AQUAPONIA: A INTEGRAÇÃO ENTRE PEIXES E PLANTAS: REVISÃO DE LITERATURA
Capítulo de livro publicado no livro do II Congresso Brasileiro de Produção Animal e Vegetal: “Produção Animal e Vegetal: Inovações e Atualidades – Vol. 2“. Para acessá-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/9786585062039-10
Este trabalho foi escrito por:
Diana Carla Fernandes Oliveira*; Renan Rosa Paulino; Pedro Teodoro da Silva; Rafael Antônio Borges; José Irineu Inácio; Rafaela Ramos Soares; Rilke Tadeu Fonseca de Freitas
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: A crescente população mundial combinada com o aumento da demanda por água impõe enorme pressão sobre os setores envolvidos na produção de alimentos. Dessa forma, surge a aquaponia, que integra o cultivo de peixes e plantas, promovendo um sistema sustentável de produção de alimentos seguros e conservação dos recursos hídricos. Existem diferentes sistemas aquapônicos, porém, a maioria deles tem o mesmo princípio de funcionamento dividido em três partes básicas: tanque de peixes, tanques de hidroponia e sistemas de filtragem. Os sistemas baseiam-se na recirculação de água entre os cultivos, utilizando substratos da produção dos peixes para o crescimento da hortaliça evitando o acúmulo da amônia tóxica excretada pelos animais na água, viabilizando a conversão aeróbia através da ação dos microrganismos, consequentemente absorvidos pelas raízes das plantas auxiliando seu crescimento. A aquaponia pode ser considerada uma técnica inovadora, pois consiste na produção de alimentos com baixo consumo de água e alto aproveitamento do resíduo orgânico gerado, sendo a alternativa de produção de peixes e vegetais menos impactante ao meio ambiente. Esta revisão tem como objetivo abordar as técnicas de aquaponia, vantagens e tecnologias do sistema de produção das hortaliças e de peixes por meio da aquaponia, considerado sustentável ambiental, social e economicamente.
Palavras–chave: águas residuais de aquicultura, cultivo integrado, sustentabilidade, transformação de nitrogênio
Abstract: The growing world population combined with the increasing demand for water puts enormous pressure on the sectors involved in food production. In this way, aquaponics arises, which integrates the cultivation of fish and plants, promoting a sustainable system of production of safe food and conservation of water resources. There are different aquaponic systems, but most of them have the same working principle divided into three basic parts: fish tank, hydroponics tanks and filtration systems. The systems are based on the recirculation of water between crops, using substrates from fish production for vegetable growth, preventing the accumulation of toxic ammonia excreted by animals in the water, enabling the aerobic conversion through the action of microorganisms, consequently absorbed by the roots of plants helping their growth. Aquaponics can be considered an innovative technique, as it consists of the production of food with low water consumption and high use of the organic waste generated, being the alternative for the production of fish and vegetables with less impact on the environment. This review aims to address aquaponics techniques, advantages and technologies of the vegetable and fish production system through aquaponics, considered environmentally, socially and economically sustainable.
Key Word: aquaculture wastewater, integrated farming, sustainability, nitrogen transformation
INTRODUÇÃO
A segurança alimentar e nutricional tornou-se uma das questões globais críticas na sociedade moderna (1). A crescente urbanização e as demandas da população aumentaram a oferta de recursos da área de produção limitada. De acordo com a Organização das Nações Unidas (2) em 2030 serão aproximadamente 8,5 bilhões de pessoas no mundo. Com o aumento da população global, a rápida urbanização, a escassez de recursos naturais o mundo necessita de formas sustentáveis de produção de alimento (3). Este fato, faz com que haja um aumento significativo no consumo de água e uma forte pressão sobre as metodologias de produção de alimentos, e consequentemente, estudos para adotar um novo padrão produtivo com mínima perda de água (4).
Em função da alta eficiência hídrica, biossegurança e redução significativa dos impactos ambientais gerados pela atividade de cultivo, os sistemas fechados e de recirculação são cada vez mais utilizados como norteadores da aquicultura sustentável (5). Em tempos de racionamento e uso sustentável da água, é imprescindível saber utilizar as fontes de água doce. Principalmente no contexto de produção de alimentos, uma das formas de diminuir os custos de produção se dá através da utilização de sistemas integrados de agricultura e aquicultura, o que resulta na redução dos custos para obtenção de água (6). Em meio a esse cenário de mudanças e inovação na forma de produzir alimentos, a aquaponia pode ser considerada uma técnica inovadora, pois consiste na produção de alimentos com baixo consumo de água e alto aproveitamento do resíduo orgânico gerado, sendo a alternativa de produção de peixes e vegetais menos impactante ao meio ambiente (7).
