INFLUÊNCIA DO COZIMENTO E TRATAMENTO EM MICROONDAS NAS PROPRIEDADES NUTRICIONAIS E FUNCIONAIS DA FARINHA DE GRÃO DE BICO
Capítulo de livro publicado no livro PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS: PESQUISAS E INOVAÇÕES PARA NOVOS PRODUTOS. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/202311-01
Este trabalho foi escrito por:
Virgínia Mirtes de Alcântara Silva , Newton Carlos Santos ,
Mailson Gregório Gonçalves , Michael Marcos de Aquino Gomes , Vitória Régia do Nascimento Lima ,Sara Morgana Félix de Sousa ,
Dauany de Sousa Oliveira
Autor correspondente: (Correspondingauthor) e-mail; [email protected]
Introdução
A farinha de grão-de-bico tem se destacado como um ingrediente altamente nutritivo e versátil, ganhando cada vez mais espaço na indústria alimentícia e na culinária doméstica (PHIRI et al., 2023). Sua composição é rica em proteínas, fibras alimentares, vitaminas do complexo B, minerais como ferro, zinco e magnésio, além de compostos bioativos, como flavonoides e fitoesteróis, que conferem diversos benefícios à saúde (SOFI et al., 2023). No entanto, para garantir que todas essas valiosas propriedades sejam preservadas e potencializadas, é fundamental que o processamento da farinha de grão-de-bico seja cuidadosamente planejado (NKURIKIYE et al., 2023).
Nesse contexto, técnicas de processamento como o cozimento tradicional e o tratamento em micro-ondas têm despertado interesse como alternativas viáveis para otimizar as características nutricionais e físicas desse ingrediente (SUN et al., 2023). O cozimento tradicional, por exemplo, é amplamente utilizado em preparações culinárias, mas é importante entender como ele pode afetar os nutrientes e compostos bioativos presentes na farinha de grão-de-bico (XU et al., 2023).
Por outro lado, o tratamento em micro-ondas tem se destacado como uma abordagem inovadora para o processamento de alimentos, oferecendo benefícios como maior eficiência energética e menor tempo de processamento (ZHENG et al., 2023).
As micro-ondas são raios não ionizantes que envolvem a interação do campo eletromagnético alternado com os constituintes químicos dos alimentos nas frequências de 915 ou 2450 MHz, resultando na geração instantânea de calor liderado pelo atrito molecular (MAHALAXMI et al., 2022).
Diante dessas considerações, o objetivo deste estudo é avaliar a influência do cozimento seguido da secagem em micro-ondas nas propriedades nutricionais e funcionais da farinha de grão-de-bico. Os resultados obtidos neste estudo podem fornecer informações valiosas para a indústria alimentícia e para os consumidores interessados em incorporar esse ingrediente em sua dieta diária.
Materiais e Métodos
Cozimento do grãos-de-bico
Para o processo de cozimento dos grãos de grão-de-bico, foi estabelecida uma proporção de peso de 1:3, ou seja, para cada parte de grãos, foram adicionadas três partes de água. Em seguida, os grãos foram colocados em uma panela inoxidável e cozidos em um fogão doméstico por um período de 20 minutos. A Figura 1 ilustra resumidamente esta etapa.
Secagem dos grãos em microondas
Após o processo de cozimento dos grãos, a etapa subsequente consistiu na secagem dos grãos em microondas. Os grãos previamente cozidos foram cuidadosamente distribuídos em um prato próprio para microondas e submetidos a três níveis de potência diferentes: 540W, 720W e 900W. A secagem foi realizada em intervalos de tempo específicos para cada potência, garantindo que o processo fosse eficiente e controlado. Após o processo de secagem, as amostras foram submetidas ao processo de moagem em moinho de discos, para obtenção da sua forma de pó.
A Figura 2 ilustra resumidamente esta etapa.
