USO DE LIPASES NA INDÚSTRIA DE ALIMENTOS: REVISÃO
Giovanna Totti Bullo1,2; Francisco Lucas Chaves Almeida2;
Marcus Bruno Soares Forte2
¹Faculdade de Engenharia Química, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil, [email protected], ²Laboratório de Engenharia Metabólica e Bioprocessos, Departamento de Engenharia e Tecnologia de Alimentos, Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo, Brasil; [email protected], [email protected]
Resumo: Lipases são um dos tipos de enzimas com maior aplicabilidade na indústria, possibilitando a ocorrência de diversos processos de maneira mais sustentável e economicamente viável. Nesse sentido, utilizando lipases, é possível obter constituintes de aromas e sabores e lipídios estruturados (LE) que atuam como substitutos da gordura do leite humano. Assim, a presente revisão visa fazer uma síntese no tocante à aplicação de lipases para produção de ésteres de aroma e sabor e substitutos da gordura do leite humano. Como fonte de busca, foram utilizadas a base de dados do Web of Science© e o Google Acadêmico. A partir dos resultados, reitera-se a importância das lipases na atualidade, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento de novas tecnologias para a própria sociedade. Conclui-se ainda que é viável a utilização de lipases nos processos de obtenção de ésteres de aroma e sabor e lipídios estruturados.
Palavras–chave: enzimas, ésteres, lipídios estruturados.
INTRODUÇÃO
Enzimas são catalisadores biológicos responsáveis por facilitar a conversão do substrato em produtos, uma vez que diminuem a energia de ativação necessária para que a reação química aconteça. Em geral, são proteínas, apenas com exceçãode um pequeno grupo de ácidos ribonucleicos que desempenham também essa função catalítica (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010; NELSON; COX, 2018).
Em relação à sua classificação, há seis famílias principais de enzimas, sendo: hidrolases, ligases, oxidoredutases, transferases, liases e isomerases (DAMODARAN; PARKIN; FENNEMA, 2010; NELSON; COX, 2018). Ressalta-se que, apesar de haver inúmeros tipos deste catalisador, sua utilização mais recorrente é na síntese de compostos orgânicos enantiopuros. Dessa forma, diz-se que enzimas apresentam alta enantiosseletividade (KIRK; BORCHERT; FUGLSANG, 2002). Dentre essas enzimas, as lipases (triacilglicerol acil hidrolases, EC 3.1.1.3), pertencentes ao grupo das hidrolases, vêm ganhando destaque.
No que tange à aplicação, assim como as demais enzimas, lipases são vastamente empregadas no âmbito industrial, seguindo uma tendência ambientalmente amigável de substituição de catalisadores químicos. Ademais, são principalmente utilizadas na produção de papeis, alimentos, oleoquímicos e aplicações farmacêuticas, cosméticas e biotecnológicas (BILAL et al., 2021).
Entretanto, confere-se devido destaque ao desempenho de lipases na indústria de alimentos, uma vez que essas enzimas apresentam significativo potencial na síntese de ésteres de cadeia curta, utilizados posteriormente como compostos de fragrâncias e sabor. Nesse contexto, as lipases são empregadas como biocatalisadores e aditivos, podendo, neste último caso, conferir sabor forte a partir na hidrólise da gordura do leite, sendo na indústria de laticínios sua maior influência (FERREIRA-DIAS et al., 2013). Assim, evidencia-se que esse grupo de enzimas apresenta grande potencial de crescimento no segmento alimentício devido a suas características e experimentações já realizadas.
Nesta perspectiva, a presente revisão visa fazer uma síntese sobre a aplicação de lipases na produção de ésteres de aroma e sabor e substitutos da gordura do leite humano.
ÉSTERES DE AROMA E SABOR
Em geral, ésteres são formados por condensação enzimática de ácidos orgânicos e álcoois (PIRES et al., 2014). A síntese dessa substância orgânica pode ocorrer através de lipases, o que é observado, por exemplo, nas reações de transesterificação em que o produto final é biodiesel, ou compostos de baixo peso molecular e odores agradáveis, sendo esses amplamente utilizados na indústria de alimentos.
Além da indústria de alimentos, verifica-se que, no que diz respeito a sabores, ésteres são também muito requisitados nos setores de farmácia e cosméticos. Por meio da constituição de sua estrutura molecular, que conta com um anel aromático, é possível distinguir os chamados ésteres de sabor, obtidos a partir de fontes naturais, como plantas (SÁ et al., 2017). Com o uso de enzimas, é possível atingir um maior rendimento e produtos ainda mais puros, o que vai a encontro da necessidade do mercado em se obter produtos de qualidade e potencialmente rentáveis (LABORET; PERRAUD, 1999).