O sistema de produção aquapônico é uma técnica utilizada com sucesso em diversos países. Entretanto, no Brasil o emprego comercial dessa técnica ainda é reduzido (8). Apesar das inúmeras vantagens como o baixo consumo de água, redução de impactos ambientais, produção de duas fontes de renda em um único sistema, são necessários mais estudos que forneçam informações para permitir a implementação deste sistema sob condições brasileiras (8). Os desenhos de um sistema de aquaponia podem variar. No entanto, de acordo com Rakocy (2007) (9) são necessários à realização de três processos complementares, o cultivo dos peixes no tanque onde há a entrada de nutrientes na forma de ração, a nitrificação das diferentes formas de apresentação do nitrogênio em filtros biológicos.
Segundo Carneiro et al (2015) (10), há uma grande expectativa de que essa técnica de produção de alimentos se torne popular no Brasil, uma vez que a mesma é capaz de produzir alimentos saudáveis, sem agredir o meio ambiente, podendo ainda ser utilizada ainda como uma ferramenta didática. Esta revisão tem como objetivo abordar as técnicas de aquaponia, vantagens e tecnologias do sistema de produção das hortaliças e de peixes por meio da aquaponia, considerado sustentável ambiental, social e economicamente.
AQUAPONIA
A aquaponia é um sistema biointegrado que une a aquicultura e a hidroponia, onde peixes e plantas são produzidos em um ambiente simbiótico (11). De acordo com Adhikari et al. (2020) (1), a aquaponia é um ecossistema de água doce que é composto de interações entre seus componentes bióticos (vivos), que incluem peixes, plantas e bactérias, e componentes abióticos (não vivos) que compreendem água, ar e meios de cultivo. Neste sistema de integração entre o cultivo de organismos aquáticos e vegetais hidropônicos, o qual utiliza pouca água e aproveita os nutrientes do sistema de forma eficiente em um sistema de recirculação e tratamento de água (12).
As águas residuais da aquicultura contêm nutrientes como nitrogênio e fósforo, que podem ser utilizados para o crescimento de espécies de plantas (1). Estudos documentaram que a aquaponia é uma abordagem sustentável para a utilização de nutrientes das águas residuais da aquicultura com a produção orgânica de vegetais resultante (13, 14, 15). As águas residuais da aquicultura podem fornecer a maioria dos nutrientes necessários para as plantas, desde que a proporção ideal entre a alimentação diária e a área de crescimento das plantas seja mantida.
A aquaponia apresenta alguns princípios biológicos importante, como por exemplo, a preconização da reutilização total da água, com o intuito de prevenir o desperdiço de água e assim diminuir ou até mesmo eliminando a liberação do efluente no meio ambiente. Nesse tipo de sistema uma vez abastecido e em perfeito funcionamento, pode ficar por tempo indeterminado sem a necessidade que haja troca da água, onde vai haver apenas o acréscimo da água perdida na evaporação e pela plantação (16). Segundo Carneiro et al. (2015) (10), o fornecimento de ração para os peixes é o principal elemento para a aquaponia. A ração quando excretada pelos peixes, ricos em nutrientes é transformada em nutrientes que serão em seguida absorvidos pelas plantas (17). Para tanto, a aquaponia tem um sistema de fluxo constante de nutrientes entre hidroponia e aquicultura, através de ciclos biológicos naturais, um deles é a nitrificação realizada por bactérias nitrificantes (nitrosomonas e nitrobacter) que são encarregadas por converter a amônia (NH3) em nitrito (NO2 – ) e depois em nitrato (NO3 – ), deixando as substâncias menos tóxicas para absorção das plantas, quando as plantas consomem estes nutrientes, junto com as bactérias, exercem papel importante na filtragem da água que retornará para os peixes, garantindo uma adequada condição para seu crescimento (FIGURA 1).
Nitrificação e a conversão aeróbica de amônia em nitratos são umas das mais importantes funções em um sistema de aquaponia, pois reduz a toxicidade da água para os peixes e permite que o nitrato resultante seja removido pelas plantas para a sua nutrição (18).
