SOBREMESA LÁCTEA: ASPECTOS REGULATÓRIOS E NUTRICIONAIS
Capítulo de livro publicado no livro do I Congresso Latino-Americano de Segurança de Alimentos. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/08082023-11
Este trabalho foi escrito por:
Gabriela Rodrigues Alves Silva *; Wanessa Pires da Silva ; Mônica Marques Pagani ; Elson Rodrigues Tavares Filho ; Eliane Teixeira Mársico ; Adriano Gomes da Cruz ; Erick Almeida Esmerino
*Gabriela Rodrigues Alves Silva – [email protected].br
Resumo: As sobremesas lácteas são derivados lácteos que têm apresentado destaque no setor, com um aumento em sua participação de mercado, especialmente entre crianças e idosos devido a sua praticidade, aspectos sensoriais e físico-químicos. Adicionalmente, expande-se também a oferta de versões funcionais que agregam benéficos à saúde, como sobremesas probióticas, prebióticas e adicionadas de outros compostos funcionais. Neste sentido, o presente trabalho teve por objetivo retratar o cenário mercadológico atual deste derivado lácteo abordando seus apectos nutricionais, sensoriais e funcionais, além de sua recente regulamentação no Brasil. Após o levantamento, nota-se que a diversificação sensorial e o uso de ingredientes funcionais têm auxiliado as indústrias no desenvolvimento de novos produtos e impulsionado o mercado de sobremesas lácteas, atendendo assim consumidores que buscam na versatilidade destes produtos alcançarem hábitos alimentares mais saudáveis. Ressalta-se ainda o avanço na fixação da identidade e das características mínimas de qualidade para a categoria com a publicação recente de seu Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade.
Palavras-chave: Derivados lácteos, regulamentação, sobremesa láctea, probióticos
Abstract: Dairy desserts are milk derivatives that have been prominent in the sector, with an increase in their market share, especially among children and the elderly due to their practicality, sensory and physical-chemical aspects. Additionally, the offer of functional versions that add health benefits, such as probiotic and prebiotic desserts and added with other functional compounds, is also expanded. In this sense, the present work aimed to portray the current market scenario of this dairy product, addressing its nutritional, sensory and functional aspects, in addition to its recent regulation in Brazil. After the survey, it is noted that sensory diversification and the use of functional ingredients have helped industries in the development of new products and boosted the dairy dessert market, thus serving consumers who seek healthier eating habits in the versatility of these products. It is also worth mentioning the progress in establishing the identity and minimum quality characteristics for the category with the recent publication of its Technical Regulation on Identity and Quality.
Keywords: Milk derivatives. Regulatory. Dairy desserts. Probitics.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, as sobremesas lácteas prontas para consumo têm apresentado importante crescimento devido a sua praticidade, versatilidade de sabores e opções atreladas à crescente demanda dos consumidores do produto, como versões funcionais e até com reduzido teor de gordura (1). Entende-se por sobremesa láctea, o produto lácteo composto pronto para o consumo, elaborado a partir da mistura de leite, em suas diversas formas, padronizado ou não em seu teor de gordura, proteína, ou ambos, com derivados lácteos ou substâncias alimentícias, ou ambos, podendo ser adicionada de amidos, amidos modificados e maltodextrina (2).
A sobremesa láctea é basicamente constituída por: leite, amido, açúcar, flavorizantes, estabilizantes, emulsificantes, geleificantes, espessantes, corantes, aromatizantes, ovos, polpas de frutas ou chocolate e conservantes, com formulações variáveis em função das combinações dos ingredientes utilizados (3). Até 2020, [1] no Brasil não havia nenhuma legislação regulamentando o produto no que tange à formulação, padrões de qualidade, classificação do produto, critérios específicos de rotulagem entre outros temas, contudo, após amplo debate e consulta pública, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) publicou a Instrução Normativa n. 84, que dispõe sobre a identidade e os requisitos de qualidade, que deve apresentar o produto denominado sobremesa láctea (2).