Utilizando a Candida antarctica lipase B (CALB), imobilizada em nano partículas magnéticas, é possível se obter os constituintes dos sabores de banana (butirato de etila) e abacaxi (butirato de metila), preservando 80% da atividade catalítica durante 10 reusos e conversão de substrato (SOUZA et al., 2017).
Utilizando também lipases da espécie C. antarctica, pode-se sintetizar os aromas floral e rosa frutado oriundos do acetato de geranil, por meio de uma transesterificação direta de geraniol com acetato de etil. Vale ressaltar que o acetato de geranil é essencial também para a indústria de cosméticos, caracterizando o processo em questão como ecologicamente viável e isento de demais solventes (BHAVSAR; YADAV, 2019).
SUBSTITUTOS PARA GORDURAS DO LEITE HUMANO
Sabe-se que o consumo de leite materno apresenta diversos benefícios no desenvolvimento de bebês em virtude de suas características, principalmente no que diz respeito a crianças prematuras. Neste caso, estudos evidenciam que seu uso acarreta maior sensação de saciedade, redução de infecções no trato urinário e maior absorção de nutrientes por parte dos bebês (LEE et al., 2012). Ademais, a gordura presente neste leite representa 50% da energia total fornecida a eles (INNIS, 2014).
No entanto, há casos em que, por questões de disfunções biológicas, faz-se necessário recorrer a substitutos, sendo o uso de leite materno de doadores uma prática recorrente. Dessa maneira, institui-se um banco de leite, sujeito a processos para sua devida estocagem e conservação, como pasteurização (GAO et al., 2019).
Acrescenta-se também que, o leite materno apresenta naturalmente lipases que convertem triglicerídeos em ácidos graxos livres, e com isso podem auxiliar na absorção desses nutrientes (GAO et al., 2019). Cita-se o uso de lipídios estruturados (LE) como potencial substituto para a gordura do leite materno, haja vista suas propriedades nutracêuticas, promovendo assim benefícios para o tratamento de doenças. Essas moléculas surgem a partir de triacilgliceróis (TAGs) modificados pela incorporação de ácidos graxos novos (ZAM, 2015). Nesse sentido, estudos relacionados a reações de transesterificação com uso da lipase Candida rugosa como biocatalisador mostram que, a partir da síntese de LE e utilizando tripalmitina, oleato de metila e ácido oleico como substratos, é possível obter resultados satisfatórios para substituição da gordura do leite (BORRELLI; TRONO, 2015; SRIVASTAVA et al., 2006).
Outra possível metodologia para suplementação de leite materno é a síntese de LE a base de azeite de oliva refinado constituído por ácidos graxos insaturados das famílias ômega -3 e ômega -6. No estudo realizado por Li et al., 2015, LE foram produzidos utilizando 49,28% de ácido palmítico (representante da maior proporção dos ácidos saturados na gordura desse leite) na posição sn-2, porém com ausência de compostos fenólicos, o que acarretaria necessidade de adição de antioxidantes nessa formulação. Ainda assim, trata-se de uma técnica com grande potencial de nutrição.
CONCLUSÕES
Após a realização desta revisão, verifica-se que há diversas possibilidades de aplicação de enzimas, principalmente lipases, uma vez que esses biocatalisadores, além de substituírem químicos, também tornam os processos mais rápidos e eficientes e em condições mais brandas, conforme a bibliografia. Dessa maneira, através de reações enzimáticas obtém-se produtos amplamente utilizados na indústria de alimentos.
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o suporte financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq (PIBIC) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) [2019-03399-8].
REFERÊNCIAS
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BILAL, M. et al. Immobilized lipases-based nano-biocatalytic systems — A versatile platform with incredible biotechnological potential. International Journal of Biological Macromolecules, v. 175, p. 108–122, abr. 2021.
BORRELLI, G.; TRONO, D. Recombinant Lipases and Phospholipases and Their Use as Biocatalysts for Industrial Applications. International Journal of Molecular Sciences, v. 16, n. 9, p. 20774–20840, 1 set. 2015.
DAMODARAN, S.; L. PARKIN, K.; R. FENNEMA, O. Química de Alimentos de Fennema. 4. ed. [s.l.] Artmed, 2010.
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