AVALIAÇÃO DA ATIVIDADE ANTIBACTERIANA DO ÓLEO DO RIZOMA DE ZINGIBER OFFICINALE COMO COMO CONSERVANTE NATURAL EM LINGUIÇA FRESCAL
Capítulo de livro publicado no livro da III Semana Nacional da Microbiologia de Alimentos na Indústria. Para acessa-lo clique aqui.
DOI: https://doi.org/10.53934/IIISEMICRO-08
Este trabalho foi escrito por:
Lady Daiani Xavier da Silva *; Ellen Godinho Pinto ;Wiaslan Figueredo Martins
*Autor correspondente (Corresponding author) – Email: [email protected]
Resumo: As contaminações microbiológicas constituem um grande problema para a indústria alimentícia, pois provocam perdas do produto, além de transmitir doenças de origem alimentar. Frente a esse cenário a indústria do ramo alimentício emprega vários processos tecnológicos como esterilização, irradiação, secagem, adição de aditivos entre outros, com o intuito de controlar esse tipo de contaminação. Em contrapartida, atualmente vem se tornando comum que os indivíduos prefiram consumir alimentos com conservação natural, ou seja, alimentos submetidos a tratamentos menos agressivos, sem o uso de aditivos sintéticos. Diante dessa realidade, óleos essenciais extraídos de plantas condimentares tem se mostrado bastante promissor, tendo em vista que se apresentam como fonte natural de substâncias antimicrobiana. Diante desse contexto, objetivou-se, com o desenvolvimento desse trabalho, avaliar a ação antimicrobiana do óleo essencial de zingiber officinale roscoe em amostras de linguiça frescal inoculada com as bactérias patogênicas escherichia coli, staphyloccocus aureus e salmonella typhimurium) por 24, 48 e 72 horas de contato (óleo x bactéria) utilizando uma concentração de 20 µL do óleo essencial. Sendo que o mesmo se mostrou como uma fonte promissora eficiente de agente antimicrobiano natural a ser utilizado em produtos cárneos na concentração avaliada para as bactérias patogênicas com exceção da salmonella.
Palavras-chaves: Óleo essencial, linguiça frescal, bactérias patogênicas
Abstract: Microbiological contaminations are a major problem for the food industry because they cause product losses, in addition to transmitting foodborne diseases. Faced with this scenario, the food industry employs various technological processes such as sterilization, irradiation, drying, addition of additives, among others, in order to control this type of contamination. On the other hand, nowadays it is becoming common for people to prefer to consume naturally preserved food, that is, food that has undergone less aggressive treatments, without the use of synthetic additives. Given this reality, essential oils extracted from condiment plants have shown great promise, considering that they are a natural source of antimicrobial substances. In this context, the aim of this study was to evaluate the antimicrobial action of the essential oil of Zingiber officinale roscoe in samples of fresh sausage artificially inoculated with the pathogenic bacteria escherichia coli, staphyloccocus aureus and salmonella typhimurium) for 24, 48 and 72 hours of contact (oil x bacteria) using a concentration of 20 µL of essential oil. It was shown as a promising source of efficient natural antimicrobial agent to be used in meat products in the concentration evaluated for pathogenic bacteria.
Key-words: essential oil, fresh sausage, pathogenic bacteria
INTRODUÇÃO
O número de surtos de doenças transmitidas por alimentos cresce a cada ano e verifica-se que os alimentos mais frequentemente associados aos surtos são de origem animal. As enfermidades transmitidas por alimentos são causadas pelo consumo de produtos contaminados por patógenos toxigênicos. Essas enfermidades são consideradas como um dos problemas de saúde pública mais difundido no mundo contemporâneo e afetam até 30% da população do mundo industrializado (1).
A demanda do mercado consumidor está cada vez mais voltada para alimentos considerados “naturais”, livres de conservantes sintéticos. Com o objetivo de reduzir os riscos tanto para a saúde quanto para a econômica, a busca por novos compostos com atividades biológicas, como os óleos essenciais, surge como uma alternativa promissora, como evidenciado em várias publicações cientificas. No entanto, é importante conhecer a composição e determinadas propriedades físico-químicas desses óleos para possibilitar uma aplicação mais adequada (2). As bactérias são um grupo significativo de micro-organismos qie podem causar doenças quando presentes em alimentos e água. Entre eles, destaca-se staphylococcus aureus, conhecido por sua capacidade de provocar uma variedade de sintomas clínicos. Estima-se que cerca de 25% da população humana seja portadora permanente desse micro-organismo. Uma vez estabelecido em seu hospedeiro, o S. aureus pode afetar diversos sistemas do corpo, incluindo pele, pulmões, coração, sistema nervoso central, ossos e articulações, corrente sanguínea e trato gastrointestinal.
