DETERMINAÇÃO DA VIDA COMERCIAL DE BEBIDAS ALCOÓLICAS MISTAS DE DOCE DE LEITE SUBMETIDAS A TESTES ACELERADOS
Capítulo de livro publicado no livro PROCESSAMENTO DE ALIMENTOS: PESQUISAS E INOVAÇÕES PARA NOVOS PRODUTOS. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/202311-07
Este trabalho foi escrito por:
Alexandre Santos de Souza*, Fábio Pereira de Souza,Emília Kelly Barbosa Brito, Lara Bruna Brito Castro de Souza
Autor correspondente: (Correspondingauthor) e-mail; [email protected]
A Bebida Alcoólica Mista (BAM) é a bebida obtida por mistura, com graduação alcoólica variável entre 0,5 a 54 % , em v/v, a 20 °C, elaborada com álcool etílico potável de origem agrícola e destilado alcoólico simples de origem agrícola, bebida alcoólica ou a mistura de dois ou mais álcoois antes mencionados, acrescidos de bebida não alcoólica, suco de fruta, fruta macerada, xarope de fruta, leite, ovo, substância de origem vegetal, substância de origem animal ou a mistura de um ou mais produtos citados anteriormente (BRASIL,2019)
No setor de bebidas alcoólicas, existe um fator muito importante que é a presença de uma grande variedade de fornecedores locais e internacionais além de grandes marcas que possuem atuação global. Esse fator torna o mercado de bebidas alcoólicas muito competitivas e com elevada concorrência. Nesse contexto, os principais fatores para a atuação nesse setor são o preço e diferenciação de produtos. Com isso, ocorre um aumento do desenvolvimento de novos sabores e, consequentemente, incentivando empresas a lançarem novos produtos frequentemente (VIANA, 2019)
Devido aos alimentos serem uma mistura complexa de diferentes substâncias, alguma alteração que seja promovida no alimento pode afetar diretamente na validade do produto (BRASIL,2019). Assim, para garantir a qualidade de produtos alimentícios, é essencial conduzir várias avaliações que incluem análises físico-químicas, sensoriais e microbiológicas, as quais podem influenciar diferentes estágios da trajetória do produto.
Tendo em vista que, durante o período de armazenamento, os produtos podem sofrer mudanças, como deterioração microbiológica, oxidação de lipídios e perda de nutrientes,
levando à rejeição do produto pelo consumidor. Também são possíveis alterações químicas, como variações no sabor, cor e textura, causadas por processos como oxidação de gorduras, degradação de pigmentos e reações enzimáticas.
Os fatores que afetam a vida-de-prateleira são conhecidos como intrínsecos (pH, acidez, atividade de água, conservantes) e extrínsecos (umidade, iluminação, temperatura, embalagem). Sendo necessário realizar um planejamento do estudo de vida-de-prateleira devendo-se saber quais testes vão ser usados, quanto tempo de duração terá o projeto e com que regularidade as amostras serão analisadas; quantas amostras serão fundamentais para cada teste e quantas amostras serão fundamentais ao todo no projeto (DE ALMEIDA, 2022).
Por meio de técnicas adequadas é possível acelerar as taxas de transformação ocorridas no alimento e promover o desenvolvimento de modelos matemáticos, a fim de obter uma previsão da vida de prateleira, que por sua vez deve relacionar os dados obtidos àqueles encontrados em condições normais de armazenamento.
Em Testes Acelerados de Vida de Prateleira (TAVP) podem ser observadas alterações tanto na velocidade das reações como também nos mecanismos de deterioração do produto pela elevação da temperatura de armazenamento durante o período de estudo (FONSECA, 2023). Portanto, é crucial entender por quanto tempo um alimento mantém suas características sensoriais, já que fatores internos e externos podem encurtar significativamente sua vida útil.
Dessa forma, o presente estudo buscou analisar a estabilidade das bebidas alcoólicas mistas (BAMs) ao longo de 150 dias de armazenamento em condições de cinética de degradação acelerada, através da avaliação de parâmetros físico-químicos e análise da cinética de degradação acelerada.
Material e Métodos
Foram fabricadas 18 amostras de coquetel de doce de leite, compostas por água desmineralizada, destilado alcoólico de cana de açúcar, doce de leite desnatado, açúcar, antioxidante e estabilizante. Essas amostras foram sujeitas a diferentes temperaturas e períodos de armazenamento. Os coquetéis foram envasados em garrafas de 750 mL, seladas e armazenadas em condições controladas de laboratório a 30 ºC e 40 ºC. A cada 30 dias, três amostras foram retiradas para análises ao longo de um período total de 150 dias.
Inicialmente, as amostras foram analisadas de acordo com as diretrizes do Ministério da Agricultura para garantir conformidade com os padrões de qualidade e identidade.1 Foram realizadas análises obrigatórias, incluindo graduação alcoólica real, acidez total, pH, sólidos solúveis totais (ºBrix) e açúcares totais. Ao longo dos 150 dias, as amostras armazenadas a 30 ºC e 40 ºC foram sujeitas às mesmas análises para avaliar a estabilidade ao longo do tempo.