As plantas são importantes na manutenção do ciclo aquapônico, pois reduzem a concentração de nitrato e amônia, utilizando para seu próprio crescimento. Do ponto de vista comercial, as plantas devem gerar o maior nível de renda por unidade de área cultivada (1). Portanto, a seleção de espécies vegetais é fundamental para alcançar a qualidade da água para recirculação; no entanto, também depende da concentração de nutrientes e densidade de estocagem dos peixes (19). Espécies e variedades vegetais adaptadas a hidroponia são sempre recomendadas para a aquaponia, uma vez que a maioria delas têm o crescimento ótimo entre o pH de 5,8 e 6,2, toleram altos teores de água em suas raízes e significativas variações nos teores de nutrientes dissolvidos na solução nutritiva, sem apresentar sintomas de deficiência nutricional (20). Na tabela 1, são apresentadas as espécies de plantas, bem como o pH, faixa de temperatura e modelo aquapônico recomendado.
A espécie de peixe deve ser tolerante a altas densidades de estocagem e a manejos frequentes. Dentre elas, a tilápia do Nilo Oreochromis niloticus, por ser um peixe rústico e resistente, apresentar boa conversão alimentar, tolerar altas densidades de estocagem, ter seu pacote tecnológico de cultivo difundido por todo o mundo e por ter, em geral, bom valor comercial, tem sido o peixe mais utilizado em sistemas de aquaponia, com resultados muito animadores (26). O tambaqui, Colossoma macropomum, é uma espécie nativa da Amazônia que reúne essas características e vem sendo utilizada com sucesso nos vários sistemas de aquaponia. Outras espécies estão sendo bastante utilizadas, tais como: Bagre ( Siluriformes ), Truta ( Oncorhynchus mykiss ), Perch ( Perca ), Carpa comum ( Cyprinus carpio ), Carpa Koi , Achigã ( Micropterus salmoides ), Bacalhau Murray ( Maccullochella peelii ), Tainha ( Mugilidae ), Pacu ( Piaractus mesopotamicus) (27, 28, 29).
A aquaponia vem se tornando bastante popular, sendo utilizada em sistemas de backyard aquaponics (aquaponia de quintal), o que demonstra o interesse de indivíduos preocupados em produzir seus próprios alimentos de maneira sustentável, além de obter segurança alimentar, com produtos orgânicos. O sistema se destaca como uma alternativa viável, pois possibilita a produção de proteína animal oriunda da aquicultura, baseada em um sistema sustentável de reaproveitamento, com baixo consumo de água e produção de resíduos, combinada com a produção de hortaliças em sistema hidropônico, tendo assim uma sinergia perfeita entre a utilização de peixes, processos biológicos e plantas (30).
Nesse sentido Carneiro et al. (2015) (12) esperam que a aquaponia se torne cada vez mais popular no Brasil, e tenha ampla difusão na produção de alimentos, assim como já vem ocorrendo em outros países. Além dos aspectos já tratados, a aquaponia assim como toda tecnologia recente e pouco divulgada, apresenta vantagens e desvantagens, que de acordo com Braz Filho (2000) (31), Herbert e Herbert (2008) (32) são as descritas no quadro 1.
SISTEMAS AQUAPÔNICOS
Existem diversas formas e tamanhos de sistemas aquapônicos, porém a maioria deles tem o mesmo princípio de funcionamento dividido em três partes básicas: tanque de peixes, tanques de hidroponia e sistemas de filtragem (FIGURA 3).
Os filtros podem ser separados ou não por compartimentos entre filtragem mecânica e biológica (34), sendo que o sistema pode apresentar o filtro dentro do próprio sistema de cultivo de hortaliças ou de forma separada.
Na produção aquapônica apresenta subdivisões no sistema quanto aos substratos, podendo ser substrato semi-seco, que vem do inglês “gravel bed”, calhas hidropônicas com a técnica do fluxo laminar de nutrientes, que vem do inglês NFT – “nutriente film techinique” e por último bandejas flutuantes que é derivado do inglês “floating raft” (35). A escolha do sistema de aquaponia depende do espaço e do uso que se fará dele (36). Existem várias formas de cultivar os vegetais na aquaponia.
No modelo Media Bed Technique (MBT), conhecido como cama de cultivo ou ambiente de cultivo em cascalho (FIGURA 4 e 5), é a forma mais simples da aquaponia. São utilizados como substratos argila expandida, pedra brita, rochas vulcânicas, entre outros, onde as bactérias ficam alojadas fazendo o processo de nitrificação. A água volta para o tanque dos peixes por gravidade através da instalação de um sifão (10). A principal vantagem da MBT é sua capacidade de trabalhar sem biofiltro (24). Também conhecido como substrato semisseco, é indicado para aquaponia de pequena escala, devido à dificuldade de manejo (37).