Caracterizações das farinhas
O teor de umidade das farinhas foi determinado seguindo o método da AOAC (2016). Resumidamente, 3 g de cada amostra foi seca em estufa de ar quente a 130 ⁰C por 4 h, resfriada em dessecador e pesada. A diferença de massa, foi expressa em percentual. Para o teor de cinzas, 1 g de cada amostra foi carregada separadamente em um cadinho e colocada em mufla a 550 ⁰C por 5 h até que o resíduo estivesse livre de carbono. O peso restante das cinzas é usado para calcular o teor de cinzas nas amostras (AOAC, 2016).
Na determinação do teor de proteínas, uma amostra de 2g de cada farinha foi transferida para um balão de digestão com 3g de mistura catalisadora (CuSo4:Na2SO4 em 1:5) e 20 mL de ácido sulfúrico concentrado. A mistura foi digerida até se obter o líquido transparente. Em seguida, o volume digerido foi completado para 20 mL com água destilada. Para realizar o branco, a mistura do catalisador foi misturada com ácido sulfúrico concentrado sem amostra. A alíquota do material digerido foi destilada com 40% de NaOH e 4% de ácido bórico e a amônia liberada foi coletada em um balão cônico de 20 mL e titulada com HCL 1% com 2-3 gotas de indicador (vermelho de metila). Um branco foi similarmente destilado e titulado. O teor de nitrogênio na amostra foi multiplicado por um fator de 6,25 para converter nitrogênio em proteína (KO et al., 2017).
A capacidade absorção de água (CAA) foram medidos usando o método descrito por Liu et al. (2021). Para isso, 2 g de cada farinha foram misturadas com 25 g de água deionizada em um tubo de ensaio de centrífuga pré-pesado, vigorosamente misturadas usando um agitador Vortex para fazer uma suspensão, mantidas por 2h em temperatura ambiente, seguidas de centrifugação a 1590 g por 15 min usando uma centrífuga.
A capacidade de absorção de óleo (CAO) foi determinada tomando 1 g de amostra em 10 mL de óleo de girassol em um tubo de centrífuga de 50 mL pré-pesado (NAVYASHREE et al., 2022). Foi agitado em vórtex por 2 minutos e depois centrifugado a 2000 g por 10 minutos. O tubo da centrífuga com o precipitado foi novamente pesado após o vazamento do excesso de óleo.
Análise estatística
As determinações foram realizadas em triplicata e os resultados foram relatados como média ± desvio padrão. ANOVA One-Way com intervalo de confiança de 95% (p < 0,05) foi conduzido para avaliar possíveis diferenças entre as diferentes potências do microondas durante a secagem usando o programa estatístico Statistic 8.0.
Resultados e Discussões
A Tabela 1 apresenta os resultados do teor de umidade, cinzas e proteínas das farinhas de grão-de-bico submetidas ao processo de secagem em micro-ondas em diferentes níveis de potência (540W, 720W e 900W). Os valores obtidos demonstram que o processo de secagem em micro-ondas influenciou significativamente as propriedades físicas das farinhas.
Os teores de umidade das farinhas de grão-de-bico obtidos neste estudo apresentaram valores inferiores a 6%, o que indica uma eficiente remoção de água durante o processo de secagem em micro-ondas. Notavelmente, à medida que a potência do micro-ondas foi aumentada de 540W para 900W, os valores de umidade foram reduzidos de 5,56% para 4,25%. Essa redução progressiva da umidade está diretamente relacionada com a maior eficiência energética proporcionada pelo aumento da potência das micro-ondas. A justificativa para esse comportamento está na capacidade das micro-ondas de aquecer rapidamente as moléculas de água presentes na farinha, promovendo a sua evaporação (ZHENG et al., 2023). Correia et al. (2020), obtiveram teor de umidade de 8,21% para farinha extrusada de sorgo do genótipo BRS 305.
Os teores de cinzas das farinhas de grão-de-bico apresentaram um aumento significativo à medida que o teor de umidade foi reduzido durante o processo de secagem em micro-ondas (p<0.05). Os valores obtidos variaram na faixa de 2,01% a 2,92% à medida que a potência das micro-ondas aumentou de 540W para 900W, respectivamente. Essa relação entre a diminuição do teor de umidade e o aumento dos teores de cinzas pode ser explicada pela concentração dos componentes sólidos presentes na farinha, como minerais e sais, que se tornam mais concentrados à medida que a água é removida (SANTOS et al., 2023). Fernandes et al. (2022) ao avaliarem a composição nutricional de farinha de grão-de-bico variedade BRS cristalino obtida por secagem natural, obtiverem teor de cinzas de 2,66%.