Além disso, foi conduzida uma análise sensorial utilizando um painel de provadores treinados do IFNMG Campus Salinas- MG e provadores não treinados. Por meio dos testes de comparação múltipla e escala hedônica verificou-se se existia diferença significativa entre a amostra padrão, considerando diferentes temperaturas e tempos de armazenamento. As análises foram descritas a seguir:
- Análises físico-químicas
O método utilizado para determinar a concentração de álcool nas amostras se baseou no princípio refratométrico, com adaptação do procedimento descrito em AOAC. 6 O índice de refração foi empregado como uma medida estimativa para quantificar o teor de etanol nas soluções.
A metodologia envolveu inicialmente a destilação das amostras utilizando um destilador enológico digital modelo SUPER DEE. A análise subsequente do teor alcoólico foi realizada por meio do método mencionado, utilizando um refratômetro de álcool e-LABShop, modelo RHW-80, com capacidade para medir de 0 a 80 % v/v. As amostras foram avaliadas diretamente, adicionando duas gotas no prisma e imediatamente fechando-o para evitar perda de componentes.
Para a análise de acidez total foram transferidos 25 mL da amostra para um erlenmeyer contendo 200 mL de água destilada adicionando duas ou três gotas de fenolftaleína. Em seguida a amostra foi titulada com solução de hidróxido de sódio 0,1 M até o ponto de viragem, acusado pela coloração rosa. O resultado da acidez total foi expresso em gramas de ácido acético por 100 mL da amostra (g/100 mL).
O pH foi obtido por meio de um potenciômetro conforme BRASIL (2005b)7, com a temperatura da amostra variando entre 20 e 25°C. A determinação dos teores dos sólidos solúveis totais foi realizada por meio de leitura refratométrica dos graus °Brix da amostra a 20 ºC conforme (BRASIL, 2005b), utilizando-se para tanto um refratômetro tipo Abbe com escala de grau ºBrix com divisões de no mínimo 0,2. Para a determinação dos teores de açúcares totais foi utilizado o método titulométrico (método Eynon Lane), conforme a metodologia contida em em Instuto Adolf Lutz. (INSTITUTO ADOLFO LUTZ,2008)
- Avaliação de vida de prateleira
As equações que expressam a velocidade das reações de degradação são, de maneira simplificada, do tipo:
De acordo com a ordem de ocorrência, têm-se reações de ordem zero, de primeira ordem, de segunda ordem e de terceira ordem. Uma lei cinética de ordem zero indica
que a velocidade é uma constante, independente das concentrações dos reagentes. 9 Sendo a diminuição de [A] uma função linear do tempo, a concentração de A, para um determinado momento, é dada pela Equação 2 .
onde “k” é igual ao coeficiente angular (inclinação) e a concentração inicial [A]0 é o coeficiente linear (interseção). Quando a lei cinética é de primeira ordem, a velocidade depende da concentração do reagente, de forma que a representação gráfica do logaritmo da onde o coeficiente linear é igual à expressão logarítmica da concentração no tempo zero (ln [A]0) e o coeficiente angular à constante de velocidade de reação k. 9
- Tratamento estatístico
As análises físico-químicas foram realizadas em triplicata. Os resultados obtidos foram submetidos ao programa estatístico Restúdio e aplicados os testes de normalidade de Shapiro Wilk, e teste de Tukey, e os dados não paramétricos, ao teste kruskal Wallis, ambos ao nível de 5 % de significância. Foi realizada a regressão para obter o modelo matemático que melhor explica as relações através da (equação de regressão), no ajuste dos e seleção dos dados foram utilizados os critérios de R² com índice de resposta acima de 80 %, apresentação paramétrica dos resíduos, menores resultados das métricas de Akaike (AIC) e menores Root Mean Squared Error (RMSE).
Os resultados obtidos das análises físico-químicas realizadas foram expressos na Tabela 1, em que apresentam à média, desvio padrão e a comparação de médias das amostras das BAMs de doce de leite armazenadas por um período de total de 150 dias a temperatura de 30 °C e 40 °C, respectivamente. Para o acompanhamento do efeito da temperatura em função do tempo de armazenamento das amostras, os resultados dos parâmetros físico-químicos foram submetidos a uma regressão linear em função do tempo, com o objetivo de encontrar o modelo matemático que melhor explica essa relação por meio da equação de regressão.
Tabela 1 no livro
Os valores médios dos parâmetros analisados na Tabela 1 divergiram dos valores encontrados por Brasil (2019)10 durante a realização de um projeto sobre teste acelerado de “vida de prateleira” em BAM de leite condensado. As discrepâncias observadas podem ser atribuídas às formulações que, podem variar consideravelmente (BRASIL, 2019).