A resistência cada vez maior de micro-organismos aos produtos químicos e drogas convencionais levou os cientistas a pesquisarem novas fontes de antimicrobianos com atividades de amplo espectro. Os óleos essenciais contêm uma vasta série de metabólitos secundários que podem inibir ou retardar o crescimento de bactérias, leveduras e bolores, cujos componentes têm uma variedade de alvos de ação, particularmente sobre a membrana e o citoplasma microbiano, e em certas situações alteram completamente a morfologia das células podendo ser uma alternativa ao uso de pesticidas sintéticos e como conservantes de alimentos (3).
Os óleos essenciais são misturas complexas de substâncias voláteis geralmente odoríferas e líquidas, apresentando odor agradável e marcante. São encontrados nos órgãos das plantas, nos aparelhos secretores (4). “De uma maneira geral constituem uma mistura muito complexa de hidrocarbonetos, álcoois e aromáticos, encontrados em todo tecido vivo de plantas, no geral concentrados na casca, nas flores, nas folhas, nos rizomas e nas sementes” (5).
Zingiberaceaeé a maior família da ordem zingiberales com 53 gêneros e mais de 1200 espécies e possui um alto nível de compostos de interesse medicinal. Uma das características marcantes da família zingiberaceae é a ocorrência de caule do tipo rizoma, isto é, tipo de caule subterrâneo que se desenvolve horizontalmente no solo, com propriedades aromáticas, sendo amplamente utilizado em muitos países Asiáticos. Esta família tem recebido muita atenção, uma vez que diversas espécies produzem muitos compostos bioativos que são úteis em alimentos tais como ervas e especiarias; aromatizantes e temperos; e nas indústrias farmacêuticas e de cosméticos (6).
Muitos estudos têm demonstrado que os compostos bioativos dos gengibres podem ser um excelente antimicrobiano contra diversos patógenos, especialmente para bactérias Gram-negativas e Gram-positivas (7; 6; 8). Por isso, este trabalho objetivou-se a avaliar a ação antibacteriana natural do óleo do rizoma do zofficinale roscoe na linguiça frescal frente às bactérias patogênicas escherichia coli, s. aureus e salmonella typhimurium.
MATERIAL E MÉTODOS
A extração do óleo essencial de zingiber officinale R. (gengibre) foi realizada na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), sendo preparado de acordo com a metodologia de arraste direto pelo vapor d’água, utilizando um equipamento tipo Clevenger, em balão de vidro com 2 litros de capacidade, sendo adicionados 1 litro de água destilada e 200 g de rizoma de gengibre adquirido no comércio local. Após extração, o óleo foi colocado em recipiente de vidro âmbar e acondicionado na geladeira até seu uso nas análises.
Foram investigadas bactérias patogênicas das espécies e. coli, s. aureus e salmonella typhimurium. As cepas dessas bactérias foram disponibilizadas pelo laboratório da Universidade Católica Dom Bosco-UCDB-MS previamente inoculadas e mantidas em caldo Mueller-Hinton até uso nas análises.
Para a análise da ação antibacteriana do óleo essencial de gengibre, foi utilizado o teste de difusão em disco aceito pelo FDA (Food and Drug Administration) e estabelecido como padrão pelo NCCLS (National Committe for Clinical Laboratory Standards) (9). Em placas de Petri contendo o meio de cultura ágar Mueller-Hinton, foi inoculado 100 µL da suspenção de cada bactéria, padronizadas na escala 0,5 de Mc Farland (a escala 0,5 de Mc Farland corresponde a aproximadamente 15 milhões de células de bactérias por mL).
Logo em seguida foram depositados discos de papel de filtro com 6 mm de diâmetro embebidos com 20 µL do óleo essencial de gengibre. Após as placas serem semeadas foram incubadas a 37 °C por 48 horas com observação depois de decorrido esse período para verificar a formação de um halo de inibição. O tamanho do halo de inibição serviu como referência para indicar a menor ou maior suscetibilidade das bactérias frente ao óleo essencial de gengibre.
Para avaliar a ação antibacteriana do óleo no alimento foram preparados lotes de linguiças frescal a partir de uma receita básica de linguiça (10), sendo o preparo e a manipulação realizada assepticamente no laboratório de Tecnologia de Alimentos na Universidade Estadual de Mato Grosso (UNEMAT), com uma concentração de óleo fixa (20 µL). Foram produzidos dois Lotes: um com o (óleo versus bactéria) e um apenas com a presença de óleo, utilizado como referência. As amostras foram separadas em pequenas porções e embaladas em sacos plásticos separadamente. Posteriormente foram armazenadas sob refrigeração a 7 °C.
Na fabricação das linguiças a matéria-prima utilizada foi carne bovina e carne suína adquirida no comércio local da cidade de Barra do Bugres-MT. A matéria-prima foi submetida à moagem, a massa cárnea resultante foi adicionada dos seguintes condimentos para obtenção de 700 g de carne: sal refinado, tempero baiano, sendo em seguida homogeneizada manualmente. Logo após foi feita a divisão da massa ainda não embutida, em dois lotes: lote 1 contendo (óleo versus bactéria) e lote 2 contendo apenas o óleo (controle).