Os teores de proteínas das farinhas de grão-de-bico não apresentaram uma correlação significativa com a potência aplicada durante o processo de secagem em micro-ondas, conforme observado na Tabela 1. Os valores variaram significativamente entre 14,53% e 16,06%, sendo o maior valor obtido para a farinha submetida à secagem na condição de 720W de potência. Essa aparente falta de influência da potência nas concentrações de proteínas pode ser atribuída às características próprias do grão-de-bico e de sua farinha, que possuem uma composição nutricional relativamente estável e resistente a variações no processo de secagem (CHENG E LANGRISH, 2023). Além disso, a potência utilizada no processo de secagem em micro-ondas pode não ter sido suficientemente alta para causar uma alteração significativa nas proteínas presentes na farinha. Vale ressaltar que o grão-de-bico é naturalmente rico em proteínas, e sua farinha é uma fonte importante desse nutriente, sendo amplamente utilizada em produtos alimentícios para enriquecimento nutricional (KISHOR et al., 2017).
A Tabela 2 apresenta os resultados da capacidade de absorção de água (CAA) e capacidade de absorção de óleo (CAO) das farinhas de grão-de-bico submetidas ao processo de secagem em micro-ondas em diferentes potências (540W, 720W e 900W).
Observou-se que a CAA das farinhas aumentou significativamente com o aumento da potência de secagem, variando de 3,20% a 8,54%, respectivamente, para as potências de 540W e 900W. Esse aumento na CAA pode ser atribuído à diminuição do teor de umidade das farinhas durante o processo de secagem em micro-ondas, o que resulta em maior disponibilidade de sítios para a absorção de água (DAMNDJA et al., 2023). Valores superiores ao do presente estudo foi relatada por Qadir e Wani (2023) ao determinar a CAA em farinhas elaboradas com diferentes variedades de arroz, no qual, obtiveram valores na faixa de 18,30 a 22,62%.
Os resultados da capacidade de absorção de óleo (CAO), apresentados na Tabela 2, corroboraram com o comportamento observado para a capacidade de absorção de água (CAA). Verificou-se que os valores de CAO também aumentaram com o aumento da potência de secagem, variando de 1,36% a 3,02%. Esse aumento na CAO pode ser explicado pela redução do teor de umidade das farinhas durante o processo de secagem em micro-ondas, o que proporciona maior disponibilidade de sítios para a absorção de óleo. Além disso, a presença de componentes lipofílicos na farinha de grão-de-bico, como lipídeos e proteínas, também pode contribuir para a sua capacidade de absorção de óleo (Ma et al., 2022). Esses resultados indicam que o processo de secagem em micro-ondas pode influenciar de forma significativa as propriedades funcionais das farinhas de grão-de-bico, tornando-as potenciais ingredientes para formulações de alimentos que requerem capacidade de absorção de água e óleo.
Considerações finais
Em conclusão, o presente estudo investigou o efeito do processo de secagem em micro-ondas nas propriedades nutricionais e funcionais da farinha de grão-de-bico. Os resultados demonstraram que o aumento da potência de secagem resultou em uma redução significativa no teor de umidade das farinhas, enquanto os teores de cinzas e proteínas aumentaram com a diminuição do teor de umidade. Além disso, tanto a capacidade de absorção de água (CAA) quanto a capacidade de absorção de óleo (CAO) foram influenciadas positivamente pelo processo de secagem em micro-ondas, com valores aumentando à medida que a potência de secagem aumentou. Esses achados sugerem que o processo de secagem em micro-ondas pode ser uma técnica eficiente para produção de farinhas de grão-de-bico com propriedades funcionais desejáveis para aplicação na indústria alimentícia.
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