Inicialmente foram testados cinco (5) modelos matemáticos de regressão, coeficiente de determinação, teste de normalidade de Shapiro Wilk, foi testado os critérios de informação de AKAIKE e também foi testado o RMSE, para tal, foram selecionados os parâmetros físico-químicos que se apresentaram com R² com índice acima de 80 % de resposta, que atendessem aos critérios de normalidade e menores AIC e RMSE.
Com base nessas observações e nos resultados da regressão, alguns parâmetros das amostras armazenadas a 30°C e 40°C não se encaixaram em nenhum modelo matemático satisfatório. Esses dados foram excluídos devido ao coeficiente de determinação inferior a 80%, uma distribuição não paramétrica e valores elevados de AIC e RMSE. O gráfico construído a partir do modelo de regressão selecionado, e que demonstrou os efeitos da temperatura (30°C), em relação ao tempo de armazenamento das amostras (0, 30, 60, 90, 120 e 150 dias), análise que em cada período de tempo considerado, baseou-se nos parâmetros físico químicos determinados. Na Figura 1 estão apresentados os resultados obtidos para o modelo de degradação do pH da amostra de “doce de leite” armazenada a 30°C por 150 dias.
O coeficiente de determinação (C) obteve um valor excelente (> 80%) em relação à temperatura de 30°C, indicando uma resposta sólida nessa condição. Um modelo de regressão linear de ordem zero foi gerado sob essas circunstâncias. O pH influencia diretamente na multiplicação de microrganismos e na qualidade sensorial dos alimentos, mas no estudo em questão, as mudanças no pH foram mínimas, demonstrando a estabilidade das amostras (PINTO, 2015).
Variações no pH da bebida de “doce de leite” armazenada a 30 °C foram observadas, mas foram estatisticamente significativas (p < 0,05) de acordo com o teste de Tukey / Kruskal Willis, como indicado na Tabela 1. Baseado nas alterações desses parâmetros, foram obtidos os valores das constantes de degradação da graduação alcoólica e de acidez, para então, ser realizados os cálculos dos parâmetros cinéticos de energia de ativação (Ea) e o fator de aceleração da temperatura (Q10), sendo estes fatores importantes para prever a vida útil do produto. O efeito térmico sobre a velocidade das reações pode ser quantificado através da determinação do fator de aceleração da temperatura ou Q10.
Este fator de aceleração da temperatura (Q10) é obtido através do quociente entre as constantes de velocidade das reações a uma determinada temperatura e outra reação a uma temperatura 10°C mais baixa ou a 10 °C mais alta. Chegando à equação:
𝟎,𝟒𝟔.𝐓 |
Através do valor de Q10, pode-se estimar a vida-de-prateleira de um produto para outras temperaturas de armazenamento, desde que estas temperaturas estejam dentro da faixa de térmica que foi utilizada para obter o Q10. Avaliando o resultado obtido no gráfico do efeito da temperatura sobre a constante de velocidade de degradação do pH, pode-se obter o valor de Ea, através do coeficiente angular da reta resultante, obtendo a relação:
Em que: Ea = Energia de ativação, R (constante dos gases ideais) = 1,987 cal.mol-1 .K-1 Logo, obteve-se o valor de Ea= 88,56 kcal/mol-1, já para a obtenção de Q10 para as temperaturas de 30°C e 40°C, obteve-se 1,0048 e 1,0045 respectivamente. ao analisar os resultados obtidos durante o experimento, foi possível notar um aumento considerável no pH do produto e que embora não exista um limite máximo definido na legislação, este é um parâmetro que pode afetar sensorialmente o produto e, portanto, é de extrema importância avaliá-lo para estimar vida-de-prateleira.
Foi adotada uma estimativa de limite máximo de 5,9, o que ao extrapolar a linha de tendência da Figura 1, foi obtido uma vida-de-prateleira de 24 meses para 30°C. Brasil (2019) ao avaliar a vida de prateleira de bebidas alcoólicas mista de leite condensado durante 35 dias, considerando o critério de teor alcoólico, obteve prazo de 142 dias para temperaturas de 35 e 45°C. Em razão da falta de trabalhos com essa especificação de bebida mista torna-se difícil a comparação com outros trabalhos, sabe-se, porém que, os prazos máximos de validade aceitáv eis para qualidade e segurança podem não coincidir com uma mesma estimativa; portanto, o período mais curto determinará a durabilidade do produto em questão.
Conclusões
Com base nos resultados apresentados foi percebido que a maioria dos parâmetros analisados a temperatura de 30 °C tendem a uma modelo linear de ordem zero, quando acrescida uma temperatura de 10 ºC ao armazenamento os resultados passam a ser de primeira ou segunda ordem, mostrando que a temperatura atua na velocidade de degradação das amostras. Conclui- se também que a utilização de um Teste Acelerado de Vida-de-Prateleira (TAVP), é uma técnica factível para obtenção da vida útil de um produto de forma mais rápida que a tradicional, permitindo estimar em 24 meses a vida de prateleira para as bebidas alcoólicas mistas a 30°C.
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