No modelo NFT- Nutrient Film Technique ou ambiente de cultivo em canaletas (FIGURA 6 e 7) com as raízes submersas na água, através da qual podem absorver os nutrientes. Neste sistema a água sai do filtro biológico por meio de um bombeamento, passa pelas bandejas de semeadura e ao tanque dos peixes, depois vai para o decantador e após para as canaletas onde estão as hortaliças, retornando ao mesmo lugar e fechando o ciclo (39). Uma fina película de água é continuamente fornecida ao canal através do qual o oxigênio e os nutrientes são fornecidos às plantas. Este sistema, geralmente usado para cultivar vegetais de folhas verdes (27), é fácil de operar, limpar e manter.
A NFT geralmente utiliza tubos de plástico para fornecimento de nutrientes, pois são leves e também permite o ajuste do tubo de acordo com a densidade da planta de acordo com o estágio de crescimento da cultura (1). Devido à falta de área suficiente para o florescimento da comunidade bacteriana em tubos tão pequenos, um componente de biofiltro separado é essencial em tais sistemas (28). A técnica de filme de nutrientes requer um fluxo contínuo de nutrientes para as plantas, portanto, é vulnerável a falhas na bomba (1).
No modelo FRT- Deep Film Technique ou Floating (FRT), ambiente flutuante (FIGURA 8), permitindo que as raízes fiquem suspensas na água. Os vegetais folhosos como alface, rúcula, agrião, entre outras são colocadas em placas de poliestireno onde suas raízes irão ficar submersas. O FRT utiliza grandes volumes de água no subsistema hidropônico, o que também aumenta a capacidade tampão contra a amônia e reserva nutrientes por períodos mais longos, mesmo durante a interrupção da bomba ou redução da biomassa de peixes (28). Por outro lado, a necessidade de água pesada exige operação de bombas e maior custo de energia (1). Além disso, segundo os mesmos autores, o FRT pode ser mais suscetível à reprodução de larvas de mosquito devido à grande área de água.
Neste sistema, as raízes na jangada podem ser expostas a organismos nocivos associados ao sistema de aquicultura. Além disso, se os peixes tiverem acesso ao sistema hidropônico, eles consumirão as raízes das plantas e, portanto, podem causar um impedimento significativo no crescimento das plantas (29). O FRT, no entanto, tem alguns contras, sendo amplamente utilizado para escala comercial devido aos benefícios adicionais.
Já no modelo Wicking Bed ou ambiente de cultivo em areia (FIGURA 9) que é pouco comum, são utilizados como substratos areia ou pó de coco para o cultivo de tubérculos como cenoura, cebola, rabanete entre outras. Nesse sistema a água entra pela base e por capilaridade conduz a água e os nutrientes para as raízes das plantas, o ambiente deve se manter umedecido e não encharcado (12).
SUSTENTABILIDADE DO SISTEMA DE AQUAPONIA
Um dos maiores problemas da aquicultura comum e na produção animal em geral, é o destino, ou emprego dos dejetos dos animais. Nos meios aquáticos os restos de ração e as fezes acabam tornando a água dos viveiros e tanques eutrofisadas e até mesmo tóxicas ao ambiente com a elevação de compostos nitrogenados, fosfatados (41).
Na aquaponia, tanto a porção animal quanto a vegetal cresce de forma integrada e sinérgica, o que permite ser auto sustentável. Sendo assim, pode dispensar ou reduzir o uso de fertilizantes industriais para as plantas alimentícias e defensivos agrícolas, ao mesmo tempo em que mantém a água limpa e oxigenada para o crescimento saudável dos peixes e crustáceos, isto quando bem equilibrado e controlado o sistema (26).
CONCLUSÕES
A aquaponia é uma atividade que pode ser considerada sustentável nas dimensões ambiental, econômica e social. Proporciona ganhos ambientais com economia de água e de insumos (fertilizantes e agrotóxicos) e não emite poluentes (efluente). As condições ambientais de simbiose que o sistema aquapônico estimula entre as plantas e peixes é sinergético podem induzindo melhor desenvolvimento dos organismos. O desenvolvimento seguro da aquaponia exige a observação de pontos estratégicos como a adequada maturação do biofiltro para eficiente ação das bactérias nitrificantes, para isto deve-se atender a qualidade da água simultaneamente para os microrganismos, peixes e plantas. A dinâmica dos nutrientes dissolvidos na água para atendimento e suplementação para as plantas é fornecida pelos peixes. Contudo, é importante ressaltar que os produtores devem ser instruídos quanto a construção do sistema e manejo, principalmente dos peixes.
AGRADECIMENTOS
FAPEMIG, CNPq, CAPES
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