Destaca-se que as condições de processamento têm importância fundamental na preparação das sobremesas e devem ser estabelecidas de acordo com a formulação. O processo de fabricação é constituído basicamente das etapas de preparo da mistura, tratamento térmico, homogeneização, resfriamento parcial e estocagem sob refrigeração (4).
Com as novas tendências de mercado e seguimentação do consumo, as indústrias têm buscado estratégias criativas para diferenciar seus produtos com base na funcionalidade e qualidade superior (5). As sobremesas lácteas prontas para o consumo têm ganhado mercado por serem opções interessantes do ponto de vista funcional, nutritivo e sensorial, servindo ainda como matrizes para incorporação de culturas probióticas e outros compostos funcionais, como apontam os estudos científicos e as opções recentes da indústria alimentícia (6).
Neste contexto, este trabalho teve como objetivo retratar o cenário atual de sobremesas lácteas abordando seus aspectos tecnológicos, nutricionais, sensoriais e funcional, abordando ainda sua regulamentação no Brasil.
METODOLOGIA
A busca pelos trabalhos científicos e o levantamento de dados foram realizados através de busca em bases de dados nacionais e internacionais como Periódicos Capes, Science Direct e Pubmed, utilizando-se os seguintes termos: “sobremesa láctea”, “funcional” e “probióticos”, além de legislações nacionais que tratam sobre o tema.
REVISÃO DE LITERATURA
Ao longo das últimas décadas, a comercialização de sobremesas lácteas prontas para o consumo tem apresentado considerável crescimento. Os ingredientes inovadores e as tecnologias aplicadas nas indústrias de laticínios têm proporcionado novas alternativas às sobremesas clássicas preparadas em casa, permitindo a produção de sobremesas com novos sabores, com maior digestibilidade, maior valor nutritivo e funcional. Embora a produção industrial de sobremesas lácteas seja delicada, seu valor nutricional e suas características sensoriais favorecem o seu consumo por grupos de consumidores como crianças e idosos (7).
No momento do desenvolvimento de um produto é necessária a busca por seu Regulamento Técnico de Identidade e Qualidade (RTIQ) [2], onde são fixados a identidade e os padrões de qualidade do mesmo. A primeira regulamentação de sobremesa láctea foi publicada em 2020 através da Instrução Normativa n° 72, de 24 de julho de 2020 (8), que, após meses de vigência, foi revogada pela Instrução Normativa n. 84, de 17 de agosto de 2020 (2), trazendo como alteração a contagem de microrganismos específicos presentes nas sobremesas lácteas fermentadas, que passaram do mínimo de cento e seis unidades formadoras de colônia por grama (106 UFC/g) no produto final para um milhão de unidades formadoras de colônia por grama (mínimo de 106 UFC/g) para todos os cultivos lácticos específicos empregados, durante todo o prazo de validade.
De acordo com o regulamento (2) são ingredientes obrigatórios da sobremesa láctea: leite, leite reconstituído ou leite concentrado, isolado ou em combinação, padronizados ou não em seu teor de gordura, proteína ou ambos. Para as sobremesas fermentadas os cultivos de microrganismos específicos ou leites fermentados, isolados ou em combinação também fazem parte deste grupo (2). Na Tabela 1 são descritas as classificações das sobremesas lácteas.
Destacam-se ainda dentro do segmento as versões funcionais do produto. Alimentos funcionais são definidos como “alimentos naturais ou processados que contêm compostos biologicamente ativos conhecidos, que quando dosados em quantidades qualitativamente e quantitativamente definidas, fornecem benefícios à saúde, clinicamente comprovados e documentados, sendo assim, uma importante fonte na prevenção, gestão e tratamento de doenças crônicas da era moderna” (9). É estimado que 60 a 70% do mercado de alimentos funcionais seja dominado pelos produtos probióticos. O sucesso desses produtos é significativo e pode ser observado pela grande variedade existente, dentre eles leites fermentados, sorvetes, vários tipos de queijo, alimentos para bebês, leite em pó, creme de leite e soro de leite coalhado. Pode-se observar o predomínio dos produtos de base láctea disponíveis contendo micro-organismos probióticos (10).
