragmentos de inseto e 3 fragmentos de pelos humanos (18).
Com base nos trabalhos apresentados acima, a presença de sujidades em alimentos é bastante recorrente e preocupante visto que essa contaminação não é apenas em um tipo de produto e sim em vários segmentos, demonstrando a necessidade de realizar análise microscópica recorrente, para identificar falhas nas Boas Práticas de Fabricação e garantir a qualidade do produto.
CONCLUSÕES
Os resultados das análises se mostraram dentro do limite de 25 fragmentos de insetos em 225g de amostra para ameixa passa e 25 fragmentos de insetos em 225g e 1 pelo de roedor em 225g de uva passa, estabelecido pela ANVISA. Embora as amostras tenham se mantido dentro dos limites toleráveis pela legislação vigente, os resultados indicam que ainda pode haver falhas nas Boas Práticas de Fabricação (BPF). É necessário que as indústrias de alimentos sejam mais rígidas no cumprimento das BPF, na qualidade dos produtos, bem como na adoção de um sistema de controle de pragas, para evitar a presença de sujidades nocivas à saúde. Dessa forma, destaca-se a importância das análises microscópicas que contribui no contexto da segurança de alimentos, uma vez que muitas sujidades não são visíveis a olho nu nem detectadas por métodos microbiológicos e físico-químicos.
AGRADECIMENTOS
Agradecemos à Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) por proporcionar a realização deste trabalho.
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