Depois de realizada essa etapa a massa cárnea foi deixada em repouso por 10 minutos sob refrigeração. Concluído este período foi dado início ao embutimento da massa cárnea, em gomos de 25 g, em tripas suínas higienizadas com ácido acético. As linguiças foram acondicionadas em sacos plásticos e encaminhadas para refrigeração até seu uso nas análises.
A Figura 1 mostra o fluxograma geral de elaboração da linguiça frescal respectivamente nas etapas que se seguiram. As análises foram realizadas no período de 0, 24 48 e 72 horas, sendo o experimento executado em três repetições totalizando o número de 30 amostras de linguiça frescal fabricadas e analisadas.
Para avaliação da ação antimicrobiana do óleo essencial na linguiça frescal frente às bactérias E. coli e S. aureus foram realizadas análises através do método de plaqueamento em superfície de acordo com a metodologia descrita no Compendium of methods for the Microbiological Examination of Foods, editado pela American Association (11).
Os resultados foram submetidos à análise de variância (ANOVA) e as médias comparadas pelo teste de Tukey a 5% de significância, utilizando o Programa de Estatística Sisvar versão 5.3.
RESULTADO E DISCUSSÃO
Para as bactérias testadas (e. coli, s. aureus e salmonella typhimurium), somente para e. coli e s. aureus foram realizados ensaios para o teste da ação antimicrobiana do óleo na linguiça frescal. Na 1ª etapa de avaliação antibacteriana do óleo essencial frente às bactérias testadas, o óleo não apresentou ação antibacteriana sobre a bactéria salmonella typhimurium na concentração utilizada (20 µL), evidenciando dessa forma uma maior resistência dessa bactéria sobre a quantidade de óleo essencial empregado, o que justifica ineficácia do óleo frente a essa bactéria.
Na Tabela 1 se encontram os resultados obtidos no presente trabalho indicando que o óleo essencial de gengibre apresentou ação antibacteriana frente à bactéria e. coli, tendo em vista que foi observada uma tendência na diminuição da população de e. coli entre o período de 24 e 48 horas, sendo possível dessa forma observar uma diferença estatística significativa entre os dois tempos.
A partir dos dados apresentados, também foi possível comparar os resultados obtidos para as duas bactérias em avaliação (e. coli e s. aureus), observando melhor eficácia do óleo essencial frente à bactéria escherichia coli, tendo em vista que a população de s. aureus se manteve inalterada não apresentando diferença estatística significativa entre as variáveis temporais estudadas.
Pesquisa semelhante foi realizada por Busatta et al. (5), em seus estudos sobre a atividade antimicrobiana do óleo essencial de origanum majorana (orégano) frente a e. coli em linguiça toscana obtiveram resultados que mostraram que a adição do óleo essencial de manjerona exerceu efeito bacteriostático nas concentrações abaixo da concentração mínima inibitória (CMI) (0,069-2,3 mg/mL) e efeitos bactericidas, quando aplicadas em concentrações elevadas.
A atividade antimicrobiana de óleos essenciais de orégano, tomilho, manjericão, manjerona, capim cidreira, gengibre e cravo, também foi investigada contra linhagens Gram-positivas (staphyloccocus aureus) e Gram-negativas (escherichia coli e salmonella enteritidis) por (12). Os valores CMI 90% foram testados contra bactérias inoculadas experimentalmente em carne moída irradiada e contra microbiota natural (mesófilas e bactérias psicrotróficas) encontrada no alimento. E concluiu que nos ensaios de variação temporal realizado frente à bactéria salmonella enteritidis, o óleo essencial de orégano foi capaz de reduzir as contagens a não detectável em três dos quatros modelos de variação temporais estudados.
Neisrin et al. (13) também relataram que o óleo essencial de gengibre apresentou ação frente a patógenos alimentares, onde o mesmo demonstrou ações inibitórias contra a s. aureus, nas concentrações de 100 µL e 25 µL, entretanto essas concentrações foram superiores às concentrações inibitórias obtidas no presente estudo, contra o mesmo patógeno.
Os óleos essenciais de canela, tomilho e orégano também foram estudados em relação a sua atividade antimicrobiana frente a diferentes linhagens de salmonella. Obteve-se valores favoráveis para os óleos essenciais de tomilho e orégano, destacando sua eficácia para a bactéria em estudo (14).
CONCLUSÃO
Os efeitos do óleo essencial de zingiber officinale na ação antibacteriana em linguiça frescal variaram entre as bactérias testadas. No entanto, um decréscimo significativo na população de escherichia coli foi observado, indicando resultados promissores como agente antimicrobiano contra essa bactéria em produto cárneo.
REFERENCIAS
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