Os probióticos são microrganismos vivos que, quando administrados em quantidades adequadas, conferem um benefício à saúde do hospedeiro. Como características principais de um verdadeiro probiótico, deve estar vivo quando administrado, ter um benefício para a saúde e ser entregue em uma dose eficaz (11).
Os benefícios relacionados aos probióticos são: alívio dos sintomas de intolerância à lactose, atividades antimutagênicas e anticarcinogênicas, estímulo do sistema imunológico, melhora da saúde urogenital, alívio da constipação (12), redução do pH do intestino, produção de vitaminas e enzimas, produção de antimicrobianos, equilíbrio da microflora intestinal e reconstrução após diarreias, redução do colesterol sérico, modulação do sistema imunológico, atividade antioxidante atividade, redução das respostas de alérgenos alimentares, aumento da absorção de cálcio e antibioticoterapia (13).
Em relação a essas funcionalidades, as pessoas estão interessadas em consumir produtos que contenham probióticos. Dentre os produtos cujas alegações de saúde têm sido desenvolvidas e divulgadas na mídia nos últimos anos, destacam-se os produtos contendo probióticos (14).
Recentemente, o amido resistente (AR) ganhou atenção como ingrediente funcional devido aos seus potenciais benefícios à saúde (15), contudo, quando adicionado em sobremesas láctea com sabor de baunilha, observou-se que foram detectados off-flavors oriundos de sua adição que não puderam ser mascarados pela baunilha (16).
As sobremesas lácteas de chocolate são amplamente consumidas em todo o mundo, por consumidores de diferentes faixas etárias, despertando atenção devido as suas características sensoriais como cor, sabor e aroma. Diante disso, são promissores exemplos de matriz alimentar para culturas probióticas, já que possuem condições favoráveis ao desenvolvimento desses micro-organismos, uma vez que apresentam pH maior que 6,0, umidade superior a 70%, não são fermentados, portanto, não possuem culturas “starter” para competir com os micro-organismos probióticos (17).
O desenvolvimento das sobremesas lácteas com probióticos resultou em produtos com adequada qualidade higiênico-sanitárias e bons atributos sensoriais durante toda a estocagem (18).
Mediante ao exposto, nota-se que as sobremesas lácteas são produtos lácteos apreciados pelos consumidores sendo então uma opção atrativa por incorporar ingredientes que agreguem valor sensorial e funcional. , que interagem, resultando numa grande variedade de texturas e sabores que, por sua vez, influenciam as características físicas e sensoriais do produto, com efeitos diretos sobre a aceitação dos consumidores. Portanto, são opções viáveis e promissoras para o desenvolvimento de produtos inovadores (19).
CONCLUSÃO
Conclui-se que é notório o crescimento do mercado de sobremesas lácteas no Brasil, visto se tratar de um produto com diversos aspectos – nutricionais, sensoriais e funcionais – que se alinham às demandas do consumidor. Nota-se que a regulamentação deste derivado lácteo tem auxiliado as indústrias na fixação da identidade e das características mínimas de qualidade, permitindo a incorporação de ingredientes que diversificam sua oferta, como por exemplo, o uso de probiótico, prebióticos, edulcorantes, entre outros ingredientes, e ampliam sua aceitabilidade e valor funcional. Sendo assim, ressalta-se que, apesar dos desafios atuais da indústria laticinista, são inúmeras as oportunidades de destaque com o desenvolvimento de novos produtos dentro do segmento.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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8. BRASIL. MINISTÉRIO DA AGRICULTURA PECUÁRIA E ABASTECIMENTO. Instrução Normativa n° 72, de 24 de julho de 2020. Dispõe sobre a identidade e os requisitos de qualidade, que deve apresentar o produto denominado sobremesa láctea. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 de julho de 2020, edição 144, secção 1, p.8, 2020b.
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